domingo, 25 de dezembro de 2011

Como vão as coisas

_Como vão as coisas? Perguntou-me um amigo que há tempos não vejo e com quem, na verdade, nunca tive uma intimidade muito profunda nem uma significativa afinidade de idéias e sentimentos, mas de quem gosto bastante, assim do nada. Tratava-se de uma dessas trocas natalinas de e-mails.
Parei cinco minutos para pensar no que responder. Claro que a pergunta era uma simples formalidade. Uma pergunta protocolar. Não era para ser respondida, mesmo porque duvido que ele estivesse de fato interessado na resposta. Quem se interessou pela resposta fui eu.
_ Como vão as coisas?
_ Como podem ir as coisas?
O mais correto sei que seria responder: está tudo ótimo! E finalizar o diálogo. Sempre soube que o chato é aquele que leva essas perguntas a sério e aproveita a deixa para relatar suas mazelas.
Mas as coisas podem ir só bem ou só mal?
Poderia dizer está tudo preto e branco ou tudo colorido? Cinza?
Ou dizer: algumas coisas vão bem outras nem tanto.
Meus pais estão velhos e doentes, tenho freqüentado muitos hospitais e já me preparo para a tristeza do momento que se aproxima inexoravelmente da perda dessas pessoas tão amadas. Por outro lado, a cada dia amo mais minha filha, meus irmãos e meus amigos e confirmo minha capacidade de conviver e amar, sabendo que foram esses velhinhos que me ensinaram a adorar as diferenças, a prestar atenção, a ser curiosa e pelo menos tentar ser generosa e amiga. Todos os dias tenho certeza de que eles não morrerão porque estou impregnada deles até meu último fio de cabelo. E minhas memórias afetivas mais distantes, diariamente me dão conta do quanto estamos ligados a um nível energético muito sutil e elevado, e que esse fio também é vida.
A menopausa me causa transtornos, engordei, mas consegui parar de fumar e passei a me sentir vitoriosa e de quebra recobrei o imenso prazer de  respirar, me exercitar, correr ao ar livre. Quanta alegria!
Minha mão está paralisada, mas cada vez as palavras me surpreendem mais e enriquecem mais minha alma que não precisa de mão. E o Grupo dos Minicontos foi uma bênção que recebi e nele tenho trabalhado e descoberto uma criatividade insuspeitada. Minha relação com a escrita aumenta em profundidade a cada dia e de certa forma antevejo um futuro concreto para essa descoberta que é muito séria mas também um novo e imenso prazer!
Não tenho trabalhado como deveria e precisaria, mas de alguma forma mágica, acertei minha vida financeira esse ano e, se não posso fazer extravagâncias, elas podem muito facilmente ser substituídas por deliciosas conversas e gargalhadas com pessoas que realmente têm a ver comigo!
Não estou apaixonada como gostaria, nem consegui achar alguém que me despertasse aquilo pelo que venho esperando (ou apenas desejando, ou sonhando) há anos: uma pessoa para dividir a vida da forma como imagino: rica. Com muita troca, muito aprendizado, muita conversa, muita curiosidade juntos, muita intimidade e cumplicidade. A contrapartida é que, estando sozinha, sou levada a fazer descobertas indescritíveis que acompanhada eu não faria, e sou lançada a breves e intensos amores que, se se revelam equivocados, também deixam seu rastro de vida e aprendizagem.
“Queira o que você tem” dizem os mais sábios.
Às vezes fico deprimida e não quero sair de casa. Nem do quarto, nem da cama. Mas aí o telefone toca, é uma amiga divertidíssima (notavelmente todas as minhas amigas são divertidas, ou temos a sabedoria de saber nos divertir) e rio como uma criança durante horas e a depressão serviu só como contraponto para a alegria radiante que vem depois.
Sinto dores que não deveria mais sentir. Isso irrita, maltrata, mas, como explicar todos os milagres, os acasos que me fazem conhecer pessoas que sabem amenizar todas as minhas dores? O que dizer da sorte que tenho em meus encontros e em minhas decisões? Deixo o inexplicável onde está e não tento entender. Só me espanto e me encanto.
Vou passar o verão sem o corpinho que gostaria. Mas aí tenho que dizer: dane-se.
Ativar o modo dane-se é preciso em muitos momentos.
Às vezes não quero ver ninguém: não por tristeza ou depressão. Só não quero. E que serenidade nas leituras, filmes, nas horas escrevendo ou pensando.
O nome disso é paz. E ela é minha e não depende de ninguém.
Os dias e os anos se somam e cada vez me desprendo mais das minhas certezas – ou dou a elas menos importância, minha razão se curva diante das minhas intuições e emoções, o mundo material assume um lugar diferente, a profundidade do humano se mostra sem rodeios e parece uma velha conhecida. A finitude e a presença da morte assustam muito menos que a degradação a que se pode chegar em vida - e a ela pode-se dar o nome de indiferença, agressividade, cinismo, egoísmo, inveja, descaso, dissimulação, sociopatia, psicopatia e tantas outras deformidades de carater.
Quantas coisas mais eu poderia dizer, boas e más. Uma única vida, tantas delícias, tantos horrores. Uma minúscula existência que vai tão mal do mesmo jeito que vai tão bem. Precisa haver saldo? Penso que não e nem haveria unidade de medida para o quanto as coisas vão bem ou o quanto vão mal. Acho que somos assim: humanos, sensíveis e expostos todos a tudo que é bom e mau. Grande e pequeno. Saudável e doente. Feio e bonito. Sublime e miserável.
Como vão as coisas aos 54 anos?                                           
Pensei nisso tudo assim num flash e como as coisas vão bem à beça e também mal à beça, só consegui responder ao meu amigo:
 - as coisas vão.
Para saber como vão as coisas com alguém, tem que estar perto. Que seja só de coração ou de alma. Caso contrário, as coisas vão.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Uma espera, um nascimento


Vivia fugindo de ter que esperar
Espera dava tempo de pensar
Que não ia dar certo, que ia falhar

Um belo dia resolve encarar
A coisa tropeça, ameaça quebrar
Mas dá certo, ela nasce. E tem muita verdade pra me mostrar

Mamãe você teme. Por que minha mãe?
Calma.  Vai tudo dar certo. Você pode esperar
Não  tema. Relaxe. A vida não corre pra te agradar










quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vida sem título

Fui feliz mesmo quando não fui
Ser ou não feliz é a mesma coisa quando o estado mental
Coloca a propensão para a alegria em primeiro lugar
E nasci, ah como sei que nasci, com o riso frouxo e um gosto de coisa boa na boca e um cheiro de aconchego no ar.

Chorei muito também. Chorei de tanto querer dividir o que tinha de feliz
Chorei porque um certo drama fazia parte dessa peça em alguns atos
Chorei porque o ritmo faz parte da açao e do que se quer provocar.
Chorei pelo mesmo motivo por que ri: precisava de aplausos no final.                      

Assim, cortinas subiram e desceram
Assim, repeti cenas de sucesso garantido e aperfeiçoei outras mais toscas que com o tempo ganharam em densidade
Assim, aprendi a ter cada idade, sem exagerar ou perder em intensidade
Aprendi a fingir, a amar, a soluçar, a não me importar, a odiar o palco, os textos, os figurinos e os atores

E abandonei.
Dei adeus a todos os que engendravam aquela vida que parecia – por única, sem saída
Bilheteiras que vendiam com um riso zombeteiro, o ingresso que não valia o preço para um publico iludido e do avesso.
Porteiros que os rasgavam e indicavam o lugar, sabendo onde se sentiriam piores as pessoas ingênuas que pagavam para me ver
Dramaturgos e diretores, que nunca direi de onde tirei, colegas com quem contracenei, mulheres loucas que me maquiaram, e outras que me vestiram com cuidado, para cada ocasião verdadeira ou não.

Abandonei a única vida que conhecia
E hoje estou aqui, como quem acabou de desaprender como se enxerga, escuta ou fala
Procurando o que devo dizer, o que posso ouvir e o que convém ver,
Para conquistar uma leveza que nunca tive
Para conseguir uma felicidade que não seja igual a ser infeliz
Para rir com verdade, para chorar com piedade, para amar com a intensidade de quem não precisa mais fingir, nem arrancar aplausos, nem muito menos, tirar a maquiagem quando termina
O espetáculo.



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mudança

Muda
A muda vira árvore
A árvore vira sombra
Que muda o estado do corpo
E muda o sentir da alma.
O amor vira coração vazio
Muda o calor sombrio e fica frio
Muda a tristeza em nada
Alegria cresce e muda de cara
Vira afeto por tudo.
Muda o que se queria do mundo
Muda o aspecto da crença
Vira lenda a sentença.
Muda espera e muda vira outra
Palavras poucas mudam destinos
Que mudos se desviam
No mundo onde mudos se esbarram
Pra mudar o passo e o caminho
Que era triste, mudo e sem rumo
E mudou em meta reta e palavra solta
Mudada em alívio e carinho


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crônica Genial do Meu Mestre Machado

O nascimento da crônica
Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.

Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.

Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.

Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contUdo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.

Não afirmo sem prova.

Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!

os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, c dar às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto acima foi publicado no livro "Crônicas Escolhidas”, Editora Ática – São Paulo, 1994, pág. 13, e extraído do livro "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2007, pág. 27, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.







Treinando o que aprendi com Machado ontem sobre as crônicas

Acordei. Antes de abrir os olhos me abracei com o travesseiro que tenho só para ser abraçado. Fui aos poucos tirando os cabelos dos olhos, esfregando os pés no lençol macio e o tamanho da preguiça e vontade de ficar na cama me avisaram que o tempo tinha mudado.
Esfrega, enrosca, dorme de novo e a  irritante soneca já tinha tocado mil vezes e eu estava 20 minutos atrasada.
Levanto correndo, abro a janela e é verdade: chove.
Dilema: faço ou não café? 
Como se acorda sem café? Ligo a cafeteira, enquanto tomo um banho quente tão gostoso que me atrasa mais 10 minutos e tomo o café meio fraco enquanto seco o cabelo que na pressa fica uma droga. Dia garantido de mau humor com o cabelo daquele jeito.
Próxima parada: armário. Quando vou cumprir a promessa de arrumá-lo com um mínimo de lógica e bom senso. Bom, não é hoje e achar a blusa e o casaco que quero leva mais tempo que o previsto e onde estão minhas meias pretas opacas que ficam bem com as botas cujo pé esquerdo não acho?
Nada debaixo da cama, nada no armário, ah! na área secando. 
Ainda mato a Graça que além de não ter chegado -  deve estar engarrafada na Avenida Brasil, não guardou a minha bota.
Estou pronta. Vai assim mesmo. Ligo ou não ligo para dizer que estou atrasada, que o pneu do taxi furou ou outra desculpa esfarrapada?
Taxi! Agora me lembrei. Como vou achar um? Nas cooperativas? Claro que não terão. Na rua? Vou encarar a água que cai e, portanto, preciso de um guarda-chuva. 
Parte mais fácil, devo ter uns 15. Cada vêz que chove compro um. Mas passo em revista a casa toda e concluo que os perco à mesma taxa com que os compro. Encontro um todo revirado. É esse.  Sei que entortará ao primeiro vento mas que jeito.
Pronto, só falta a bolsa. Que peso! Ah lembrei que  não tirei umas amostras de ontem nem a nécessaire gigante de quando tem happy-hour. Fica porque não vou separar nada agora.
E as contas que venciam hoje? Sorry, uma  vez mais pagarei atrasadas e com multa e me odiarei de novo por jogar meu dinheiro fora. Mas agora não dá pra pensar nisso.
Engulo mais um gole de café. O que foi um erro porque deixo cair na roupa. Limpo de qualquer jeito e acho que ficou direito.
Bato a porta de casa já exausta. 
Péssima, com a roupa meio molhada meio suja, um cabelo assustador, uma cara que ainda vou ter que ajeitar no taxi (se encontrar algum)  e ensaiar uma desculpa para quando abrir a porta e fizer-se o silêncio que já conheço e todos me olharem esperando o que tenho a dizer.
Enquanto não chega o elevador fico tentando me lembrar se  a chave está na bolsa porque ter que ver o filme do arrombamento da casa de novo, na volta do trabalho, pode me levar ao suicídio.
E penso inconformada:
- Porque é que Deus me fez assim?
E nem por um instante me ocorre que cada assim ou assado de todos esses anos, sou eu que tenho forjado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Bolos de Aniversário

Nos dias dos meus aniversários
Me faziam bolos de múltiplas camadas
Talvez ninguém soubesse, não creio que a intenção fosse mentir
Mas deviam ter me avisado
Que se deve comer uma de cada vez, começando pela  de baixo
Que não se pode misturar todos os sabores, que se deve resistir
Que para além de tentador e delicioso, há uma complexidade impossível de digerir

Fosse pão-de-ló primeiro e seria simples começar a existir
Baba de moça em seguida, e o doce bem doce daria a referência perfeita para sempre distinguir
Então viria o chocolate e aí sim, a festa sem pudores, o puro impulso para só rir e se divertir
Mais pão-de-ló para intercalar promessas. Um certo sem sabor para preparar o porvir
Pasta  de avelã depois, o paladar já mais maduro, pronto para se definir
E como entender a geléia com licor amargo? Faz mesmo parte? Tem que estar ali?
Por fim a cobertura de chantilly!
Brancura entre doce e azeda. Sofisticada  como devem ser as almas que viveram, pensaram, sofreram, riram muito, amaram e saborearam devagar cada camada antes de engolir

Me fizeram bolos de muitas camadas em cada dia que era o meu dia
Me deixaram comer todas de uma só vez, sem  perceber a confusão que se fez`
Nem notaram que eu não perguntava, mas muita coisa  não ficava entendida
Inventavam sempre novos recheios,  por puro amor  talvez
Mas por serem novas, as misturas ficavam estranhas e me pegavam desprevenida
Mãe, avós e tias,  pensando que em aniversários não precisava haver medida,
Nem reparavam que a cada bolo
Eu estava tentando comer e gostar, da vida.



   






Liberdade

Não quero sair de casa.
Quem está trancada?
Minha forma ou minha alma?

Não abro portas nem janelas
Quem não quer ver nem receber?
Meu defeito do corpo ou meu descaso por ele ser?

Meus pensamentos a cada dia alcançam mais
Construo mundos mentais profundos e  indevassáveis
Sou feliz com eles. Alegrias incompartilháveis!

Não me faço mais cobranças. Deixo-as para quem devo.
Como não assinei promissórias para Deus nem para os homens
Não há quem possa bater à minha porta e dizer: abra!

Como é bom saber que abro se eu quiser!
Como é alegre pensar que saio se eu quiser!
Como é livre sentir que amo se eu quiser!

Todos os dias são lindos quando as pazes estão feitas!
A respiração de fato oxigena quando, por fim, você aceita!
E nem o sono é problema se é você quem decide se se deita!`

Viva a espontaneidade do mais profundo querer, quando é de liberdade que a vida é feita!







quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Bem me quero, mal me quero

Não, não sou quem me conto.
Tudo o  que digo ou é mentira ou é exagerado
Se quiser me conhecer terá que viver comigo. Calado.
Se me fizer falar, prepare-se. Eu falo de outra.
De que outra? De qualquer uma que um dia eu tenha criado e, por acaso, naquele momento, esteja ao meu lado

Há momentos, em que a criatura mais próxima e possível é a muito alegre, a que adora a vida e não tem nenhum  espanto
Em outros, só  terá algum encanto, aquela outra, deprimida e sem saída
Em outros ainda, ser forte e equilibrada, adulta e conseqüente me confere o que preciso: um quê de superior que me serve como arma.

Quando digo quem sou, estou cheia de certeza e verdade
Mas o impossível vem mostrando a cada vez, o que cada palavra carrega de disfarce,
Acabo de tentar me definir e no mesmo momento vejo da outra, a face
que se levanta, estranha, se envergonha e já prevê o ridículo  desenlace.

Assim, que seja decretado o fim do “eu sou”
Não sou nada senão um ego falante que teima em achar que as palavras podem se colocar em meu lugar
Não podem. O que sou é o que os outros vêem. É o que vêem as palavras dos outros.
No máximo, o que sinto. E sentir, não está disponível em símbolos para tradução em linguagem humana nenhuma
Ou sinto e calo.
Ou sinto, falo e minto.

Tudo que vem depois de “eu sou”,  é desejado, inventado, mentido e possível
Nasceu do bem me quero mal me quero, onde o que ganha tem todo o direito
de nos definir conforme queira e ainda dizer: bem-feito.
Para quê, acreditar e alimentar o vencedor sem nem saber quem ele é?
Para quê fazer mais forte quem pode estar nos matando?
Silêncio.
Eu estou na UTI.
Me superando.



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Amores verdadeiros

Não queria nunca ter que falar sobre isso, mas a coisa está tomando proporções além do politicamente correto. Oito em dez posts no FaceBook, falam do amor dos animais pelos homens e vice-versa. Concordo com as campanhas para eliminar os maus tratos a que os bichinhos são submetidos em diversas ocasiões. Odeio maus tratos, odeio covardia. Se o bicho não pode se defender, é canalha e sem um pingo de caráter  quem o submete.
Acontecem duas coisas que me fazem pensar: uma, que a maioria das campanhas referem-se a cães e gatos. Será que os demais não são maltratados? E todos aqueles em vias de extinção? E os elefantes mortos só pelas presas? As baleias, os micos leões dourados?
Ok entendo a diferença. Os de estimação são os que dão carinho incondicional e os selvagens ou silvestres são da categoria da preservação da biodiversidade. Não fica fazendo confusão Cláudia. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Ok. Pula essa parte.
Agora vem a mais difícil para mim: quase todo mundo é apaixonado por cachorros e gatos. Eu não (e não é sem ficar vermelha que digo isso).
Nada tenho contra eles, mas não me dizem nada. Não compreendo seu universo. Fico atrapalhada quando entro na casa de alguém e lá vem um saltitante quatro patas saldar minha chegada! Simplesmente não sei o que fazer! Não sei falar Tati be Tati com o bicho, não sei me abaixar para muitos afagos se ele for pequeno e, muito menos, ter prazer em levar lambidas na cara se ele for grande, mal educado e resolver puxar o fio da minha melhor, mais nova e mais cara blusa de tricô.
Falar com eles então, nem pensar. Não tenho assunto. Ficamos os dois completamente sem graça, esperando que alguém venha em nosso socorro e nos salve daquela situação.
Constrangedor também é receber no FB tantas fotos ”fofas” desses bichinhos nas mais variadas poses engraçadinhas, e retratos dos próprios donos expondo seus pets com todo orgulho, chamando de filhinho, papai e mamãe. Isso tudo acompanhado de textos para lá de piegas, sobre o amor recíproco entre homem e animal. A quem pode interessar a foto do seu cão dormindo, pulando no sofá, portando óculos escuros? Isso quando não são filmes. Nem filhos de verdade são postados dessa forma. Um aniversário ou outro vá lá, mas com parcimônia.
Não consigo curtir e por isso peço perdão. Não acho graça.
Só tenho uma e especialíssima amiga, de quem conheço com detalhes sua ligação, sobretudo com os cachorros e com quem consigo compartilhar todo sentimento. Mas sem falar. Ela sempre soube que minha emoção com os “peludos” é zero e não me obriga a sentir nem de longe o que ela sente. Não manda fotos nem falamos do assunto. Está implícito.
Há, eu sei quem insinue que não gostar de animais esconde um caráter duvidoso e geralmente frio e (meu Deus!) quase psicopata!
Mas não é, juro! Eu gosto de gente! Muito!
Sou capaz de amores incondicionais com gente e acho que tem gente capaz de ter isso comigo. Filhos e crianças em geral, e as especiais em particular. Essas consigo compreender e me aproximar do que sentem, pensam e precisam. Pronto, acho que me salvei!
Gosto de trocas na minha língua ou ao menos no meu nível de consciência. Gosto de expandir em conjunto com pessoas, minhas habilidades, conhecimentos, perguntas e respostas.
Quero um parceiro que se estabilize em duas pernas, pense, me provoque, me ajude a crescer,  me faça rir, pensar, falar bobagens, me entenda,  me explique, me ame (com condições talvez) e queira toda a recíproca!  Que ainda pretenda, como eu, viver o que nos resta com muita alegria, buscas e um certo deboche que vem invariavelmente na nossa idade. Só nos resta curtir com a cara da vida, antes que ela  curta com a nossa. Mas no bom sentido. 
Portanto, pessoal do Face que adora animais de estimação mais até que gente. Respeito, mas não consigo curtir.
Não fui treinada para isso. Fui treinada para gostar de pessoas.
Os lindinhos de quatro patas que me desculpem. Apoiarei todas as suas causas, mas papo que é bom, esqueçam.

sábado, 8 de outubro de 2011

Steve Jobs

Acho que eu e o mundo inteiro ficamos tristes com a perda do homem da Apple. Do homem que não teve medo de morder o fruto da árvore da vida e do conhecimento.Todos nós nos sentimos um pouco desconfortáveis com a demonstração, nesse caso escandalosa, de que o dinheiro nada pode contra certas “surpresas” da vida. Todos perdemos o exemplo vivo, mas não a inspiração, do homem que transformava, que antevia, que criava, que não enxergava barreiras, que acreditava e, sobretudo, fazia acontecer. Do homem que mudou o mundo em inúmeros aspectos.
Creio que todos ficamos com a respiração em suspenso, pensando o que ele ainda seria capaz de fazer, caso sua vida não tivesse terminado tão precocemente.
Onde teria nos levado? Que próximos passos acompanharíamos como uma legião de fiéis de uma religião tão interessante que, mesmo quem não tinha nenhum produto Apple, como eu, batia a cabeça por seu criador?
A intenção de falar um pouco sobre Steve Jobs passa longe de querer reverenciar sua genialidade, sua maravilhosa e profunda oratória, seu carisma, seu perfeccionismo, sua absoluta compreensão do que é supérfluo - tanto na vida quanto nos seus produtos, seus discursos. Muito menos alardear sua “fama de mau”. Para isso tudo existe a imprensa, muito mais bem informada e rápida que eu. Lemos tudo sobre a vida e a obra do “velho” Steve (acho que agora podemos chamá-lo assim), durante  a semana que passou.
O que fiquei pensando todo esse tempo, inclusive antes do ato final da morte, mas desde que soube que estava doente e enquanto acompanhava com a alma contraída sua deterioração física, é que esse homem não ficou devendo nada.
Os dons que tinha, usou-os todos, plenamente. Em nenhum momento, até onde sei, brincou com a vida e permitiu que fama ou dinheiro lhe tirassem o foco e o impedissem de continuar seu trabalho quase como uma “missão”. Não se deu descanso, usou sua inteligência e visão privilegiadas até o fim e nem na morte viu uma “desculpa” para parar.
Pelo contrário, o mais emocionante, foi saber que ele encarou a certeza da morte próxima, como uma libertação das coisas e sentimentos menores. Como uma oportunidade de se jogar inteiro só com o coração e fazer o que podia de melhor.
A pergunta que não paro de me fazer é: se todos temos a certeza da morte, se nos falta somente a informação sobre quando ela acontecerá, porque diabos a maioria de nós vive como se fosse imortal e concentra-se, basicamente e quase sempre, justo no que é menor e sem importância? Que parte de nós nos confere tamanha ignorância e empáfia que farão com que, ao contrário de Steve,  desapareçamos todos devendo o que poderíamos ter feito e não fizemos; desapareçamos para não sermos lembrados; para não termos feito nenhuma diferença?
Se eu tivesse certeza da existência de Deus, diria que esse é o grande teste nesta vida. Receber os dons e os talentos (cada qual os seus), os meios e as oportunidades (ou a forma de encontrá-las); ter a opção de fazer bom uso deles ou não; decidir estar aqui a trabalho ou a passeio; e prestar contas no dia do Juízo Final. A visão do inferno, para mim, é passar a eternidade toda com vergonha do não feito, do mal feito, do desperdiçado, do superficial, do pequeno e do medíocre com os quais perdemos nosso tempo.
Na verdade, nem se precisa de um Deus e de um Juízo Final para isso. Em nosso leito de morte, cada um de nós, tenho certeza, terá clareza suficiente para fazer esse julgamento e morrer feliz por ter vivido plenamente seu potencial ou acabrunhado e arrependido por ter jogado uma vida fora. E o sofrimento desse sentimento deve ser avassalador para toda a eternidade.
Acaba de me ocorrer uma resposta para a pergunta: por que tanta gente torce por uma morte súbita, de preferência dormindo? Acho que elas já intuem que essa tomada de consciência pode lhes conduzir a um sofrimento espiritual infinitamente maior que o sofrimento físico (esse os remédios quase sempre resolvem). Pode lhes conduzir ao inferno mesmo que por um segundo e isso deve ser aterrorizante.
Eu não sou diferente. Sei que tenho meu saldo devedor. A única diferença é que nunca desejei morrer de uma hora para outra. Sempre, desde que me entendo por gente, penso que gostaria de saber com antecedência que estou perto do fim. Quero fazer o que ainda for possível e quero encarar de frente minhas dívidas e meus carrascos internos. Sempre me preparei para essa “entrevista final” comigo mesma.
Assim, acho que Steve teve dupla sorte: sete anos de aviso prévio e a certeza de ter cumprido com perfeição o seu papel.
Sem dúvida foi para o céu.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cavalos Selvagens

Conversava com uma pessoa muito querida, dessas que a gente ama a vida inteira. O tempo passa e parece que tudo foi ontem. Ela e você são os mesmos jovens que se conheceram há milhares de anos.
Não tem preço esse sentimento, e no meio das nossas invariáveis divagações sobre a vida, tentando entender como ela pode e deve ser vivida, ele me sai com a seguinte afirmativa: “nascemos todos cavalos selvagens. Cabe a nós nos montar e domar o bicho, de forma a conseguir que ele faça o que deve ser feito para cumprir nossos planos.” Não foi bem assim, mas a figura de cavalo e cavaleiro sendo um só ser, o nos montarmos a nós mesmos, foi o que me maravilhou.
Essa frase me pegou de jeito porque nunca deixei de tentar acreditar que preservando minha parte selvagem, meu anseio de liberdade, a vontade de derrubar o cavaleiro para sair por aí livre, com a crina ao vento, me faria mais feliz.  Que engano!
O mundo é feito para cavalos domados e o sucesso, reservado para quem sabe domá-lo. Substituir seus instintos por razão, suas vontades primitivas por ações maduras e produtivas, colocar escudos protetores em seus mais profundos anseios. Assim, os cavalos selvagens, de tanto treinar, ficam mansos, fazem o que deve ser feito e, espero, sofrem menos com as intempéries da vida selvagem.
Tudo deve ter uma compensação. Se reprimo os ímpetos, os desejos de liberdade e a natureza selvagem do meu cavalo, por outro lado facilito-lhe muito a vida, alimentando-o, cuidando, sendo companhia – o cavalo é um ser sociável por natureza. O objetivo é que cavalo e cavaleiro, que são uma só ser, consigam a paz, o bem estar e a sensação de dever cumprido.
Assim pensando, e entendendo que falhei nisso também – o cavalo selvagem que penso ser, quase sempre faz o que quer e ainda assim é mais triste que alegre, me pus a imaginar se ainda seria tempo de transformar esse rebelde e velho animal em algo parecido com um amigo que me ajudasse a viver o tempo que me resta de forma menos “enfurecida”, sem tentar me derrubar, sem corcovear tanto para me jogar no chão. Com a condição de que não houvesse sofrimento para ele. Sem sacrifícios.
E fui buscar como se domam cavalos selvagens. Há duas formas, pasmem: a chamada racional, em que se ganha a confiança do animal, é tudo feito com carinho, a interação, o amor e a amizade determinando que o bicho fique manso e acompanhe seu cavaleiro com toda boa vontade e amor.
E a outra forma, que é a velha e péssima maneira de educar. Batendo, castigando, criando reflexos condicionados. Se não fizer, sofrerá – é o que está por trás desse método.
Penso que quando alguém se dispõe a se domar, acaba lançando mão das duas formas. Torna-se muito carinhoso e amigo de si mesmo, mas alimenta a crença de que um castigo virá se não for bem sucedido. Melhor. Não há castigo real, mas a pessoa teme como castigo a próprio sentimento de falha. Cavalo e cavaleiro se fundem em nome de um ideal comum. Se um deve ser manso para fazer a vontade do outro (transportá-lo, treinar para corridas etc.), este certamente o recompensará com longas corridas pelos campos, bons tratos e muito carinho.
Insistir em acreditar que se pode ser um corcel livre para sempre é que é uma ilusão muito cruel. Alimentar essa fantasia como possível, é já criar a prisão. Mais funesta, porque inconsciente e sem rumo traçado.
Admitir os limites, construir a liberdade possível dentro das baias, dos piquetes, dos pastos, conhecer intimamente seu cavalo, amá-lo e torná-lo seu cúmplice na vida, me parece a forma mais certa de atravessá-la sem muitos solavancos. Não sei se é tarde, mas ainda quero me entender com meu cavalo.
Só tem uma coisa para não esquecer: mesmo os domados, empinam, dão coices e às vezes saem em desabalada carreira. Que bom! Isso não deve ser motivo de tristeza ou sensação de fracasso. Que cavalo selvagem não tem lá seus dias de volta às origens?
E que bom que tenho amigos para fazer metáforas tão lindas e pertinentes!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dias bestas

Não. Não virei poeta nem tenho essa pretensão. A forma não diz se há poesia em algum texto.É poesia o que tem poesia. Caso contrário, por mais que rime e o escritor se esforce, não será poesia.
Todo mundo sabe que esse é um Blog experimental. Como não seria se nunca escrevi coisa nenhuma? Assim, não tenho compromissos nem temo nada do que se passa aqui.
Uma coisa engraçada está acontecendo. Penso do mesmo jeito que pensava antes. Os assuntos me vêm com a mesma emoção e nem mais nem menos carregados de "ïnspiração". 
Apenas, por um motivo que não sei dizer nem definir, algo assim como se de repente uma pessoa começasse a se expressar em inglês sem saber o idioma, as "reflexões"  me têm vindo com cadência, ritmo e às vezes rima. Não sei o que isso quer dizer  nem imagino que a resposta virá rápida e facilmente. Acho que são pensamentos ritmados. 
Assim como Baudelaire escreveu seus Poemas em Prosa - inclusive um de seus livros de que gosto mais (haha com quem estou me comparando!), acho que  estou escrevendo minhas Prosas em Verso. 
Por enquanto vou me satisfazendo pensando assim.

Dias bestas


Sabe aqueles dias sem sabor?
Aqueles que sabem a nada?
Nada  te alegrou intensamente
Nada houve que te aborrecesse
Um dia sem esperanças nem interesses
Um dia a mais ou a menos
Dependendo de como se olha a passagem do tempo?

Um dia que antecede uma noite igualmente sem brilho
Igualmente sem emoções ou expectativas
Um dia que não mandou  nenhum recado
Não mostrou  nenhuma chave nem para portas sem chave
Um dia que  não colocou nenhuma pergunta
Nem deu resposta alguma
Pra que serve um dia desses?

Arrisco alguns pensamentos,  talvez pela crença vã de que tudo tenha um motivo:
Esses dias servem para mostrar a qualidade dos dias que tenho produzido
Servem para testar a que ponto pode chegar meu tédio sem que eu esboce um só gemido
Servem para saber que muitos dias e noites, se deixarmos. passam sem nenhum sentido
Servem para lembrar que a riqueza de cada dia está em conseguir pelo menos um único sorriso
E que esse sorriso é de dentro que vem. É fruto da alma vivificada
É um sorriso que pode começar tímido  e terminar em gargalhada


Só entendendo esses dias bestas é que a gente distingue a tristeza  do nada
Só entendendo esses dias bestas é que a gente distingue a alegria do nada
Só entendendo esses dias bestas é que a gente  se renova para dias de emoções especiais
Dias das mais profundas e abissais tristezas, tormentos e lamentos
E aqueles em que celebraremos a vida sem rodeios, sem vergonha e sem arrependimentos
Só nesses dias bestas é que aparecem os contornos do que está por vir
Por isso, nesses dias bestas, prestemos atenção: eles escondem  com muita sutileza  o nosso próximo passo em falso, ou a nossa próxima conquista do espaço.

Aproveitemos os dias bestas para resolver!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Valioso Tempo dos Maduros - copiado, sem pedir licença, do blog português "Direito e Avesso" de Maria Josefa Paias

Mário Pinto de Andrade - "O valioso tempo dos maduros"

O valioso tempo dos maduros

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário Pinto de Andrade
Escritor e político angolano, de nome completo Mário Coelho Pinto de Andrade.
(1928-1990)

Nota: a todos quantos têm visitado esta página pensando tratar-se de um texto do escritor brasileiro Mário de Andrade, apresento desculpas, uma vez que o nome não estava tão completo.

domingo, 2 de outubro de 2011

Sepultamento

Não posso te dar mais nada porque nada mais quero de ti
Imaginara trocas perfeitas
Julgara entendimentos transcendentes
Sonhara  poder conhecer-te tanto, que
de tanto conhecer-te, acabaria por conhecer a mim

Agora sei, e quase como uma loucura, com que sempre a mesma dor, agora eu sei
Que sonhos são para acontecer à noite e interpretados quando é dia
Que - e como é difícil aprender isso,  o sonhador está  irreparavelmente fora do sonhado
E este, nem de longe sabe quantos sonhos tem em seu poder
e  se soubesse, o quanto poderia

Mas amanhece sempre, e sempre se faz dia
Ninguém sabe direito em que momento isso acontece
Em algum despertar o sonhador tem a cabeça vazia – não sonhei essa noite?
Esqueceu-se.
Ainda  espera, julga ou imagina – pelo simples hábito de esperar, julgar e imaginar.

Na manhã seguinte vai-se também o hábito
Vão-se as criações recriadas tão repetidamente que se tornam só cansaço
Vem uma absurdamente clara e intrometida visão da realidade
Vem uma faca afiada que acaba por cortar definitivamente qualquer laço
Vem o último encontro, aquele que escancara e desmascara o desencontro.

O sonhador, por fim, vive o luto do seu mais recente sonho morto
Chora, pois  enterrar sonhos lhe turva a alma já muito contraída
A vida, ah a vida, se transfigura numa sucessão de noites mal sonhadas e mal dormidas
Chora, porque não sabe ser diferente e nem como descumprir o seu destino
Chora, porque embora não queira mais, sabe que fatalmente inventará novo desatino.



sábado, 24 de setembro de 2011

Pretérito Perfeito

Eu achei que tivesse achado mas perdi
Tu  não achaste que tivesses achado, porque não estavas procurando
Ele não achou nada porque de nada soube
Nós achamos que tivéssemos achado uma alegria extra pra quem já tinha perdido toda
Vós, o dono e a voz, achastes que tudo seria simples e natural: vida que segue
Eles – os silêncios, acharam que tudo estava perdido:
a vida seguiria sim, mas perdendo -se um do outro: definitivamente

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Precisa-se para viver

 Precisa-se para viver


 De  beleza  para  deleitar os olhos
 De  música para sossegar os ouvidos
 De vinhos e chocolates para instigar o paladar
 De peles macias para acariciar
 De perfumes para inebriar todos os sentidos

Precisa-se para viver

De silêncio para a mente
De alegria para o espírito
De afeto para o coração
De energia para o corpo
De sonhos e palavras para atravessar a insônia

Precisa-se para viver

 
De gente que nos encante
De gente que nos defina
De gente que nos faça rir
De gente que nos dê a mão
De gente que nos espelhe sem nenhum pudor

Precisa-se para viver

De natureza pra nos sentirmos em casa
De bichos pra lembrar de que matéria somos feitos
De auroras para despertar esperanças
De sóis do meio dia para erradicar as sombras
De crepúsculos para saber que o ciclo se fechou

Precisa- se de tão pouco para viver.

Só de corpo, alma, espírito
Alimentados, cultivados, às vezes embriagados
Perto das pessoas que elegemos
Na casa de que cuidamos 
Atentos aos momentos que quase sempre estão certos, quase tudo em sintonia

Para viver, precisa-se de amor, prazer, e sempre, de uma cruel e imperceptível ironia