quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O homem que conheceu a loucura

Conhecia de muito perto a loucura. Mais que qualquer outra coisa. Sabia que era diferente dos outros porque pensava diferente, agia diferente e, mais que tudo, sentia diferente.
Sua lógica nem de longe  passava pelo que se costumou chamar de clássica, mesmo que tenha passado os séculos sendo questionada. Sua cabeça funcionava no caos e  sabia que a isso chamavam loucura.
Sabia a que horas deprimiria, a que horas as vozes viriam e quando seriam alegres ou tristes.
Ria-se delas ou, em caso de total nāo entendimento de suas intenções, fechava-se em sua aparente solidāo e de lá só  saía quando o silêncio permitia e entāo, de novo, encontrava-se consigo mesmo.

Efêmeros momentos. Sabia que olhar para fora nāo o levaria a lugar nenhum. Assim, procurava entrar em si mesmo. Normalmente nāo se ressentia do que encontrava, reconhecia-se quase como uma obra muito original. Ressentia-se, isso sim, de que, por ser quem era fosse chamado de louco.

Louco porque a vida cotidiana lhe parecia muito pouco e como nao podia acusá-la – já  que a outros parecia tāo rica , acusava-se a si mesmo, criando em seu interior um mundo melhor, onde habitavam bondade, as ingenuidades da infância, os amores da juventude, as obras de arte sempre imaginadas e jamais realizadas, as filosofias improváveis, os sonhos de grande músico, e os amigos com quem podia conversar, confiar, trocar todas as ideias sem qualquer crítica, e de vez em quando, encontrar a fonte de onde jorrava toda sua criatividade  que tornou esse tal planeta imaginário tāo completo e  perfeito.
Os erros de Deus estavam corrigidos. Tudo ali  era possível e do caos, obrigatoriamente, a ordem se fazia.

Muito sofreu porque o mundo bom só a ele pertencia. Sabia que para fazer desse mundo sua casa, seria necessário renunciar e renunciar. O mundo de todo mundo nunca mais lhe pertenceria.

E entre um e outro, sentiu muita falta do que estranhamente lhe parecia mais real embora tolo. E sem obra de arte, sem música e sem amigos, enfrentou todas as forças do mal, os dagrões que cuspiam fogo, as enormes correntes de ferro amarradas às suas pernas. E de um jeito ou de outro, venceu.

Venceu da forma como é possível vencer. Abandonou-se, entregou-se aos próximos que julgou mais próximos, buscou em suas profudezas as culpas que ainda o adoeciam e tratou de redimi-las. Preparou sua morte de forma a poder pouco arrepender-se. A poder purificar-se.

O que ele só soube pouco antes de morrer,  que diminuiu e reduziu todo o significado de sua triste e quase santa vida,  é que tudo  a que chamavam  loucura num tom entre penalizado e solene , tambėm atendia pelo nome de “desequilíibrio de zinco e potássio”. 

Nada mais desconsertante que deixar de ser louco para tornar-se um ser com altos níveis de elementos químicos. 

Que louca e pouca é a vida!





quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Medo de escrever

Em algum lugar do meu ser errante tem um mágico tapete mágico.
Me leva pra onde eu quiser se eu disser onde é
O problema é que ou não sei onde ir
Ou se sei, não faço ideia de onde fica
e o tapete anda meio em círculos
Esperando que uma hora eu acerte o nosso real destino.
Ouço um chamado que vem de dentro e de fora ao mesmo tempo
Palavras que começaram segredadas em sussurros , e viraram gritos, desatinos
Vozes que escuto sem compreender ao certo mas que falam noite e dia:
É urgente partir ao encontro da poesia
É irremediavelmente vital alcançar a terra onde lhe espera a fantasia
Me apressei em desenhar o mapa que fizesse o tapete entender nosso trajeto
Queria um mapa certo, que nos conduzisse pelo menos uma vez ao ponto desejado:
Fosse longe ou perto.
Nova ameaça de fracasso.
O caminho ora é escuro ora brilha. Me sinto cega, ofuscada. Me confundo, acho fundo
Sei que a poesia é uma terra distante
Sei que para ser bem recebido é preciso ser brilhante
Sei que há um milhão de trilhas, armadilhas, sedutoras redondilhas
Sei que me esperam a dúvida, o cansaço, as noites acordada, e o fantasma maior: desistir
Enquanto procuro pelo menos um único modo seguro de achar meu lugar enfim
O tapete me pressiona, me apressa, eu desespero
Com calma peço que não se impaciente, que só conheço o presente, que estamos longe do fim
Ele sorri e me diz com ironia e uma ponta de maldade: o princípio também sei onde é.
É onde sempre estivemos:
- na estaca zero

    segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

    Meus poemas dos anos 80

    Vou aqui fechar um ciclo. Eu tinha a forte impressão de que só agora, depois do Blog é que me aconteceu fazer poesia, gostar de fazer poesia e mais: querer me aventurar a ser poeta. Mentira. Remexendo minhas coisas, encontrei uma pasta que não tem data mas me parece toda escrita nos anos 80. Tudo escrito a mão, papéis amarelados e assuntos que pelo menos alguns, posso reconhecer. Li, me emocionei e não julguei.
    Boas, más, infantis, não importa. Em algum momento, lá atrás, o ímpeto de escrever já me tomava e quem pode garantir que foi aí que começou?
    Então, para que eu saiba ao certo de onde vim e com sorte, possa fechar esse ciclo, preciso colocar isso no Blog.
    Como nada tem data, escreverei aleatoriamente, mas me parece que tudo foi muito próximo. Não se condoam com a  tristeza que muitas vezes aparece. Ela foi minha companheira de vida e hoje é muito menor do que já foi um dia.
    É bastante coisa mas vou colocar tudo de uma vez. Quem não tiver saco, pula essa. Não faria sentido picotar uma fase que no mínimo tem 30 anos.
    Rezem para o meu baú não ser igual ao do Raul.
    I – Nenhuma hora do dia
    Nenhuma hora do dia
    Me parece a hora de fazer nada
    O dia afugenta o eu mais interior que à noite, na cama tenta aflorar
    O dia adormece as ideias e entorpece os pensamentos
    Preciso estudar, não consigo
    Há em mim uma ânsia constante que me é inexplicável
    Uma constante agitação interior
    Um desconforto que é da alma
    Um constante ter que fumar, comer, levantar, ler dez livros diferentes,
    Declamar, falar sozinha, cantar e até dançar.
    Não tenho paz, tranquilidade, estabilidade
    Hoje quero, amanhã não
    Hoje gosto, amanhã não  mais
    Agora penso uma coisa, em cinco minutos, outra
    Hoje sou uma, amanhã não sei quem serei
    Não tenho explicações, tenho fatos
    Não consigo ser a analista de mim mesma
    E a luz intensa do dia, parece que acorda todo o turbilhão
    E ele me domina e amarra os sentidos como pés e mãos.
    A noite é diferente
    A noite vem leve, vem nua, vem como um sopro fraco e longo e se instala
    Vem transformando essa maldita claridade – que é linda!
    Num escuro que é só exterior e faz a alma se sentir iluminada.
    Parece que na fronteira da consciência existe uma lucidez impossível.
    Perto de dormir, me vejo e reconheço
    Me explico, me desembaraço e tenho paz
    De manhã já não lembro, já não sei
    Tenho apenas a sensação do que foi essa viagem ao interior de mim                                                              
    Adoraria poder escrever esses passeios, mas não posso
    Nunca posso me levantar. Tudo é tão leve e fluido que qualquer roçar de pluma, transformaria o lindo sentimento
    Em fragmentos dispersos e sem volta.
    Há poesia em mim nesses momentos
    Há beleza mesmo diante das visões mais feias
    Há a paz de quem sabe que dali para a frente só o sono e a inconsciência

    II -Bolo de Chocolate
    Feito em casa, uma “dilícia”
    Foi dado com muito amor
    Em meio a enorme alegria
    Ao querido professor da nossa “acadimia”

    O bolo era modesto
    Tinha só um andar
    Deu o que falar deu história
    Sem cascatas nem dizeres, o bolo deu até dedicatória

    Sem deboche: comi o o bolo
    Ou antes a imagem, o pensamento
    A ideia doce e macia
    Com perfume até por um momento
    Comer, querer....
    O que é difícil ou fácil não importa
    Querer, prá mim, dispensa o complemento

    Tenho um lado irremediavelmente cínico
    Irresponsavelmente debochado
    Mas é só um lado, não dói
    E pelo menos torna tudo muito mais engraçado

    Agora vou te contar um segredinho
    Não sei se devo mas é verdade
    Não sei cozinhar nem feijão nem arroz soltinho
    Mas tenho uma especialidade
    E, meu deus, que ironia!
    É um bolo de chocolate!
    III – Isso é feio
    Isso é feio
    As pessoas não podem ser assim
    Precisam demonstrar solidez e segurança
    Precisam ter ares de bem sucedidas e estáveis
    Precisam de um leve sorriso de – venci!
    Fora isso, não se é confiável nem potencialmente amável
    Por isso, esconda suas frustrações, seus medos, seus receios
    Estrangule com um lençol suas incoerências, suas dúvidas.
    Estude um comportamento definitivo
    Estampe na cara um sorriso complacente
    Ajude o próximo, seja bom
    Não deixe escapar nenhum sentimento descortês
    Guarde suas tragédias interiores para antes de dormir
    Promova seus sucessos e esconda muito bem seus fracassos
    Use bonitas roupas e gostosos perfumes
    Tenha um belo carro e as chaves de uma casa própria
    Jante em restaurantes, sorria
    Ilumine os salões com sua cara limpa e barbeada
    Agarre a máscara que você compôs e grude-a com muita cola de hipocrisia no rosto que jamais será seu
    Ajude os outros, crianças a jovens a construírem suas próprias máscaras
    Mostre a eles o caminho da verdade social
    E siga com a festa
    Você lindo, recomendável, confiável
    Com sua companheira mais deslumbrante e cheia de brilho
    Dancem, riam, façam concursos de máscaras, aproveitem porque é só isso
    e....
    danem-se.
    iV – Quero agora me relatar
    Quero agora me relatar e delatar
    Quero me entregar
    Admito a culpa e sento, tranquila, no banco dos réus
    Não porque espere a absolvição ou perdão
    Mas porque julgada, terei clareza do porque da minha prisão
    V – Vou passar mais uma noite aqui
    Vou passar mais uma noite aqui
    A angústia me corrói
    Chego a quase sufocar
    Não sei o que fazer
    E, ai meu deus, como dói

    Pensei um vida diferente
    Lençóis macios, flores na mesa
    Onde o engodo? Onde o erro?
    Que é isso que agora desmente
    Todo o sonho de que fui presa?

    O que é essa angútia, esse medo
    Esse querer me mexer sem conseguir?
    Essse constante quero e não quero?
    Essa vontade de ficar e de partir?

    O que me vai no fundo da alma?
    Como chegar aa saber?
    Só tenho perguntas sem respostas
    E queria tanto um pouco de calma.
    VI- Não sei o que faço de mim
    Não sei o que faço de mim
    Para onde levo a minha vida
    Tenho medo que não tenha fim, essa eterna despedida

    Tenho vivido sem viver
    Estado sem estar
    Estou sempre na iminência
    Alguma coisa sempre está por acontecer
    VII – A vida é uma só
    A vida é uma só
    E é tão difícil fazer a opção entre lutar pelo que se é – no fundo
    E assumir o que se deve ser!
    Desespera pensar em matar para sempre o que em nós existe
    De mais íntimo e pessoal
    Mas é tão pouco provável vencer de verdade  a luta por não morrer!
    Errar ou acertar!
    Eis uma única chance, uma única vez!
    Mas é já tarde pra decidir e o melhor é dormir
    Existir por fora sabendo não ser essa a verdade
    É pior que todas as provações, todas as  torturas
    É não sentir-se sendo
    E sendo apenas para existir
    O mal de tudo está em pensarmos
    Os que não pensam, e por isso não sofrem
    Passam a vida preocupados só com comer e ir vivendo!
    Com prazeres do corpo e da carne
    Ficando a alma esquecida
    E quando tem sido lembrada, não passa de coração.
    Não sei de nada
    Não sei nem se seria mais feliz se não pensasse
    Mas penso e isso me basta para invejar a inconsciência
    Que pelo menos errando,
    Não tenha eu tempo de pensar no que fiz de mim
    E não possa me arrepender!
    Viii – É possível olhar
    É possível olhar e ver o instante,
    Sem ser o mais importante
    Olhar pra fora, mudar o centro
    E ver tudo, ainda com os olhos de dentro

    É possível dizer não ao fardo supérfluo
    Carregar só o peso inevitável
    Descartar as dores inventadas
    E, de todo, ver sempre as coisas engraçadas
    É possível não fazer sacrifícios
    Juntar sempre ao mal algum astral
    Que nada seja tão horrível
    Eu sei, tudo isso é possível

    Ser feliz e, no entanto, consciente
    Essa a maior tarefa, a maior missão
    Não importa se temos dor de dente
    O importante é que não seja uma prisão

    Este é um projeto de vida
    Estando já resolvido
    Que feliz terei vivido
    Estando já planejado
    A vida e o sonho imaginado

    Feliz de quem vive esta vida
    Feliz de quem se mantém feliz
    Eu não posso que sou louca
    Não posso que sou atriz.
      iX – Só nessas horas
    Só nessas horas lamento não ser poeta
    Nas horas críticas da síntese
    Em que seria preciso que uma palavra ou um verso
    Traduzissem ou deixassem antever
    A existência ampla  e bela
    Do que estou tentando compreender
    X- Decepção muda
    Decepção muda
    Humilhação calada
    Quem é você que entra e sai
    Vem e se instala
    Vai e me contrai?

    Que amor de louco senti?
    Que mito inconsciente criei?
    Que vidas, nessa vida revivi?
    De onde esse impossível “resistir”?

    Um enorme vazio me ocupa agora
    O amor e a dor foram roubados
    Não tenho ciúmes, sequer saudades
    Só a vontade de ir embora

    Um insípido retrato na carteira
    Que importância se já nada lhe atribuo
    Vontade de rasgar ou devolver
    E matar a dor da vida inteira

    Noite de vigília obrigatória
    O vinho, o rock, a minha história
    Quero, por opção olhar pra isso
    Mesmo que nada haja senão....
    A glória de não ter compromisso.!
    XI – mais infeliz impossível
    Mais infeliz impossível
    Mais distante
    Mais vazia
    Mais desvinculada
    Mais, mais...
    Sozinha!!!!

    Arre que estou cheia da vida que é por fora
    Por dentro, se choro `a alma cheia
    Por muito dentro sofro com o mundo,
    A vida, as vísceras e ...o Raimundo
    Não foi uma solução???
    XII - Gostaria
    Gostaria que a vida fosse boa por acontecer assim
    Não quero morrer mas viver dá tanto trabalho!
    No fundo, o que sou é ser covarde
    É não querer decidir, brigar, enfrentar...assumir
    Falo dos outros: acuso-os de dissimulados, comodistas, alienados
    E eu que não passo de tudo isso e muito mais?
    Tenho máscaras adequadas para todos os tipos de ocasiões
    Tenho comentários mordazes, risos de inteligência, ares de superioridade.
    Olham para mim: como é feliz! Como é tranquila e a vida não lhe pesa!
    Risos, piadas, conversas alegres...mentira!
    Sou triste, sofro, não me encontro
    Não tenho ideais reais, ligações objetivas, sentimentos sólidos
    Tenho sim sonhos, muitos sonhos
    Sonhos que jamais serão realidade porque sonho apenas para esquecer quem sou
    E essa vida que desprezo


    Xiii - Talvez
    Talvez haja um poeta adormecido em mim
    Um poeta que é todo sono, todo sensações,
    Sem palavras mas com rimas perfeitas para os sentimentos mais essenciais
    Um poeta noturno e errante, que faz com que a vida seja bela ao menos por instantes
    E eu,  nos braços desse poeta, uma pessoa descansada e confiante.
    XIV – Num instante fisológico
    Num instante fisiológico, a revelação.
    De repente, como numa vertiginosa visão, compreendo.
    O filme das complicações, das tristezas, das alegrias, é projetado todo de uma vez.
    Não preciso pensar em nada especial para ver tudo
    Tenho uma visão global sem nenhuma memória particular.
    É como se o pensamento tivesse mil planos e, todos superpostos, fossem a vida toda,
    De uma só vez.
    Este é o pensamento claro!
    Estava tudo planejado!
    Que alegria, que tristeza, que medo, que liberdade, que sensação de dever cumprido, que confusão!
    Vou contar como aconteceu.
    XV- Não perder mais tempo
                                       
    Não perder mais tempo!
    Olhar a vida de frente
    Com garra e força
    Mudar tudo de repente

    Não mais o sonho por sonho
    Não mais a alegria só sonhada
    Não mais ser feliz em fantasia
    Ser! E com isso produzir alegria!

    Não! Ao fardo que é supérfluo
    Não! Ao sacrifício que é funesto
    Não! Ao ser por ter que ser
    Não! À infelicidade de viver

    À parte o vazio de ter que viver,
    À parte essa alma angustiada,
    À parte o sonho inacabado
    Fora tudo isso,
    É possível ser feliz!
    XVI – Às vezes
    Às vezes tenho momentos da mais absoluta lucidez
    É como se tudo que eu sentisse e pensasse e agisse
    Fosse palpável e passível de lógica explicação
    Mas à primeira tentativa de verbalização,
    Já tudo parece fluido, como quando se abre os olhos
    E se esquece do sonho que se tinha tido
    XVII- Uma voz
    Uma voz falava no coração
    Vinha da pele, vinha do peito
    E quanto mais gritava mais ia sendo sufocada
    Eu te via e tocava o bom, o mau e o feio

    Camel, era a vida vivida aventura
    As cordas, os ventos, as ondas, as tempestades
    Medo, de trocar a terra pelos mares

    Que grande ironia!
    O que era firme desfez-se em terremoto
    Romperam-se todos os nós, todos os laços
    E encontro de novo a paz na doce calma dos teus braços

    Tarde demais para arrependimentos
    Fica disso só um grande ensinamento que agora acho que aprendi:
    Não devo à ninguém fidelidade
    Só à mim e à minha liberdade
    E ao meu projeto de felicidade!
    XVIII-De um lado para o outro
    De um lado para o outro
    De um instante para o outro
    Tem sido dura essa passagem
    Essa penosa e sofrida aterrissagem.

    Das alturas de ser imortal
    Das nuvens dos projetos infalíveis
    Da segurança da mulher especial
    Desaba agora um monte de carne e ossos,
    Uma alma irrequieta e banal
    Que busca a si mesma no meio dos próprios destroços.

    O mundo circunscrito imaginado
    A previsibilidade dos fatos,
    A receita sempre pronta dos remédios,
    Tudo, tudo desfez-se em dúvidas quase sempre sem respostas.

    É a vida...
    Ai que só agora compreendo que é a vida
    O que é essa louca dinâmica que é real,
    Esse estar sempre prestes e na iminência
    O estar sempre sujeita e ....
    Finalmente aprender a ter paciência.
    XIX- Falar de amor
    Falar de amor sem ser pouco
    Quando a voz que sai o som sai rouco
    Querer captar o instante, o múltiplo sentido
    E nem por isso sentir-se louco.

    Poder olhar de frente as visões da alma
    Os mares mornos, a tempestade, a calma
    Ver de perto a imagem outra
    Excitar-se e odiar-se
    E nem por isso sentir-se lama.  
    XX- AIDS
    AIDS
    Atitude individual
    Arrependimento impensável depois do sexo
    Não por amor, só por prazer
    Algum, pouco prazer
    Arrependimento
    Insensatez
    Depois do sexo
    Pelo sexo
    XXI – Não posso
    Não posso ouvir música aqui
    Traz um aperto
    Uma nostalgia do que não foi
    Uma vontade de viver outra pessoa, outro lugar
    Outra vida.

    Não pode ser.
    Vida de optar,  vida de decidir
    Vida de mudar
    Posso?

    Tenho sono até a alma
    Sono de viver, de pensar, de sentir

    Tenho  dois mundos
    Um real, como esse quarto e esta mesa e eu ser estatística
    E ter uma tese pra fazer e não saber
    Outro lindo, diferente. Não sei bem como mas diferente
    Livre. Estatística talvez com tese pra fazer
    Mas livre
    XXI – Queria muito
    Queria muito ter um momento criativo
    Um momento surrealista, metafórico,
    Em que dissesse com beleza e ritmo
    Tudo o que me vai na alma

    Ser poeta ao menos uma vez
    Escrever versos, olhar para eles, me ver e aos meu sentimentos
    E não encontrando beleza me conformasse
    Voltando à escrita medíocre e à tristeza.
    XXII- De baixo do a
     Debaixo do a tem uma janela
    Que pertence a um mundo povoado de ideias , sonhos e ideais mal resolvidos.
    Debaixo do a a vida para
    E continua num eterno vai e vem de sensações bem definidas.
    Em cima do a , o céu, os aviões, a ponte aérea
     e o que se vê de lá
    é muito menos que embaixo do a.

    Embaixo do a a gente se vê de tão perto que se vê torcido
    Ora feio, ora bonito
    Num jogo de espelhos que empurra pro infinito

    O a tem lados, quantos serão?
    Em cima o céu
    Do lado de cá um l
    Do lado de lá o abismo e em baixo a escuridão

    A escuridão das almas que habitam embaixo do a
    Que de tão escuras se iluminam
    Como quem se cansa de estar doente e fica são.
    XIV – Não sei se é bom ou mau
    Não sei se é bom ou mau
    É um misto de paz e distanciamento
    Uma leve angústia por trás
    Que nome terá esse sentimento?

    Vontade de estar só, de ver ninguém
    Fantasia de estar com quem ,
    Em sonho se ama (me ama)
    Bastando isso, sem ir além

    Reunião calada de corpos e almas
    Esse o maior desejo
    Nada pra fazer nem pra falar
    Estar quieta e nem por isso deixar de amar.
    XXV- I ching
    Jogo e ele me diz que tudo bem: sucesso no empreendimento!
    Empreeendo não sem dor.
    Dorme!
    Terei realizado ou não?
    Terá havido humilhação ou arrependimento?
    XXVI- Ronaldo
    Sabe porque não vou morrer de modernismo?
    Por que não quero.
    Por que nada me vai até a alma. Tenho um pé dentro outro fora da vida.
    Só me envolvo até o meio.
    Eu sei. Estou de fora. Não vivo. Nunca. Carrego.
    Feliz de quem vai morrer de tesão, emoção, irritação, dedicação, amor enfim....
    Participação.
    Ronaldo, depois dessa acho que preciso de uma pílula de super ego.                                                 
    XXVII – Estou triste
    Estou triste. Estou muito triste
    O sol que existe lá fora,
    E que costumava me consolar, já não consola.
    A vida que há pela frente, todo mundo, toda gente
    Ao invés de me aquecer, me esfria.
    Não me sinto só
    Tão pouco me sinto parte de qualquer coisa
    O mundo que me cerca e era meu, não é mais.
    Ruiu, acabou, ficou pra trás.
    Eu, fico triste.
    O homem que amei está triste
    Culpa minha?
    Não sei e detestaria que fosse assim.
    Ele não pode acreditar em mim. Está magoado e eu o amo.
    Como decidir entre um homem e a vida se os dois juntos formam eu?
    De qualquer forma perco um pedaço.
    Me sinto agora como uma peça que não pertence ao jogo mas que teima em lá estar
    Talvez porque o tabuleiro para o qual foi talhada não exista mais.
    Me sinto agora como quem acorda de um lindo sonho e não sabe onde está.
    Tento, com todas as forças lembrar-me onde foi que dormi
    E não consigo
    Me sinto partida, esquartejada
    Dividida em dois, dez, mil pedaços
    Uma parte fica com ele, outra com a casa,
    Muitas com o projeto fracassado,
    Outras com a fidelidade que sinto que devo às pessoas que me cercam e me querem tão bem.
    Me sinto má, sombria.
    Sinto-me a causa de um enorme desastre aéreo em que todos estão em estado muito grave
    Menos o piloto, que apesar de tudo, parece que se recuperará em breve.
    XXVIII- mais uma vez
    Mais uma vez subestimei a você, a mim, a nós
    Mais uma vez amei e me recusei a escutar essa voz
    Estou agora morta de saudades
    Olhando insistentemente para um telefone que não toca
    Lutando contra a enorme vontade de me dar
    E sendo mais uma vez inócua.

    Peço perdão por nós dois
    Quisera ter dito e sentido tudo que de repente de mim começou a fazer parte
    Mas não, deixo tudo pra depois
    E agora tenho que viver com a tristeza, castigo de quem prefere ser covarde.

    XXIX- Inaugura outra fase
    Inaugura agora outra fase!
    Outra vida, outro sonho, outro pedaço
    Esquece o que até agora foi o laço
    Afrouxa que é seu o novo passo!
    Que bom, que feliz que já me sinto
    Que tola, que bobagem assim sorrindo,
    Quero, te quero, a vida sem ansiedade
    Adoro isso que vivo sem saudade!
    Tudo que agora faço, faço sem mal nem dor,
    Tudo que agora quero, quero sem nenhum rancor
    Estou feliz. E se for?