sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Do orgulho e da vergonha de ser mulher

Hoje é o último dia do ano e, portanto, não é dia de enfurecer ninguém. Mas como é muito pouco provável  que alguém ainda vá ler Blog hoje e estou com uma coisa que não me sai da cabeça, lá vai.
Outro dia, proferi  uma frase herética, que nunca tinha me ocorrido, que jamais havia pensado  e muito menos verbalizado. Falei em alto e bom som: “mulheres têm peitos, então nasceram para alimentar”. Explico: falávamos do prazer de cozinhar e alimentar aqueles que amamos (sobretudo filhos, mas eu incluía marido, namorado, pais etc). Felizmente o interlocutor era um homem (senão penso que teria apanhado na hora), mas mesmo assim ele deve ter ficado chocado tanto quanto eu fiquei. Passei batida pela pérola com a qual tinha concluído o assunto mas, desde então, tenho tido pesadelos em que todas as feministas do mundo me perseguem e tentam furar meu olhos.
Exageros à parte, “nascer para alimentar” é um tanto forte. Nascemos para realizar um sem número de potenciais femininos – alguns, claro, coincidem com os masculinos, mas honestamente penso que alimentar está entre eles.
Existe um “ amor feminino” que acho que estamos perdendo, que não tem nada a ver com ter filhos ou não. Outro dia vi uma matéria que contava como tem aumentado o numero de mulheres que estão tomando testosterona para ficarem mais agressivas, mais decididas, mais parecidas com os homens no trabalho. Fiquei muito triste. Gosto tanto do olhar feminino sobre as coisas. Gosto tanto que as mulheres comprovadamente tenham menos tendência à violência e tantas outras coisas.... Porque precisamos nos parecer com os homens?
Essas mulheres precisam vencer e ter poder a qualquer preço, mesmo passando por cima do que têm de mais legal. Mesmo negando sua condição de mulher. E, claro, nem sabem o que é isso. E que amor se transforma em comida, em casa gostosa, em filhos educados e tantas outras coisas. 
Sei bem de tudo que o gênero feminino passou de opressão, dominação, desqualificação e de como precisava reagir a isso tudo. Bendigo todas as transformações pelas quais muitas mulheres corajosas lutaram. Graças a elas hoje podemos exercer nossa sexualidade como bem entendermos, podemos desenvolver nossos potenciais profissionais e criativos. Bendigo a ciência que inventou a reposição hormonal e todas as coisas e apetrechos que facilitam nossas vidas.
Em oposição a essas mulheress (pelo menos na nossa classe média brasileira de mulheres acima de 35 anos - as que normalmente já casaram e se separaram) existe as que chamo de "farsas". Aquelas que, espertamente, juntam a herança do tempo das “dondocas”,  com um  feminismo de conveniência  e ainda uma fantasia de que o tempo dos escravos não acabou.
Percebo isso vendo mulheres não querendo tocar em nada, quando um dos grandes prazeres da vida é ter contato com nossas próprias coisas! Mulheres que acham um desaforo ter que levar filhos na escola, ir ao supermercado, lavar um prato. Levantam (às vezes com muito talento) a bandeira da libertação das mulheres mas "exigem" que tudo lhes seja dado. Essas mulheres só enxergam a conta bancária do parceiro dizendo: “ de dura basta eu”, e ainda falam muito mal deles para as amigas sem enxergar que isso só depõe contra elas mesmas. Mulheres que ao invés de usufruir das liberdades conquistadas, inventaram um novo tipo de "amor": o amor troca.

Não é à toa que a frase “quem gosta de pau duro é viado, mulher gosta é de dinheiro” ficou consagrada. Esse tipo de amor pressupõe um "me engana que eu gosto" que não faz ninguém feliz e ainda torna nosso gênero mal visto já que somos todas niveladas "por baixo".

Vemos por aí um monte de mulheres insatisfeitas, diminuídas (com fantasias de superioridade porque usam Prada, Marc Jacobs etc) sem se dar conta de que não têm nada de delas. Nada que as faça de fato valer alguma coisa. Nem os homens são delas porque continuam fantasiando um "outro" príncipe que ainda virá a cavalo livrá-las do sapo que encontraram e que alimenta suas vaidades. Por que? Porque não aprenderam a lição número 1: Não existe almoço grátis! Elas sempre se sentirão injustiçadas e a troca será sempre contra elas.

E para que? Para não botar a mão na massa, trabalhar de verdade, serem suas próprias provedoras e ter orgulho disso (ainda que a bolsinha não seja Prada e as sandálias sejam Havaianas).

Honestamente, me sinto bem ofendida sendo mulher e sempre tentando ser tudo menos isso. Claro que há muitas exceções - todas as minhas amigas graças a Deus e uma montanha de outras mulheres brilhantes e vencedoras cada uma do seu próprio jeito. Mas freqüento academias, salões de beleza, clínicas, escola de crianças ricas e sei do que estou falando.

Quem acompanha o Bruno Drummond na Revista de Domingo também sabe.“ Gente Fina” é sensacional e triste ao mesmo tempo. Vivemos uma completa inversão de valores. As feministas lutaram em vão para essas mulheres. Elas continuam barbies infantilizadas concentrando toda sua inteligência e talento em manter a mentira que inventaram com seus parceiros.

Sempre sonhei com um meio termo! Que depois de queimados os sutiãs, homens e mulheres seriam capazes de conviver com amor, respeito e admiração. É possível, mas é raro. Eu, já nem sei mais identificar.

Mais triste ainda é a situação dos homens que não são bem sucedidos para os padrões classe média zona sul, depois de uma certa idade, que são a maioria. Na cabeça deles, pra que eles servem?
Falaremos disso em 2011. Por hoje, espero apenas parar de ser perseguida pela Simone de Beauvoir a quem devia explicações sobre a minha tagarelice aparentemente inconsequente.
Tenho certeza de que, se viva fosse, não acharia nenhuma graça do que o "segundo sexo" virou.


Feliz ano novo again!




quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vamos brincar de sonhar?

 Já estamos em meados de 2011. O ano, que parecia começar sem grandes esperanças – Dilma presidente, Lula no comando, nada que nos alentasse quanto à educação e à saúde da população, obras e projetos populistas (que mais cedo ou mais tarde teriam que acabar por falta de dinheiro – ou ele vai para as obras dos eventos que virão, ou para o bolso do povo ou dos políticos, não há de dar para tudo).
Mas...surpresa!
Na minha pequena vida pessoal, uma reviravolta difícil de ter sido prevista!
O Movimento Atende vai de vento em popa. A ONG decolou cheia de patrocínios. A cidade está ficando diferente, dou entrevistas nos jornais, explico como tudo começou e inspiro muitas e muitas ações para uma vida melhor. Vamos para o programa Cidades e Soluções.
Além disso, recebo a notícia de que meu livro será editado e com isso milhares de empreendedores do ramo da beleza terão acesso a informações confiáveis e práticas que realmente dão certo. Valeu toda a pesquisa! A L’Oréal vai apoiar e me propõe um belo contrato.
Junto com isso vem um monte de convites para palestras e cursos e começo a ganhar muito dinheiro...
Tanto que consigo trocar meu velho carrinho, tirar férias e ter dinheiro para uma longa viagem, fazer a festa de 15 anos da minha filha.
Finalmente meu querido amigo Zimet fica bom e comparece ao primeiro encontro cheio de vida e gargalhadas.
Sem fantasias e devaneios reconheço um homem encantador que me apoia nos meus projetos, nas minhas maluquices, nos meus desejos...será ele? Não sei se já o conheço ou não, mas isso não faz diferença porque será ao longo do ano que saberei e ficarei ainda mais feliz.
A PR bomba pelo Brasil inteiro, todos os meus amigos estão ótimos, renasce o clima de generosidade e amizade que em algum momento perdemos.
No decorrer da terapia tudo vai clareando, os nós desatando. Livro-me dos meus vícios todos com a certeza de que eles não me servem para nada e começo a cuidar melhor de mim.
Vislumbro um belo, gostoso e calmo futuro. Com minha filha crescendo maravilhosa e talvez, a possibilidade de formar uma nova família!
A “grosso modo’ como diria meu querido Edmour Saiani, estão aí meus sonhos para 2011. Será possível que voltei a sonhar?
Serei capaz de realizá-los?
Botar no papel já me parece um bom começo...
Quer brincar disso também? Faça a lista e coloque na parede...
Só temos um compromisso: certificarmo-nos, toda noite, de que durante o dia fizemos algo que nos aproximasse de pelo menos um dos sonhos. Vamos?
Eu topo!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Nossos Poderes


Uma das coisas que tenho achado mais importantes ultimamente e sobre a qual tenho me debruçado na terapia, é a descoberta real das minhas potências.
Saber isso me parece ter um valor enorme porque subestimar minhas potências me torna impotente diante do que não sou e, por outro lado, super estimá-las me torna prepotente o que é um passo para o fracasso.
Não é fácil essa tarefa. Somos todos cheios de fantasias (de superioridade ou de inferioridade), de culpas, de bagagens de erros e acertos que alimentaram ou destruíram nossa auto-estima, de forma que ter a dimensão real das nossas potências para, através dela, maximizarmos nossos resultados em qualquer área, concentrarmos nossos esforços onde somos mais potentes e saber pedir ajuda onde não somos, se torna muitas vezes um terreno movediço que dá vontade de desistir.
Não quero desistir. Penso que nunca é tarde para a gente se livrar do que não presta e se achar depois de limpar todas as teias de aranha acumuladas no nosso ego que tenta sobreviver muitas vezes à custa de nos deixar muito infelizes e falsamente incapacitados.
Todos nós, me parece, somos vítimas de alguma prepotência. E a prepotência nada mais é que a impossibilidade de reconhecer uma impotência. Paradoxal não?
Mas não é. Pense em todos os homens que já quiseram dominar o mundo. Se olhassem com um mínimo de isenção, saberiam de sua impotência para essa empreitada. Mas, ao não poder reconhecer essa impotência, tiveram a prepotência de tentar, matar milhares e milhões em nome de uma causa já perdida por antecipação.
Nem precisa ir tão longe, pense na prepotência que está contida na decisão de tentar mudar outra pessoa sem que ela queira. É a prepotência não querendo reconhecer a impotência...e por aí vai...
Indo mais fundo na psicanálise, há quem diga que a euforia, a arrogância e a prepotência, são mecanismos que criamos para escapar da depressão:

“São sensações criadas por formas de pensamentos com objetivo limitado de escapar da depressão. O movimento é de nos empurrarmos para cima.
Eu crio uma imagem fantasiosa sobre mim e tento viver essa ilusão enganando a mim mesmo. A ilusão é passageira e facilmente caio de volta na depressão.
Na euforia a fantasia é de que estou me sentindo ótimo, ativo etc. nego as dificuldades que estou sentindo.
Na arrogância e prepotência a fantasia é de superioridade. Crio a imagem que sou melhor que o resto da humanidade para fugir da sensação que não sou nada para mim mesmo.
Nestes exemplos a situação interna torna-se difícil, pois criamos fantasias (de superioridade) para camuflar fantasias (de inferioridades), estando assim a nossa realidade interior duplamente distante de nós”

Vejam como podemos cair em muitas ciladas inconscientes!
Felizmente, sei que nem a arrogância nem a prepotência são características que me descrevam. É mais fácil eu fantasiar uma impotência que uma prepotência, mas mesmo assim, é preciso saber reconhecer. Um engano é tão ruim quanto o outro (ou é o mesmo) a não ser pelo fato de que a impotência normalmente incomoda menos gente.
Isso tudo me faz concluir duas coisas: primeiro que prepotência é a mesma coisa que impotência só que vestida de outra forma. Muito pior porque não pode pedir ajuda, não pode ser verdadeira, não pode se mostrar. Isso ajuda muito a conviver e reconhecer os prepotentes por natureza. Eles são seres que sofrem muito porque no fundo sabem que podem muito pouco. E daí resulta em só haver uma saída: reconhecer a impotência quando ela de fato existe.
Por fim, liberar, reconhecer, festejar e utilizar ao máximo nossas potências que são muito maiores e em maior número do que podemos imaginar! Em geral somos muito mais poderosos que o chato do nosso ego nos deixa ver!

72 horas - O Poder de Uma Certeza


Ontem saí de casa para ver A Rede Social.  Chegamos ao cinema, estava esgotado, e a única alternativa era um filme chamado 72 horas.
Não sabíamos nada sobre ele, não tínhamos a menor ideia do que se tratava, mas, para não perder a viagem, resolvemos arriscar.
Que surpresa!
É um filme muito instigante sobre o poder das nossas certezas.
O filme começa com dois casais jantando e uma das mulheres contando que estava com problemas com a chefe. A outra mulher, um tipo provocador, vai levando a conversa para um lado que faz a primeira perder a calma e acaba “avançando” na outra. Parece uma cena gratuita, mas depois percebemos que é a única pista de que a personagem principal é uma pessoa que pode se tornar agressiva e tem o “sangue quente”.
Passada essa cena, ela é só suavidade e amor com o marido e o filho.
Sem querer me estender nem contar o filme, o fato é que a tal chefe aparece morta e todas as provas apontam para a “funcionária insatisfeita”.
O filme não mostra julgamento, defesa nada... ficamos apenas sabendo que ela é condenada a prisão perpétua.
O marido, apesar de tudo, tem absoluta certeza da inocência da mulher, e o mais curioso, é que nós espectadores também.
E a ele se coloca a seguinte questão: ou passar a vida num inferno tendo a mulher presa para sempre ou arriscar tudo (a própria vida e a do filho) para tirá-la da cadeia através de uma fuga que ele planeja obsessivamente.
O filme acaba sendo a história desse planejamento, que é tenso, cheio de contratempos, e a notícia final de que ela será transferida de presídio em 72 horas – ainda faltam coisas a planejar, mas se ela chegar a ser transferida adeus planos.
Bom, é de fazer suar as mãos e torcer a bolsa tudo que acontece.
A polícia descobre os planos e a perseguição é de tirar o fôlego. Mas nós, sentados na cadeira, torcemos o tempo todo para que eles consigam fugir.
Por que mesmo sabendo que o sangue da vítima estava em sua roupa, que as digitais dela estavam na arma do crime, que ela foi vista deixando o local do crime, continuamos convictamente torcendo por ela?
O diretor nem se dá ao trabalho de “pintar” uma chefe com quem a gente antipatizasse. Ela não aparece. Só uma cena de 5 segundos já morta.
E também nenhum dos personagens é um poço de simpatia. Não há muitos sorrisos, nem cenas comoventes nada... nem a criança é usada para esse fim.
Minha conclusão é que somos levados, e com maestria, pela convicção do marido que não só a ama (e amaria mesmo que ela tivesse matado), mas tem certeza absoluta de que ela não matou. Ele chega a dizer para ela: eu sei quem você é.
Não vou contar o final do filme, claro, mas saí do cinema emocionada com a força de uma crença e com a certeza inabalável de conhecer o outro.
Que força o “não haver dúvida” pode proporcionar! Que clareza! Como é bom tomar uma decisão e não ter um único diálogo interno sobre se aquilo está certo ou errado. Que bom nem pensar em culpa ou nada do gênero. Não dar a menor importância para o que as pessoas pensam!
Acho que esse é um dos grandes segredos: buscarmos com muita verdade nossas próprias convicções e lutarmos, sem medir esforços, por aquilo que acreditamos, seja lá o que estiver em jogo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Reflexão um tanto confusa sobre os filmes das nossas vidas

Estou aqui pensando no ano novo e nas minhas brincadeiras de todo ano pedir um príncipe a Papai Noel e estou me lembrando de um filme que vi há muito tempo atrás.
Foi na TV, não me lembro do nome, atores, nada. Nem era tão bom. Mas o roteiro chamou muito a minha atenção, tanto que nunca mais esqueci.
Assim por alto, uma tragédia acontecia e uma mulher envolvida no acidente tinha o poder de voltar no tempo. Ela volta a primeira vez para tentar impedir a morte de toda a sua família, mas volta para o ponto errado. Ela muda uma parte dos acontecimentos, mas a história segue praticamente do mesmo jeito e o acidente se repete. Ela então volta para um pouco antes e de novo não era aquele o ponto. Ela consegue mudar outras coisas que se revelam também acessórias para o curso dos acontecimentos e o acidente acontece de novo. Não me lembro bem se suas chances acabam ou o quê, mas o fato é que nós, espectadores, acabamos sabendo qual foi o momento crucial, aquele a ser efetivamente evitado para que todo o resto fosse diferente e não morressem todos.
Estou pensando nisso porque com o passar dos anos (e lá vai mais um), as consequências de cada coisa que fazemos vão ficando cada vez mais previsíveis e, se até uma altura da vida, não saberíamos o que mudar se nos fosse dada essa chance, com a maturidade, mal acabamos de fazer alguma coisa e já podemos afirmar sem muita chance de erro: acabei de colocar o ovo da serpente. Sei que lá na frente a serpente vai, muito provavelmente nascer.
A gente sabe tudo que vai acontecer a partir da maioria das nossas ações e a dos outros também. A ponto de dar aflição quando vemos alguém mais novo agindo de forma que podemos ver todo o filme que se seguirá.
Isso tem vantagens e desvantagens como tudo, eu acho.
Por um lado torna a vida muito mais confortável por ser nossa velha conhecida. Não temos mais muitas surpresas. As coisas quase sempre são do jeito que sabíamos que seriam. Quando ousamos não querer saber que sabíamos, o resultado é sempre nefasto.
Na outra mão, o fato de não haver surpresas torna tudo um pouco mais chato. Temos que ficar eternamente inventando mudanças em pontos cruciais da história para que não tenha sempre o mesmo final. Ou seja, se acomodar com o que a gente é - jamais. Descansar, jamais.
Porque pensei tudo isso?
Porque todo ano peço um príncipe e nunca ganho. E isso faz uns nove anos. Claro que sei que não vou ganhar (isso é só uma brincadeira), mas nunca consigo agir de forma a conquistá-lo.
Se ano após ano o resultado é sempre o mesmo, qual foi o ponto P ( ou seria o G?) da minha história que me desviou das ações que me levavam a escolhas certas, a atitudes certas, e que se não resultavam em príncipes, resultavam em relacionamentos satisfatórios e legais o suficiente para me fazer feliz pelo menos por um tempo?
Essa é que é a questão. Mudar acessórios (sair mais, olhar mais em volta etc.) não vai mudar o curso desse rio. Houve algum grande desvio interno (no caso do filme era uma carona que ela aceitava que disparava todo o resto) que me fez passar a ficar brincando de “caça ao príncipe”, sem a menor vontade de achar de verdade. Entrei em um carrossel perigoso de me pregar peças - ignorar sempre as próximas cenas que já podia prever, para reforçar minha vontade de ficar sozinha e dessa forma perpetuar meu pedido de Natal e Ano Novo.
Nunca vi alguém desejar a si próprio Feliz Natal e Ano Novo, mas é isso que estou fazendo: estou agora desejando que eu consiga voltar ao ponto exato em que perdi o controle do filme que vinha produzindo e possa fazer as mudanças necessárias para desfazer esse nó (que já deu o que tinha que dar - sem ou com trocadilho,vocês resolvem) e passar para algum outro nó: novo e mais instigante!
Feliz Ano Novo e Nós Novos para todo mundo!


domingo, 19 de dezembro de 2010

Gente, olhem que delícia: mensagem do prof. de geografia do ginásio

Queridos. Acho que vai soar muito óbvia (por ser professor de Geografia) esta mensagem de Natal. Entretanto foi a sensação que descobri em nosso encontro. E, então, a imagem se fez - águas, rios, rede de afluentes (os tributários, para os que não se lembram), vidas entrecruzadas. É a vida nos (re)apresentando a ela em cada momento. 


A continuidade da vida nunca se rompe: um rio corre e avança sempre, até perder-se de nossa vista. Lá, bem longe, ele leva consigo as mesmas águas que recolheu em outras terras. São essas mesmas águas, o dia-a-dia que vivemos, as que dão testemunho ao céu, aos vales, às montanhas, a Deus, aos homens, que o rio da vida correu muito, mas não envelheceu.
Obrigado por terem me recolhido  como água em suas vidas; por terem me mantido alegre em fazer parte de suas grandes “bacias tributárias”: os numerosos amigos/filhos/ex-professores que se estimam uns aos outros e agradecem a Deus por compartilharem a vida.
Felicidades neste Natal e  nos outros dias da caminhada desse(s) rio(s) que somos nós.
Beijos a todos.
João Rua


O Fim do Ano

O final do ano tem um caráter  diferente para o bem ou para o mal. Ninguém, acredito eu, passa batido e incólume pelo fim do ano.
Uns dão graças a Deus pelo ano que se foi, depositando de fato grandes esperanças no ano novo que se inicia.
Outros ficam nostálgicos porque já sabem que a mudança tem que vir de dentro e que o calendário nada tem a ver com isso e ainda há as festas que propiciam lembranças de outros e melhores tempos, de queridos que já se foram e de quebra, a passagem de mais um ano, tal  como um aniversário, faz lembrar que todos estamos ficando mais velhos.
Para os cristãos, o fim do ano ainda coincide (com uma semana de diferença) com o Natal.. outra festa difícil de lidar para muitos com  suas obrigatórias e nem sempre satisfatórias reuniões de família, as saudades, as compras intermináveis de presentes além do que o orçamento permite, o stress da preparação da ceia, super mercados lotados, trânsito caótico, calor insuportável, dívidas além da conta.
Na hora da verdade a coisa de revela: ou tudo valeu a pena, a família é linda, unida, feliz e a juntos celebram  não só o que se convencionou chamar de “o nascimento de Jesus” mas também a oportunidade de estarem juntos, felizes, trocando e confraternizando, ou – abismo dos abismos  - percebe-se o enorme buraco, a falta de assunto, o esforço para chegar ao final da noite. Daí muita gente embriagada, lamentando e jurando que nunca mais repetirá a cilada..
Isso tudo fora as festas e amigos ocultos do trabalho, dos amigos antigos, dos trabalhos antigos, as caixinhas sem fim de todos os que nos prestam serviços e quando nos damos conta estamos afundados em um monte de obrigações e gastos que se vão avolumando, e sem querer vamos entrando num certo clima de irritação que aparentemente é gratuito, mas alimentado por um sem número de velhas e novas invenções de como fazer o dinheiro sair das nossas mãos.
Difícil manter  a calma.
É já prática dos psiquiatras por exemplo, não mudarem medicamentos no final do ano, não mexerem muito com os pacientes porque todos já sabem que final de ano já está todo mundo mexido que chegue.
De minha parte tento me manter lúcida e consciente. Não me deixar levar por tsunami algum. Sei que quanto menos me mexo melhor.
Tento selecionar a dedo as pessoas que quero ver no Natal e no dia 31.
As festas de que quero participar e quem quero presentear.
Foi –se o tempo em era arrastada pela corrente.  Assumi o controle.
Não passo lépida e fagueira, é claro. Tenho minhas reflexões, minhas saudades, meus balanços.
Fico genuinamente feliz por estar com minha pequena família no Natal e o Réveillon pode ser qualquer coisa. Desde um ritual de passagem sozinha até uma grande festa se for o caso. Não é uma data especial “pra fora”. Gosto que ela exista só para dar essa respirada e zerada no calendário. A certeza de que posso tentar tudo de novo no ano que vem e talvez, sim, só talvez,  fazer melhor.

Por isso, como zera pra todos nós, desejo do fundo do meu coração, que em 2011 todos nós façamos um pouquinho melhor para termos resultados  diferentes e mais gratificantes e que possamos cada vez mais nos orgulhar de quem somos, olhar o mundo com cada vez mais confiança e certeza de que estamos fazendo nossa parte e, claro, aprofundar mais e mais nossa amizade!

FELIZ 2011 AMIGOS E OBRIGADA POR ME ATURAREM NESSE BLOG!

sábado, 18 de dezembro de 2010

Eu conheço o impossível, e você?

Eu conheço uma pessoa que de noite é doce, generosa, carinhosa, capaz de grandes e pequenos gestos super gostosos, de conversas longas, de intimidades à meia luz, de exibir suas carências, de pedir colo, de dar colo, de falar de coisas bonitas, de aconchegar, de ser uma deliciosa companhia.
De dia, essa mesma pessoa é racional  ao extremo, curta, fria, instável, capaz de respostas rudes e duras, insensível, auto centrada, travada mesmo. Diz o que lhe vem à cabeça sem saber ou pensar se vai magoar ou não. E, claro, falar em mágoa é  uma tremenda frescura. Um “piti” feminino.
De noite ela confia, de dia nem um pouco.
De noite ela se entrega de dia ela some.
Quem é a pessoa de verdade? A da noite ou a do dia?
Nesse momento estou  magoada. Mas não posso falar nada.
Se falo de dia não sou “ouvida”e tudo não passa de bobagem
Se falo de noite, no dia seguinte ela esquece o que falou e tudo volta a ser como era antes.
Existe inviabilidade maior?
De noite é bom  mas é esquecido
De dia não é bom, resolve-se de noite, mas volta-se a esquecer.
Eu adoro a da noite que foi a que primeiro conheci.
A do dia fui  vendo aos poucos...
E acontece que isso cansa muito! Quem tem um amigo assim tem que estar sempre alerta ou sempre se recuperando. Não relaxa nunca! Nunca é confortável. Há sempre uma iminência.
O problema é que a do dia nem sabe que a da noite existe!
Elas mesmas não se conhecem.....nunca foram apresentadas.
Uma pessoa....dois seres interiores separados pelo por do sol.
Ah! Como eu queria que não fosse assim.....impossível!


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Revelações da enquete teste


Bom, acabou o prazo de votação da enquete teste. O objetivo era ver se as enquetes funcionam já que alguém fez uma indagação em um comentário de por que nunca conseguia deixar sua opinião.
Parece que funcionam, embora tenhamos tido só duas opiniões. A do verão deu defeito mesmo.
Dos dois votantes, um disse que visitava o Blog todos os dias e o outro, de vez em quando.
Fiquei pensando nisso: para o que visita todo dia, estou devendo muito. Primeiro que não tem novidade todo dia e o que nós queremos sempre é novidade.
O mundo quer novidade. Todos sabemos disso. Passe por uma loja 2 vezes e veja a mesma vitrine,o interesse diminuirá. Entre no site de uma empresa algumas vezes e não encontre nada de novo, logo você não acessará mais.
Mudamos muito. O que era normal ser igual por muito tempo não é mais e isso tem inúmeros reflexos em nossas vidas.
Voltando ao Blog, fico imaginando a pobre alma que entra todos os dias e não só não se depara com um conteúdo novo mas tem que ver aqueles passarinhos voando (que nem eu aguento mais), aquelas mesmas fotos, os tons pastel, aquela frase “ acho que sou um ser que.......”, insuportável!!!!
Foi ótimo eu ter tido que me colocar no lugar dessa pessoa para sacar o quanto tudo precisa ser mexido, atualizado, se tornar minimamente interessante e surpreendente. O difícil pra mim é que não sei fazer essas coisas, mas vou tentar dar um jeito.
O mundo anda muito criativo. Isso é ótimo na minha opinião mas nos obriga a ter um espírito crítico muito afiado porque nem tudo que é novo e criativo é obrigatoriamente de qualidade, de bom gosto ou acrescenta alguma coisa....temos o tempo todo que estar alertas para separar o joio do trigo (nada criativa essa frase rsss.).
Mas toda essa explosão de criatividade torna tudo mais animado e fico surpresa como não são poucas as pessoas que conheço que continuam aprisionadas em rituais iguais há anos, imaginando que isso lhes dá algum conforto ou os protege do caos, sem perceber que estão um pouco mortas e se tornando muito chatas. Essas pessoas nunca se preocupam com novidades, surpresas, mudanças de hábitos, repetindo suas vidas e rotinas num eterno déjà vu.
Ficou muito fora da realidade estratificar as pessoas por idade. Hoje, é muito mais real classificá-las por estilo de vida. Isso para vender produtos, entender necessidades etc. A mesma prancha pode servir para um garoto de 20 e para um “senhor”de 60, desde que ambos sejam surfistas.
Eu considero que aquelas que nunca mudam, que são inflexíveis (e ainda se orgulham disso) são as que verdadeiramente envelhecem. Que nunca se surpreendem nem surpreendem os outros. Sei bem que isso é uma externalização de um processo interno mas azar o deles não é não?
Não tenho pena dessas pessoas – fizeram sua escolha, tenho pena de quem tem que conviver com elas – filhos pequenos ainda sem opção de deixar o ninho, mulheres/ maridos que ficaram cristalizados junto numa relação eternamente igual e sem novidades, empregados que têm chefes que não estimulam a criatividade nem trazem nada de novo para ampliar os horizontes de seus funcionários.
Chatos, chatos, chatos! Eu não quero fazer parte disso! Começarei mudando o Blog correndo!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Invenções

Cazuza dizia: “adoro um  amor inventado”
E eu fico pensando: atire a primeira pedra quem nunca inventou um amor.
Por que é fácil inventar um amor e muitas vezes a gente precisa disso: pegue alguém que seja atraente para você, olhe para essa pessoa e só veja o que você quer ver (ignore todo o resto), revista suas atitudes de alguma paixão (ela vai ser correspondida por certo principalmente se o outro estiver precisando inventar um amor também).
Revestir de paixão significa dizer o que o outro quer ouvir, prestar atenção em detalhes que o outro valoriza, transformar cada cena em cena de cinema, colecionar momentos perfeitos.
Eu mesma já vivi alguns amores inventados  e conheço vários que duram há muito tempo. Pessoas visivelmente nada a ver, que resolveram viver um amor apesar do baixíssimo índice de afinidade, de compreensão profunda, de simbiose mesmo. Os dois não se  conhecem muito mas o romance pode ser legal e exagerado o bastante para tapar  o sol com a peneira. E depois, quem quer conhecer muito outro alguém? Basta que ele corresponda ao que queremos e “engula” suas necessidades.
Outra forma de amor inventado?
Selecione a dedo uma pessoa que queira fazer o tipo de troca que você propõe. Sempre existe! Eu quero assim e assado e em troca te dou isso e aquilo. Outro amor inventado e ainda por cima conveniente! Fica na superfície mas quem liga? Tão pouca gente quer mais que isso!
Mas, o que não dá mesmo para inventar é uma amizade.
Primeiro, inventar uma amizade para que exatamente? Amizade não tem outra função a cumprir a não ser....ela existir. Amizade é o encontro mais profundo de dois seres. Não tem sexo (pode até ter mas é em outra dimensão), não tem hora marcada, não tem “cena”, não tem mentira. Amizade pressupõe (ao contrário do amor) um profundo conhecimento mútuo, e ao contrário do amor também, confiança absoluta: um nunca vai usar as fragilidades do outro em nome de nada – essas coisas não se inventam. Elas acontecem ou não.
Segundo, se no amor posso dizer só o que o outro quer ouvir e ficar sempre bem, na amizade TENHO que dizer o que o outro PRECISA ouvir, e isso nem sempre é fácil para nenhum dos lados. Muitos projetos de amizades sucumbem nessa  fase.
Terceiro, e ainda ao contrário do amor, amizade requer total cumplicidade do tipo ''não sei quem você matou mas vou te ajudar a esconder o corpo."
Amizade não pede explicações, não cobra, um conhece profundamente  o outro e não quer que ele seja diferente ( a não ser quando está na cara que seu amigo está numa roubada ou se matando).
Tente inventar uma amizade e a invenção será desmascarada em dois lances. Não dá.
“O nosso amor a gente inventa pra se distrair.”
Amizade a gente até tenta, mas não inventa.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O meu próprio cansaço


Estou cansada de tudo que não seja amor, afeto, compreensão, perdão, amizade.
Estou cansada de armas explícitas e implícitas. De armas que  atacam pelas costas ou de surpresa.
Estou cansada de jogos, defesas e ataques. De subterfúgios, de aparências, de mentiras.
Estou cansada de regras, leis e limites visíveis ou invisíveis. Sobretudo os inventados de última hora.
Estou exausta de dar tudo que tenho com o maior amor do mundo e  não ser compreendida
Estou farta de falsas conversas, de conversas esquecidas, de sustos de conveniência.
Aos 53 anos não quero mais estar farta de nada.
Quero estar em paz e sem medo de ser quem sou e o que sou. 
Quero ter 15, 30, 40,  53 anos tudo ao mesmo tempo agora.
Quero rir do que tenho pra rir. E rir muito!
E inventar outros tantos motivos para rir mesmo que não sejam concretos. Para isso há os amigos e as loucas gargalhadas!.
Chorar pelo que tenho que chorar e somente o quanto baste.
Me emocionar pelo que me é sagrado
Quero amar o mundo.
Quero mudar o mundo. E quero que alguém venha comigo.
Que venham todos os que amo  comigo.
Deixemos para trás os falsos afetos, as afetações, os individualismos e as sentinelas da alma! Soldados das sensações e dos desejos!
Affe! Estou farta de enganos e desenganos  mesmo que do bem.
Não tenho nenhum maniqueísmo de sentimento. Não promovo guerras entre o bem e o mal.
Há o que faz bem e o que faz mal. E cada um sabe do seu bem e do seu mal.
Eu só sei, nesse momento,  que  minha alma está muito, muito cansada......

Desculpem mas estou muito cansada


 Sei que prometi dar um tempo nas poesias mas hoje precisava muito desta. Sorry

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço…

Alvaro de Campos


domingo, 12 de dezembro de 2010

Só mais um por hoje, prometo rs

Preleção sobre a sombra


Espera, que uma preleção eu vou te ler,
Amor, sobre o amor e sua filosofia.
Nessas três horas de nosso lazer,
Aqui vagando, um par nos precedia.
De sombras, que eram por nós mesmos projetadas;
Ora o sol está a pino sobre nós, tu vês,
E nossas sombras, sob nossos pés;
E tudo se reduz à brava claridade.
Assim, ao que nosso amor infante crescia,
Nossas sombras, o nosso disfarce, sumiam
De nós e nossos medos; mas avança o dia.
Nenhum amor atinge o seu mais alto grau
Enquanto a vista alheia teme, como um mal.
A menos que o amor no zênite haja parado,
Produziremos novas sombras do outro lado.
Se as primeiras servem a nos ocultar,
Aos outros cegando; estas, a atuar
Atrás de nós, é qual a nós mesmos cegar.
Se nosso amor definha e declina no poente.
Tu a mim e eu a ti, falsamente,
Nossas ações deixamos que se disfarcem
Entre nós. As sombras da manhã se desfazem;
Estas crescem sempre mais, todavia,
Pois, ai! se o amor se esvai, curto é o seu dia.
O amor é uma luz sempre crescente e constante;
Seu primeiro minuto após meio-dia é noite

John Donne

É longo, é triste...mas é lindo!

Estou numa das minhas fases fissuradas por poesia e PRECISO compartilhar.

Quem não gosta pula rsr


O CORVO


Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.

E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto, e: "Com efeito,
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro coa alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma cousa que sussurra. Abramos,
Eia, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, — o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "O tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o corvo disse: "Nunca mais!"

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais".

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".

Assim posto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais,
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: "Nunca mais."

“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o corvo disse: "Nunca mais".

E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

Edgar Allan Poe
Tradução de Machado de Assis

 

Para quem não conhece

Para ser grande
 
Para ser grande, sê inteiro: nada 
          Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és 
         No mínimo que fazes. 
Assim em cada lago a lua toda 
        Brilha, porque alta vive 

                                                               Ricardo Reis

sábado, 11 de dezembro de 2010

Aproveitar o tempo agora por Cláudia Montezuma

Bem sei que só leva a cabo um projeto, um sonho, ou uma causa, aqueles que aproveitam o tempo, que não o desperdiçam com bobagens, que mantêm o foco.
Não conheço ninguém que seja muito bom em alguma coisa que não tenha tido que abrir mão de outras em nome de seu projeto maior.
Fui operada pelo Dr Paulo Niemeyer Filho e não esqueço das  conversas que tivemos. Viajar? Jamais. Nas poucas tentativas que fez de ir atrás de um  pouco de lazer, foi obrigado a voltar do aeroporto porque tinha vidas a salvar. Não há excelência sem alguma ou muita obsessão concluo. Estudar o tempo todo, se atualizar, praticar sem parar...essa a sua rotina.
Nem todos nós temos vidas em nossas mãos mas ainda assim, para “crescer e aparecer” não desfocar é fundamental.
Pegando esse exemplo do Dr Paulo, podemos imaginar que ele tem uma estrutura muito bem montada que permite sua total dedicação ao trabalho.
E nós que não temos? Que temos que cuidar de filhos, casa, carro, saúde da família, participar de todos os problemas e, se Deus quiser, soluções, cuidar dos amigos nem que seja um pouquinho, trabalhar, prover os recursos materiais e emocionais para todas as necessidades? Que tempo dá para tudo isso? Tem que saber aproveitar e muito não é não?
Mas não é desse aproveitar que queria falar. Queria refletir sobre o  que o “senso comum” vive dizendo:  “o que se leva dessa vida é a vida que se leva” ou “deixe de ficar em casa, aproveite a vida!”, ou ainda “adoro viver intensamente”.
Tudo isso confesso que me encafifa tremendamente.
Primeiro: nada se leva dessa vida, nem a vida que se leva. No máximo  se “deixa” alguma coisa: o que você fez de bom, a forma como marcou a vida dos que sobreviveram a você, a maneira e o carinho com que será lembrado. Ouvi alguém dizer  que a gente não morre enquanto houverem pessoas que lembrem da gente, que repitam o que dizíamos, que lembrem do nosso exemplo. O resto é nada.
Segundo, aproveitar a vida não deveria estar imediatamente associado ao que nos dá prazer e não a uma fórmula única que serviria para todos? Quem foi que disse que para mim  é mais proveitoso topar qualquer programa só para dizer que saí do que estar em casa sozinha lendo um ótimo livro ou vendo um ótimo filme?
E viver intensamente é o que? Para quem gosta efetivamente de surf, por exemplo, pode ser pegar todas as ondas do mundo. Para quem gosta de sexo, pode ser pegar um parceiro por dia. Para quem gosta de aventuras, pode ser cruzar um deserto a pé por ano, ou dar a volta ao mundo em um veleiro. Viver intensamente é o que é para cada um. O importante é estar inteiro em cada pequena coisa que você faz (como dizia o poeta: assim, a lua alta ilumina todo o lago). Isso é intensidade. Não fazer por fazer, porque todo mundo faz ou porque é bonito contar.
Já viram essas pessoas que viajam, fazem os roteiros mais “in” e não curtem nada? Fazem da viagem uma maratona, nunca “estão”em lugar nenhum, não curtem o “clima “ de nada....correm, correm....atrás do quê  ninguém pode saber, porque ver todos os monumentos e museus para cumprir um check-list para mim nunca foi viajar...Essas pessoas vão aos lugares para fotografar e só vão parar quando chegarem em casa, nos seus sofás dizendo para os amigos:“eu estive aqui”.
Que diferença pode fazer no prazer da sua viagem, ir a Roma e NÃO ver o Papa? Nenhuma, lógico.
Pense em ir ao Tibet, ver aqueles monges, sentir todo o clima e NÃO MEDITAR, NÃO ENTRAR NO CLIMA, só fotografar.
Tenho pena dessas pessoas. Elas passam a vida correndo atrás de alguma coisa que nem sabem explicar. Elas têm um vazio constante, uma pressa (há os que mal podem dormir em viagem para não ”perder” nada). Elas pensam que vivem intensamente mas esse intensamente nunca é o bastante.
Eu tenho pouquíssimas fotos das viagens que fiz. Aliás de qualquer momento mesmo que muito especial. Estou sempre tão “dentro” do momento, que a última coisa que me ocorre é fotografar  (lembrei agora dos japoneses e seus flashes intermináveis....tente “apreciar” a Monalisa. Não dá...são 500 japoneses na sua frente que não apreciam, só fotografam para ver em casa depois rsrs)
Assim, acho que existe uma enorme diferença entre aproveitar o tempo para fazê-lo render mais a nosso favor (mesmo assim isso  não significa estar sempre se perguntando se o tempo está ou não sendo aproveitado) e aproveitar a vida.
Que tenhamos todos o dom do discernimento para saber como melhor aproveitá-la e deixar nossas marcas, porque daqui não levaremos rigorosamente nada.
Ou não levar nem deixar, também é uma opção.
Mas que seja clara, sem subterfúgios, sem desculpas esfarrapadas do tipo "minha vida foi tão difícil....
Sartre dizia com muita propriedade: "O importante não é o que fizeram de nós, mas o que fizemos com o que fizeram de nós".

Aproveitar o tempo - Fernando Pessoa

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
  E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
  E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
 

  E cai, como caem os deuses, no chão do Destino
 
No próximo post farei minhas considerações sobre aproveitar o tempo. Nada como uma linda poesia para abrir o tema

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Às favas com a inteligência


Hoje um comentário do meu querido amigo Paulo Roberto – que me acha muito inteligente, me fez pensar nisso.
Ele disse que eu lido bem com minha inteligência e eu respondi que não lido bem, eu “cago” para minha inteligência e mais não expliquei.
Claro que essa frase ficou reverberando na minha cabeça mas a explicação não é tão difícil.
Éramos 2 irmãs. A maior, bonita, organizada, gostava de se vestir bem, o armário um brinco, material da escola um capricho só...uma “moça”como meu pai dizia. Eu, a menor, gordinha, bagunceira pra caramba, tudo fora do lugar, uma luta pra botar uma roupa de menina, amigos que ninguém aprovava, nem parecia uma menina. Mas....inteligente.
O único adjetivo positivo que sobrava para mim era “inteligente”: primeiro lugar em tudo...um orgulho. Mas era só.
O subtexto que eu entendia quando toda a família dizia que eu era inteligente era: "coitada...ela é feia, desengonçada, desorganizada...pelo menos é inteligente, vai poder sobreviver sem marido."
Podem imaginar o quanto eu ficava furiosa com esse “inteligente”?
E passei a acreditar nisso e ser inteligente foi, de fato. a única coisa à qual pude me agarrar mas muito a contragosto.
Cresci, fiquei bonitinha, charmosa, e comecei a ouvir outros elogios embora a inteligência tenha continuado a me irritar muito.
Uma vez ouvi de um professor de cálculo na faculdade, que naturalmente estava me paquerando e achava que ia acertar na cantada: “seu único defeito é ser inteligente demais”. Acabou aí com qualquer possibilidade. O professor nunca soube o tamanho da bola fora que conseguiu chutar. Me enfureceu de novo.
Claro que tive que me acostumar. Não podia ter um ataque de mau humor a cada vez que alguém me falasse que eu era inteligente (aceitava mas não ligava, nunca me envaideci).
E a coisa foi amainando. Os comentários ficando menos pesados: a Cláudia é bonita, simpática e ainda por cima muito inteligente. Menos mal.
E assim a vida foi passando.
Agora, a caminho do que chamamos velhice, essa coisa da inteligência voltou a me irritar. De novo já não devo ter nenhuma qualidade evidente a não ser.... inteligente.
Às favas com essa inteligência! Me esforço tanto para ser uma pessoa melhor, mais compreensiva, mais legal, mais verdadeira, mais amiga, com mais empatia pelo ser humano em geral, mais paciente, mais amorosa...mais tanta coisa! E a primeira coisa que sempre ouço é: você é muito inteligente!
Eu nem sei o que isso quer dizer direito. Não somos, nós todos, inteligentes de alguma forma? A tal inteligência assim genérica, faz o que? Proporciona o que? Acrescenta o que à minha vida e à dos que me rodeiam?
Se me pedissem para fazer uma lista das coisas que melhorariam a minha vida eu diria (não sei se nessa ordem) : mais disciplina, mais calma, mais coragem, mais ação, menos paixão, mais ambição, mais método.
Um Q.I. um pouco mais elevado, honestamente, acho que não ajudaria em nada.