segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Tempo


Tem tempo perdido, tem tempo achado
Tem tempo que aparece e nem era procurado

Tem tempo que passa só no relógio
Porque dentro da cabeça é um tempo parado



Um tempo pequeno parece que voa
Um tempo grande pode ser à toa
Uns podem só contar a vida que acharam boa
Outros, deixam soar o som que na eternidade ecoa



Se a vida é um eco e nascer é o primeiro grito
Que bate em paredes de tijolo, aço ou granito
Pra se transformar em riso, choro ou outro sentir feliz ou aflito
Então o zig-zag no tempo é tudo que estava escrito e não dito



É o estranho passar das horas que enfim, de tanto passar
nos levam ao fim, que sempre se junta ao começo
Porque um dia se nasce, se grita, e vêm juntas dor e alegria
Em outro, se morre e se sente o mesmo, só que do lado do avesso



Nem foi pouco nem muito o tempo que passou. Na verdade, ninguém contou.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Tá fácil prá vocês?


Nāo pretendo continuar tentando entender. Peguei a onda errada. Encheu. Nāo surfei. Tô no mar, atônita, tendo a certeza de que a vida tinha que ter começado dapois da arrebentaçao e terminado na praia.
Mas me parece que a trajetória da vida é ao contrário e eu nāo dou conta de a esta altura, entender mais nada.
Deixe ver se estou errada: nascemos desdentados, analfabetos, tøtalmente dependentes, chorões por nāo saber falar. Mas a fome,a falta da māe, as cólicas, tudo isso é bem rapidamente resolvido e, em geral, o bebê nāo precisa de grandes lições para entender a dinâmica do seu funcionamento e o da māe. O mundo é pequeno, como pequeno é o número de variáveis que nele transitam e sāo capazes de modificar o meio. O controle rapidamente é estabelecido. 
Em geral, julgamos - e aí já começam os equívocos, que os adultos responsáveis por um bebê, estāo preparados porque, segundo essa lei ao contrário eles já sabem lidar com a vida. Nem sempre. Muitas vezes seus egos  estā deformados, o uso que fazem das crianças é cruel, precisam de poder e violência para se afirmar como os tais adultos que compreenderam e apreenderam o mundo e suas regras. E sāo essas pessoas que nos incutem crenças que podem fazer de nós, crianças que ainda somos, adultos confusos e esburacados.
Pode ser até uma coisa bem ingênua: o avô de um amigo dizia todo fim de semana que  iriam os dois a Buenos Aires. Quanta aventura! Um dia, meu pobre amigo descobriu que há algum tempo ia até Niterói e voltava todo fim de semana. Às segundas- feiras, dia de contar a programaçāo do fim de semana ele sempre tinha ido para Buenos Aires. Pobre querido amigo. Nāo deixou sequelas. Ele tem muito carinho por esse avō que já se foi.
E o  tempo, que oscila entre melhor amigo e inimigo mortal vai passando, as palavras e as situaçoes vāo se repetindo e  a vida vai ficando familiar. Eu diria que sāo os 5 ou 6 anos que temos de paz. 
Dentro dessa tese que estou defendendo de que tudo é fora da ordem, começamos  a estudar para ter uma careira, casamos, temos filhos, fazemos bastante psicanálise para ter a ilusāo de que estamos no controle e entendendo tudo, temos muitos amigos, crises, ansiedades, insatisfações a rodo. Seria essa a hora para tudo isso? Somos ainda tāo imaturos e já nos jogamos nessa roda. Mas nada muito doloroso. Somos brasileiros, todos se protegem, todos sāo paternais, inclusive a maioria dos professores. Entāo fica tudo meio facinho, se complicar volta. Pensar, nao precisa muito. Um nivel de exigēncia bem mais ou menos que vai nos levando pela vida com a equivocada e horrorosa sensaçāo de que está tudo bem quando na verdade, ninguém tá entendendo nada. Ou nāo querendo entender.
Agora entāo tem um negócio super na moda de que adultos só aprendem de forma lúdica. Isso me irrrita muito. Nunca se pode falar serio? Discutir? Aprofundar? Nāo. Alėm de fácil tem que ser divertido senāo nada feito. Dinheiro de volta.. Tem que dar pra entender rapido. Correlacoes, conhecimentos cruzados, rodas de conversa.....para! socorro!
Mas aí vem a desgraça. De trás pra frente, o mundo nos vai exigindo aprofundamento e aí amigo, ou você é o cara ou está fudido
As palavras- portugues dig-se de passagem, sāo incompreensíveis para quem, como eu, fui deixando pra lá . Elas sāo o nosso idioma mas juntas parece que formam outro dialeto. Eu, que sempre adorei filosofia por exemplo, nunca tive medo de encarar textos difíceis, e sei que tenho alguma inteligência, já ando me recusando a comer certos filósofos em primeira māo. Prefiro-os requentados. Na verdade, quase frios. Significa que deixei em algum lugar do passado essa vontade de saber e entender. Quero que me contem, me expliquem. O meu próprio tesāo parece que acabou sendo que minha sensaçao de confusāo e estranhamento cada ve aumenta mais. 
Agora mesmo tentava estudar a prosa de Fernando Pessoa - eu, que domino a poesia com bastante desenvoltura, fiquei abismada: querem saber? Movimentos literários: " sucedentismo " - sensacionismo `a primeira dimensao;  " intercecionismo" - sensacionismo a 2 dimensoes. Que diabos é isso? Deve haver qualquer coisa de importante, pensamento livre, modernidade. Mas sabem: nao posso entender.Nāo quero e fico muito cansada. Eu digo: está tudo ao contrário.
Comecei a estudar a semiótica de Luiz Tatit. Comprei um monte de livros. Quis me matar e só nāo o fiz porque decidir o metodo é dificil e corre-se o risco de cair no mau gosto. Conhece-se uma pessoa pela forma como ela se mata. Como vive é fácil.
Ora me perguntarāo alguns: mas você é matemática e admininistradora. Nao tem que entender a semiotica ou a teoria estetica de Pessoa.
Errado. A visāo do mundo mudou tragicamente.Hoje se sabe que tudo tem a ver com tudo e se o efeito borboleta contėm um certo exagero, é só para reforçar a importāncia das conexões fiísicas, químicas, biológicas. E se tudo está dentro, porque a estética, as artes, as palavras, os textos e contextos, estariam fora?  
Os universos atômicos e subatomicos sāo cada dia mais dificeis de entender. O mundo das partículas nāo é senāo um eterno vir a ser. Nada está onde se supunha.Você achava que a terra tinha uma parte viva e outra sem vida? Quue a atmosfera nāo era viva? Enganou-se. Toda a terra é comprovadamente viva e  toda ela  está sofrendo. Ouça sua respiraçao. É muito emocionante.
Eu nao aguento mais. Nunca curti poças e superfíicies. Nao encontro muitos interlocutores e também do que adiantaria?  Eu nāo sou uma interlocutora à altura de pladares mais exigentes. 
O entretenimento popular que sou capaz de entender me dá  náuseas. Quando foi a última vez que você viu algo como Bergman, Fellini, Godard, Troufaut e outros? Quando foi a ultima vez que degustou um comedia francesa do nível de Jaques Tatit? Mon oncle?  E os Stones? Porque nao fizeram o favor de nascer no Brasil? Somos maravilhosos, mas sempre sem sber se estamos indo ou vindo.
Economia, comportamento, valores humanos....por favor um saco de vômito
Consumo desenfreado? Shopping center? Outro saco eu imploro 
Violēncia, corrupçāo, crueldade....governos sem causa....MOCA! preciso vomitar a minha alma toda.
Copa do mundo, olimpíadas, trânsito....lamento. Fico aqui e me esvaio numa poça nojenta com todos os meus fluidos que nāo sei porque ficaram verdes.
O mundo é podre, as guerras, a fome, o sofrimento....é tudo verde e quem nāo entende sou eu.
Estaria já na hora de eu estar compreendendo, ser mais complascente, amorosa, ter mais fé no ser humano, ser mais compassiva. Repito: é tudo ao contrário. 
Como diz uma grande amiga, resta-nos o The Voice Brasil, os reality shows de culinária, o super bonita, o GNT fashion e...devo estar esquecendo de algum. Livros de cabeceira: Adrine Galisteu e Marta Medeiros. Tá de bom tamanho.
Que se dane o resto, ou nāo.


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

"Oh pero que letra más hermosa que habla de un corazón apasionado"




Eu nem sabia,

Nem te conhecia

Onde você ia

Quando eu vinha?



Você era um rio que corria e correndo ria de tanto que produzia

A energia da sua correnteza era de tal grandeza que você não via, nem ouvia

quem fluía na sua direção


Porque não te achei, por que não te olhei?

Por que a vida me fez pura desatenção?

Como atravessar a rua sem olhar e pretender não se machucar?


Você porque muito fazia, eu porque sempre partia em aflição,

Esqueci de lembrar que sempre soube que por baixo do oceano de memória

que era minha imaginação,

Eu sabia que te amaria e para isso era preciso uma ventania ou um furacão


Mas não     


Foi num dia calmo, sem nenhuma agitação

Num desses pequenos acasos, tão pequenos que quase são descasos

Eu fiquei muito quieta só com minha intuição de que dessa vez eu veria o homem

que cantaria a minha alma e no lugar de Pessoa, me faria companhia.


Mas vivo, alegre e engraçado

Mudando de vez minha sina de menina escondida

Que queria acreditar no gênio e no palhaço

No carinho e doação, na paz e na paixão



Um segundo de silêncio e o poeta cantou:


“Tudo que era o meu destino

 na verdade nunca me aconteceu

Pode ter acontecido

Pra alguma pessoa

Mas não era eu” ........


Ele queria tudo que o destino lhe tomou e acreditem, eu também

Nunca mais fui a mesma , por ele totalmente encantada

E renovada pela minha própria visão da montanha isolada onde,

 por um quase nada, dois seriam um sem nada descasado ou separado.

Nossos destinos felizes e reabilitados.


Foi um fato relevante e que poderia dar inicio a uma jornada

consistente, consciente e que fosse um presente – como eu estava contente

Para quem andava só e já amava antes de saber quem

Mas não se pode interceder no que está escrito e definido

Cheguei tarde e o poeta sem destino não se viu comigo,
E sem fazer alarde sumiu como quando ia
justo quando eu vinha.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A matemática, as dúvidas e eu

Conhecia de muito perto a loucura. Mais que qualquer outra coisa. Sabia que era diferente dos outros porque pensava diferente, agia diferente e, mais que tudo, sentia diferente.
Sua lógica nem de longe  passava pelo que se costumou chamar de clássica, mesmo que tenha passado os séculos sendo questionada. Sua cabeça funcionava no caos e  sabia que a isso chamavam loucura.
Sabia a que horas deprimiria, a que horas as vozes viriam e quando seriam alegres ou tristes.
Ria-se delas ou, em caso de total nāo entendimento de suas intenções, fechava-se em sua aparente solidāo e de lá só  saía quando o silêncio permitia e entāo, de novo, encontrava-se consigo mesmo.

Efêmeros momentos. Sabia que olhar para fora nāo o levaria a lugar nenhum. Assim, procurava entrar em si mesmo. Normalmente nāo se ressentia do que encontrava, reconhecia-se quase como uma obra muito original. Ressentia-se, isso sim, de que, por ser quem era fosse chamado de louco.

Louco porque a vida cotidiana lhe parecia muito pouco e como nao podia acusá-la – já  que a outros parecia tāo rica , acusava-se a si mesmo, criando em seu interior um mundo melhor, onde habitavam bondade, as ingenuidades da infância, os amores da juventude, as obras de arte sempre imaginadas e jamais realizadas, as filosofias improváveis, os sonhos de grande músico, e os amigos com quem podia conversar, confiar, trocar todas as ideias sem qualquer crítica, e de vez em quando, encontrar a fonte de onde jorrava toda sua criatividade  que tornou esse tal planeta imaginário tāo completo e  perfeito.
Os erros de Deus estavam corrigidos. Tudo ali  era possível e do caos, obrigatoriamente, a ordem se fazia.

Muito sofreu porque o mundo bom só a ele pertencia. Sabia que para fazer desse mundo sua casa, seria necessário renunciar e renunciar. O mundo de todo mundo nunca mais lhe pertenceria.

E entre um e outro, sentiu muita falta do que estranhamente lhe parecia mais real embora tolo. E sem obra de arte, sem música e sem amigos, enfrentou todas as forças do mal, os dagrões que cuspiam fogo, as enormes correntes de ferro amarradas às suas pernas. E de um jeito ou de outro, venceu.

Venceu da forma como é possível vencer. Abandonou-se, entregou-se aos próximos que julgou mais próximos, buscou em suas profudezas as culpas que ainda o adoeciam e tratou de redimi-las. Preparou sua morte de forma a poder pouco arrepender-se. A poder purificar-se.

O que ele só soube pouco antes de morrer,  que diminuiu e reduziu todo o significado de sua triste e quase santa vida,  é que tudo  a que chamavam  loucura num tom entre penalizado e solene , tambėm atendia pelo nome de “desequilíibrio de zinco e potássio”. 

Nada mais desconsertante que deixar de ser louco para tornar-se um ser com altos níveis de elementos químicos. 

Que louca e pouca é a vida!





quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Mais dia, menos dia, teremos todos que pensar nisso. Ou deixaremos a decisāo no testamento.

Já estava tudo decidido. Eles iriam embora. Foram muitos anos relutando, aumentando o apego, aumentando a quantidade, nāo conseguindo imaginar a vida sem a presença daqueles que me deram tantas alegrias.
Que me mostraram tanta coisa nova. Que, por assim dizer, me forjaram. A felicidade começava na leitura do caderno prosa e verso - procurando as dicas, ou nas tardes passadas entre eles, admirando os conteúdos, os cheiros, as novas capas, os assuntos palpitantes.
O mundo estava contido em cada livraria e a sensaçāo era de que seria impossível escolher algum. Ou entende-se o mundo todo ou nada. Melhor desistir. Diante da impossibilidade de escolher uma ou outra, crise de ansiedade. Tremores, suores. Contas a nāo mais poder para ver quanto o dinheiro podia comprar. Culpa pelas dívidas. Dívida é igual a culpa. E passados os piores momentos:  êxtase.
Sou dona de mais isso tudo. Nāo poderei morrer sem lê-los todos. Na pior das hipóteses tratava-se de um investimento na aposentadoria. Quem coleciona nāo morre. Tem sempre um motivo para continuar vivendo.
E como em cada fase da vida é de um jeito que a gente quer ver o mundo e, a literatura, em forma de romances, contos ou poesias, é sempre tāo real como qualquer sonho ou notícia, a gente vai lendo, gostando, nāo gostando, se transportando para outros mundos e outros tempos. A propósito, quem nāo aprendeu com a literatura a relatividade de tempo e espaço? Já nāo teria valido a pena?
Assim os anos foram passando. Entre alegrias infinitas, histórias inesquecíveis, os que li mil vezes e aqueles que nunca li mas estāo lá aguardando sua vez. Poderei nunca ler um livro que tenho mas acho que qualquer um deles existir como projeto, já justifica a existência. Nāo existencialísticamente falando.
Claro que a vida sem eles nāo faria o menor sentido. Eles me definem hoje e definiram sempre.  Sāo quem sou. Formaram minha vida nas horas boas de puro deleite, e nas solitárias quando também eram eles que me confortavam.
Nāo podia supor que chegasse o dia em que tudo mudasse. Em que tivesse muita vontade de desocupar espaços, em que nāo achasse mais importante estar rodeada por MEUS LIVROS. Em que nāo mais precisasse deles para me lembrar do que vivi. Comecei a olhar para as estantes e ....adeus sentimentalismo. Já podia imaginar quais -poucos, ficariam e para onde iriam todos os que iria doar. E também,  comecei a  pensar, quantos livros cabem em um gadget desses de e-books? Para que tanto espaço destinado a livros em apartamentos que já nāo cabem mais nada? E os CDs transformados em coisinhas de MP3? Nāo faz mais sentido (digo isso nāo sem tentar me convencer de que minha tara pelo papel, pelo toque, pelo ritual, sāo coisas do passado.  De que o novo sempre vem.)
Mas aí......hoje aconteceu o que nāo era para acontecer porque minha certeza nāo era assim tāo certa e toda a  teoria que eu tinha montado para me convencer, mostrou-se de um equilíbrio para lá de instável.  Bastou um sopro e lá se foi a casa do primeiro porquinho.
Claro que entre os livros guardados com carinho, está toda a obra de  Jorge Luis Borges que configura, talvez, o meu único arrependimento nessa vida. Se fosse perguntada, na hora da morte, o que teria feito diferente, responderia: teria lido mais Borges. No meio da tarde de hoje, sem nada que o explique,  tive uma tremenda saudade. E me pus a folhear o "Pensamento vivo de Borges". Chorei, como todas as vezes. Ele me comove muito falando em primeira pessoa. Me parece quase uma figura mítica na qual só eu acredito. Impossível colocar Borges na rua como quem coloca um Milan Kundera, por exemplo - para falar de outro que habita minha estante mas que, com certeza, jamais ficarei tentada a reler. Nos poucos pares de horas que tive hoje para tentar aplacar minha abstinência Borgeana que eu nem sabia de que tamanho era, deu-se uma reviravolta e vou transcrever aqui alguns pensamentos de Borges só para os mais esquecidos saibam que nāo estou exagerando. E para me comprazer, claro. Deixando claro que esta é uma ínfima amostra do que pensava, sentia e como se colocava diante da vida esse monstro sagrado:

" Perguntei a Alfonso Reyes porque publicamos livros e ele respondeu que já se havia feito essa pergunta: - Compartilho dessa perplexidde, mas penso que cheguei a uma soluçāo: publicamos para nāo passar a vida corrigindo rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro, para livrar-se dele. "

"Naturalmnete, como todos os moços, tentei ser tāo infeliz quanto possivel - um tipo de Hamlet e Raskolnikov enrolados num só"

" Em 1924, entrei em dois grupos literários diferentes, Um, cuja lembrança ainda aprecio, era o de Guiraldes, que ainda estava por escrever Dom Segundo Sombra(....) O outro grupo, do qual me arrependo bastante, foi o da revista Martin Fierro. Eu detestava " Martín Fierro" por aquilo que representava, ou seja, a ideia francesa de que a literatura está continuamente em renovaçāo- que Adāo renasce a cada manhā."

" Recapitulando este período da minha vida, sinto uma completa antipatia pelo jovem pedante e muito dogmático que entāo era. Esses amigos, contudo, ainda se conservam muito vivos e pròximos para mim.Na verdade,formam uma parte preciosa de mim.A amizade, penso eu, é a única paixāo argentina redentora"

" Eu nāo sou , nem poderia ser um escritor latino americano.E nem sei até que ponto sou argentino."

" Suponho que minha melhor produçāo  está acabada. Isso me dá uma certa satisfaçāo e tranquilidade íntimas.E, contudo, nāo sinto que tenha esgotado minhas possibidades  de escrever. De algum modo, a juventude parece mais próxima de mim hoje do que quando era moço.Nāo mais considero a felicidade inatingível como há muito tempo atrás eu a considerava. Agora sei que ela pode acontecer a qualquer momento mas que nunca deveria ser buscada. Quanto ao fracasso ou à fama, sāo muito irrelevantes e nunca me preocupei com eles. O que estou procurando agora é minha paz, a alegria de pensar e da amizade e, embora possa ser demasiaa ambiçāo, uma sensaçāo de amar e ser amado."

" Um dia uma reporter disse a Borges: " o senhor é um gênio". Sorrindo ele respondeu: " Nāo creia, sāo calúnias."

" A cegueira, que nāo apenas  era comum entre os membros de sua família, mas também da entre os diretores da biblioteca (dois de seus antecessores eram cegos), inspiraria ao poeta um se seus mais belos poemas - Poema de los dones - onde fala da esplêndida ironia de Deus, que lhe doou ao mesmo tempo 800.000 livros e a cegueira, quando sua idéia de paraíso sempre foi uma visāo de biblioteca: " Ninguém rebaixe a lágrima ou se afoite/ A condenara a prova da mestria/ de Deus que, com magnífica ironia, Deu-me os livros e ao mesmo tempo a noite."

" Nāo existe nada na América Latina. É como se todo o continente fosse um romance mal escrito."

" Mas ele ainda iria surpreender: escolheria, como lugar para morrer e ser enterrado, Genebra, na Suíça e nāo sua terra natal como muitos podiam esperar Borges recusou-se a morrer como o outro, aquele que era um monumento argentino, o ser público dos jornalistas, dos escândalos, dos inúmeros amigos e condecorações, mas ele mesmo: que sonhava ser invisível: um viajante cosmopolita e antinacionalista, cuja única pátria foi a literatura."

Borges costumava dizer: " o mundo inteiro é um jogo de símbolos e todas as coisas significam outra coisa."  Deduz-se daí, a riqueza da sua obra.

Poderia seguir para sempre citando só pérolas de Borges e sempre me maravilhando como se fosse a primeira vez.
Asssociando essas pérolas com tudo de profundo, sofisticado, denso e tocante de sua obra que também é infinita. O curioso é que os temas sāo muito recorrentes, mas os significados.....meu Deus. Atrevo-me a dizer que se só existisse Borges no mundo como escritor, estaria de muito bom tamanho. Nāo passaríamos um dia sem ler.
As mesmas histórias, mas novas histórias, com novos conteúdos, originários de outras literaturas e relidas por outros leitores. Impossível definir o que é a  literatura dentro da literatura, com " fatos estéticos" como ele mesmo chamava, acontecendo o tempo todo. É preciso experimentar, entregar-se e viver a experiência praticamente lisérgica que é mergulhar no universo Borgeano.

Quero muito terminar mas nāo consigo. Eu tenho tanta admiraçāo pela pessoa e obra desse homem que sou raptada toda vez que começo a falar dele. E por onde fui tentar esvaziar minha estante! Pelo impossível!
É claro que Borges nāo sai. Vou pensar na hipótese de que fique apenas ele e alguns filósofos com os quais tenho mais afinidade.  Sim, mas e Proust? Já posso antever todo o sofrimento e as argumentações para que este também nāo se vá. Como ele também é enorme! Como ocupa um espaço gigante na minha vida!
Nem falo de Fernando Pessoa porque este, sendo eu mesma, nāo poderia deixar a casa. Uma cisāo dessa natureza ainda nāo está em cogitaçāo.
E entāo me pergunto: porque é mesmo que tenho que sofrer?






terça-feira, 12 de novembro de 2013

Preciso falar de amor ou preciso amar?

Nunca escrevi sobre  o amor. O assunto nunca me inspirou nenhuma ideia ou olhar que eu achasse que valesse a pena compartilhar, fora o fato de que amar é como dançar ou rir. Só se sabe como é se o fato se processa  com você.  Impossível descrever.
Além disso, nunca tentei teorizar sobre algo com o que nāo sonhava , não  idealizava, não fazia planos e nem achava que um dia seria parte importante da minha vida. Muitas razōes que nāo vêm ao caso agora. Apenas foi assim.
Vida amorosa me parecia qualquer coisa de sempre muito parecido.  Scripts previsíveis tanto quanto seus inícios e fins.       
Acho que tinha razão.   
Salvo descrições brilhantes de situações amorosas feitas de grandes autores, que tão maravilhosamente souberam destrinchar a alma humana, muito pouco ou quase nada faz diferença nesse assunto. Trata-se de um ítem a mais no rol de comportamentos que de tempos em  tempos são revistos por psicólogos, psicanalistas e que tais.
Não conheço de perto nenhum relacionamento no qual gostaria de estar.


Mas….uma reviravolta aconteceu na minha vida. Todos os que têm me acompanhado, sabem o quanto tenho trabalhado, sofrido e procurado saídas, tratamentos,  tudo que me leve a um auto-conhecimento maior e, através  dele, uma vida menos atormentada. Não tenho recusado nada que faça um mínimo de sentido. Me lanço de cabeça em todas as possibilidades de colocar o meu inconsciente em contato com o consciente e mais o corpo e mais as energias sutis das quais  também somos feitos .
Hoje posso dizer com muita certeza e clareza: essa luta nunca é em vão. A gente sofre, pensa, lê, se analisa, procura atividades que trabalhem os pontos críticos, se entrega, confia, melhora um pouco, sofre mais, dá 3 passos para a frente, 5 para trás, desconfia que nada seja capaz de ajudar. E aí um dia, andando na rua e pensando em mil outras coisas, você tem uma epifania e num passe de mágica, compreende. Enxerga. Tudo se encaixa e começa a fazer sentido. E você fica feliz e canta e rodopia. A conversa tinha sido silenciosa e sofrida, mas os canais estavam se abrindo e de repente, aconteceu. E nessas horas, a gente aprende que as coisas nunca acontecem quando achamos que vāo acontecer. Controlar os tempos dos nossos processos internos e externos  não  está mesmo ao nosso alcance. O que podemos é escancarar a cabeça e trabalhar muito duro. Entender, assimilar, enxergar com muita verdade e humildade o funcionamento da teia da vida.
As coisas têm funcionado.  Estou feliz.
Imaginem que no meio da rua do cemitério Sāo Joāo Batista, indo para a aula de dança,  a seguinte ficha me arromba a cabeça como um tijolo: sāo as novidades, as experimentações, as coisas que invento de uma hora para a outra, os estudos novos, os trabalhos  que nunca fiz que me fazem viver e me enchem de energia. Tudo é exatamente o contrário do que sempre achei.   Chego a a dizer que nunca fui feliz exatamente porque passei a vida sofrendo  pelo que era a grande estratégia que eu mesma tinha estabelecido para viver bem, alegre, e sem tédio. A princípio eu soube como viver da melhor forma para mim. Estraguei tudo e transformei minha vida em enormes buracos e dores porque nāo achava justo e, me culpava muito por nāo ser igual a quase todo mundo.e nāo ter o nível  de compromisso com a vida que todos esperavam. Vesti todas as carapuças que todo mundo enfiou na minha cabeça. Eu, que nem achava que a vida fosse assim, nenhuma brastemp.  Ironia das grandes. Pode parecer um exagero mas do fundo do meu coracāo, chego a achar que abri māo de um membro para aprender outras coisas e me desafiar. Parece que a coisa é sem limites  e, entendido isto, estou envolvida até o pescoço no desenvolvimento do meu equilibrio – interno, externo, físico, mental, emocional, energético. Nunca nada me surpreendeu tanto.

E de verdade nem  me importei muito quando descobri isso. Porque ainda falta conhecer tanta coisa. Ainda há tantos desafios : todas as idades que ainda nāo tive e, portanto, nāo conheço;um monte de trabalhos que ainda nāo fiz, livros que nāo li, músicas que nāo compus , crônicas que nāo escrevi, gente que ainda nāo conheci e, por último mas nāo menos importante, a família que nāo formei e quero muito. Família ainda sem forma na minha cabeça, sem regras, sem definiçāo. Mas  uma possibilidade real. Posso agora me entregar a  meu projeto de amor incondicional e eterno, de entrega total, de doaçāo plena sem achar que com isso estarei  perdendo algo. Posso, finalmente me comprometer com o amor da forma como sempre achei que devesse ser. Tenho agora a chance de fazer a melhor escolha da minha vida – aliás  já escolhi,  posso admirar essa pessoa calmamente, contemplar, aprender, rir, ver no fundo dos olhos os sentimentos mais sutis: pequenas tristezas, alegrias calmas, a beleza da alma, as preocupações, curtir muito a companhia que há de ser um privilégio.  Só o fato de estar me sentindo apaixonada depois de tantos anos que nem sei mais contar, já  muda tudo. Quem sabe ele também se apaixona por mim? Está  tudo tāo sincronizado, os tempos tāo bem marcados,  que nāo me parece nada impossível.

Enquanto as tramas acontecem em níveis que nāo posso controlar, vou vivendo feliz, animada e cheia de planos. Um detalhe engraçado: sempre adorei cantar. Em casa, no banheiro, em qualquer lugar. Um dia emudeci e nunca mais cantei. Voltei a trinar como um passarinho. Canto o dia todo outra vez. Interpreto, voltei a aprender letras. Uma delicia. Sinto-me Jaciara.

Bom, a intençāo era falar de amor. O problema é: como falar desse amor ou de outro qualquer? Como se evita as bobagens e o senso comum dando ao assunto  a dignidade que ele merece?

O que me ocorre como ajuda fundamental, é dar uma olhada e pedir emprestada a dinâmica do genial Fragmentos de um Discurso Amoroso de Roland Barthes.
Assim se  inicia esse livro que, na minha opiniāo é  uma pérola. Um achado para resolver esse problema de falar do amor. “ A necessidade desse livro se apoia na seguinte consideraçāo: o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidāo. Esse discurso  talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe? ), mas nāo é sustentado por  ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, depreciado, ironizado por elas, excluído nāo somente do poder , mas também de seus mecanismos (ciências,conhecimentos, artes). Quando um discurso é,  dessa maneira, levado por sua própria forca à deriva do inatual, banido de todo espirito gregário,só lhe  resta ser o lugar, por mais exíguo que seja, de uma afirmaçāo . Essa afirmaçāo  é, em suma, o assunto do livro que começa”.
Para entender melhor o método que Barthes adota:  substituiu-se,  nesse  livro, a descriçāo do discurso amoroso por sua simulaçāo e devolve-se a esse discurso sua pessoa fundamental, que é o eu, de modo a por  em em cena uma enunciaçāo e nāo uma análise . É um retrato, se quisermos, que  é proposto; mas esse retrato  nāo é psicológico, é estrutural: ele oferece como leitura um lugar de fala: o lugar de alguém que fala de si mesmo, apaixonadamente, diante do outro (o objeto amado) que  nao fala.

Assim, para compor o livro, há o sujeito apaixonado, o objeto amado e estaria faltando o discurso propriamente dito. Sobre o que versa o discurso amoroso? Barthes convencionou chamar os assuntos sempre recorrentes de “ figuras” . Sāo situações que quase todos os apaixonados vivem e para as quais parece que há uma gama de reações de uns e de outros possíveis de serem mapeadas . Essas “ figuras”, foram pinçadas em sua grande maioria da literatura mundial, mas também poesia, filosofia e exemplos reais trazidos pelos amigos. O discurso amoroso atravessa fronteiras, culturas e, provavelmente, o tempo.

“O enamorado nāo para de correr na sua cabeça,
de empreender novas diligências e de intrigar contra si mesmo. Seu discurso só existe através de lufadas de linguagem, que lhe vêm no decorrer de circunstâncias ínfimas, aleatórias.  A “figura” é o enamorado em açāo.


Quando digo que estou apaixonada por alguém que mal conheço, fiquei presa a uma figura que Barthes chama de “ Irreconhecivel”.  Essa figura tem a ver com os
esforços que o sujeito apaixonado faz  para compreender e definir o ser amado   “em si” , como um determinado tipo característico, psicológico ou neurótico, independentemente dos dados particulares da ligaçāo amorosa.

“ Estou presa nessa contradiçāo; de um lado creio conhecer o outro melhor do que ninguém (no meu caso, espero que venha a ser assim)e afirmo isso triunfalmente a ele – só eu te conheço bem! E, por outro lado sou frequentemente assaltada por essa evidência: o outro é impenetrável, raro, intratável. Nāo posso abrí-lo, chegar até a sua origem, desfazer o enigma. De onde ele vem? Quem é ele? Por mais que me esforce, nāo o saberei nunca.

Reviravolta: “ Nāo consigo te conhecer”  quer dizer: “ Nunca saberei o que você pensa verdadeiramente de mim” Nāo posso decifrar você porque nāo sei como você me decifra.

Se desgastar, se esforçar por um objeto impenetrável é pura religiāo.
Fazer do outro um enigma insolúvel do qual depende minha vida, é consagrá-lo como deus. Nāo decifrarei nunca a pergunta que ele me faz. Só me resta entāo converter minha ignorância  em verdade.
 Nāo é verdade que quanto mais se ama mais se compreende; o que a açāo amorosa consegue de mim é apenas uma sabedoria: nāo tenho que conhecer o outro. Sua opacidade nāo é de modo algum a tela de um segredo mas sim uma espécie de evidência da qual fica abolido o jogo da aparência e do ser. Experimento entāo  essa exaltaçāo de amar profundamente um desconhecido, que o será sempre: movimento místico: tenho acesso ao conhecimento do desconhecido.
Fico certa entāo, de que o fato de pouco conhecê-lo hoje nāo vai mudar ou mudará muito pouco. A sabedoria de conviver com esse “ impenetrável” e amá-lo, é que vai garantir o sucesso do nosso relacionamento

Esse livro me ajuda também a falar de amor, porque a maioria das “ figuras” relacioandas é exatamente aquilo que nāo queremos mais. Sāo comportamentos pouco verdadeiros, manipuladores, em geral tentando proteger o sujeito apaixonado dos confrontos que o  fazem sofrer. Sāo repetições de comportamentos que deixam qualquer amor sem graça e das quais fujo como o diabo da cruz: ciúmes infundados, esperas sofridas cheias de fantasias dolorosas, planos de suicídio para chamar a atençāo (menos no caso do pobre Werther que se matou mesmo por Charlotte). E por aí vai. Foi um livro sensacional para sua época- 1981. Todos nos identificamos, parecia que nāo havia outra forma de amar e agir. Com isso, achávamos graça porque ele ia na mosca e todo mundo fazia a mesma coisa. Só mais tarde fui começar a pensar, que se fico presa, como sujeito apaixonado, a essas reações e comportamentos, perco o melhor do objeto amado e, portanto, o melhor do amor. De 1981 para cá, muito tempo passou, crescemos, amadurecemos e o livro continua útil, para ensinar o que nāo fazer.
Como o meu amor é recente e falta convivência nāo posso analisar muitas “ figuras”. E, como disse, nāo é nada disso que hoje quero viver.

Assim sendo é o enamorado que fala e que diz:

O abismo é um momento de hipnose. Nada sei ainda sobre o objeto amado. Mas já estou abismada (isso aconteceu de verdade)
O que me abismou? Uma sensaçāo forte e quase mística de que “ somos a mesma pessoa” em algum nível de matéria. Eu brinco muito que “ sou” Fernando Pessoa tamanha foi minha identificaçāo com ele a vida toda. Sempre achei que eu podia ter escrito cada uma daquelas poesias. Me ajudou muito na adolescêcia quando me trancava com ele no quarto e sentia toda a decepçāo com a vida, toda a angústia que nós dois tínhamos e eu lia em voz alta e chorava. Quando conheci recentemente esta outra pessoa, milagrosamente senti que estou muito ligada a ele.     Estou dissolvida, e nāo em pedaços; caio, escorro, derreto. Esse sentimento nāo tem nada de solene, é exatamente a doçura. E esse é muito o bem que ele me faz. Ficar olhando para ele e ouvindo o que tem a dizer – que é sempre lindo e profundo e aparentemente simples e muitas vezes muito engraçado. E os olhos tāo expressivos sem que eu consiga entender ainda que expressões sāo aquelas, só sinto que sāo calmas e me parece impossivel que por aquela cabeça passe qualquer coisa de rude, pouco gentil ou agressiva. Nem dá para acreditar no tamanho da inteligência que aparece em vários momentos de genialidade explícita.

Depois de abismada, tudo que o sujeito apaixonado mais deseja na vida é um abraço, um sonho de uniāo total com o ser amado.

“ Estamos encantados, enfeitiçados; estamos no sono, sem dormir; estamos na volúpia infantil do adormecer: é o momento das histórias contadas, o momento da voz que vem me imobilizar, me siderar, é a volta à māe. Nesse incesto reconduzido, tudo é entāo suspenso: o tempo, a lei, a proibiçāo: nada cansa, nada se quer. Todos os desejos sāo abolidos, porque parecem definitivamente transbordantes”. (Como eu adoraria ficar assim nesse abraço, ouvindo todas as histórias que você tem para contar, na absoluta aboliçāo de qualquer desejo)

E daí em diante, é claro que só quem fala sou eu – o sujeito apaixonado que nāo tem sequer um único elemento de realidade para colocar qualquer desejo no campo das possibilidades. Como amar o que nāo conheço? E amo.  Vejo o objeto amado em cena sempre que possível. Tento dar significado a cada gesto, e me atrevo a sonhar que um ou outro sorriso foi para mim. Tola. O sujeito apaixonado sempre acha que o ser amado o ama também.
Mas em geral, continuo abismada. Fico de boca aberta transida de carinho . Às vezes, mas é raro, me angustio pela impossibilidade de fazer contato estando tāo perto e  também por nada saber que dê algum rumo ao meu próprio sentimento. A questāo é que o vejo de uma forma tāo especial que nāo acredito que possa me fazer mal em nenhuma hipótese.. Mesmo sem querer.

“ O psicótico vive sob o temor do aniquilamento ( do qual as diversas psicoses seriam apenas defesas). Mas o “temor clínico do aniquilamento é o  temor de um aniquilamento que já foi experimentado (primitive agony)….e há momentos em  que um paciente precisa que lhe digam que o aniquilamento cujo temor mina sua vida já ocorreu. O mesmo, parece, se passa com a angústia de amor: ela é o temor de um luto que já ocorreu, desde a origem do amor, desde o momento em que fiquei encantada. Seria preciso que alguém pudesse me dizer: “ Não fique mais angustiada, você já o perdeu.”

Mas nāo consigo acreditar nisso. Esse luto que já está certo desde que o amor começou, faz parte do tipo de relaçāo que nāo é a que planejo para ser a última da minha vida. Está em meus planos conjugar o mais que perfeito.

Estarei louca? “O sujeito apaixonado é atravessado pela ideia  de que está ou está ficando louco’

“ Estou louca de amor, nāo estou louca de poder dizê-lo, eu desdobro minha imagem: sou demente aos meus próprios olhos (conheço meu delírio), perco simplesmente a razāo aos olhos dos outros, a quem conto comportadamente minha loucura: consciente dessa loucura, discurso sobre ela.”

“ Há cem anos considera-se que a loucura (literária) consiste nisso:  Eu, é um outro”: a loucura é uma experiência de despersonalizaçāo. Para mim, sujeito apaixonado, é exatamente o contrário: o que me deixa louca é tornar-me um sujeito, nāo poder me impedir de sê-lo. “ Eu nāo sou um outro”, é o que constato assustada.”

E assim, acabei falando do meu amor.

Faltou falar da figura de que mais gosto: a festa. Seria maravilhoso viver em Festa. O sujeito apaixonado vive cada encontro com o ser amado como se fosse uma festa.

A festa é aquilo que se espera. O que espero, da presença prometida, é uma enorme infinidade de prazeres, um festim; me rejubilo como a criança que ri ao ver aquela cuja simples presença, anuncia e significa uma plenitude de satisfações; vou ter, diante de mim, a “ fonte de todos os bens” .
(Entāo, nāo significa nada para você ser a festa de alguém? )

Queria deixar um recado em discurso direto para você.  Nada me ocorre. Entāo eu digo:

“Nāo tenho nada para dizer, a nāo ser que esse nada é para você que digo. “




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