segunda-feira, 19 de março de 2012

Erros e Acertos


Não tem erro. Se temos mais do que 45 anos, nosso corpo de hoje, por dentro e por fora, revela o que fizemos dele durante a vida toda. Tenho pensado nisso e, por uma dessas leis da sincronicidade que não entendo mas que acho maravilhosas, ouvi de um médico na TV e da Christiane Torloni a mesma frase. Ela diz que seu corpo carrega todos os erros e acertos do passado. No caso dela, sendo bem maledicente, acho que o corpo ainda carrega umas tentativas de acertar o que o tempo tratou de piorar. Não importa.

Mas para que pensar nisso? O estrago já está feito. Já bebemos, já fumamos, nos drogamos se for o caso, já dormimos pouco, fomos das festas direto para o trabalho, já não fizemos exercício ou fizemos em excesso, já nos estressamos com e sem motivo, já trabalhamos dia e noite, já comemos todas as porcarias do mundo, outros já não comeram nada, já nos desafiamos de todas as maneiras. Para quê, se não tem volta?

Penso eu que para tudo, menos para nos arrependermos. Acho sim, que para entendermos. Para nos resignarmos ao ter que deixar todas as inconsequências para trás e passar a nos cuidar melhor. E como é gostoso cuidar do animal que somos, que nos empresta o corpo e anseia por carinho, atenção, afagos, conforto  e muita, muita sinceridade e olho no olho. Ninguém maltrata um bichinho de estimação ou uma criança. É o que viramos nesse “terceiro ato” da vida.

Para  muitos de nós, por anos e anos o corpo foi uma entidade invisível. Por muita falta de informação no nosso tempo e porque tínhamos uma visão puramente ocidental. Felizmente a cultura oriental veio bater em nossa porta e tivemos a oportunidade de rever muitas coisas.  Claro que sempre há exceções, mas estou falando da maioria da minha geração. Lembro que num dos períodos brabos de “virada”no trabalho por conta de um dos planos de estabilização econômica do governo, períodos em que nem íamos para casa trabalhando dia e noite para acertar todos os cortes de zeros, tablitas e etc no sistema gerador de extratos dos clientes, um sábio homem mais velho me disse: “preste atenção porque a saúde é uma conta de estoque sem reposição. Tudo que você gastar demais agora, faltará lá na frente”. Claro que nem liguei. Continuei estressadíssima, fumando um cigarro atrás do outro e passei sei lá quantas noites dormindo 2 horas por dia. Hoje entendo perfeitamente a seriedade do que ele dizia.

Hoje adoro cuidar de mim. Adoro ter parado de fumar. Adoro não gostar mais de beber. Adoro não perder mais meu tempo e energia com o que não importa e, sobretudo, com quem não me acrescenta nada, adoro optar pelo sono. Acho perfeito cultivar meu intelecto e meu espírito junto com o corpo. Finalmente entendi que os três é que formam o que sou e que, cuidando de um, estou cuidando de todos. São inseparáveis.

Quando se cultiva a compaixão, o amor, a fé no ser humano, a alegria, não é só o espírito que fica mais bonito, isso aparece no corpo, na pele. Da mesma forma uma boa alimentação torna o espírito mais leve e favorece as curas físicas e emocionais. 

Parece que há um tempo para cada coisa. Para cada estilo de vida. Para cada escala de valores. Tirando as pessoas muito fora da curva – de um lado aquelas que sempre souberam que o corpo era sagrado e de outro, aquelas que o detonaram de forma irreversível, na média temos tempo e vigor para viver quase tudo, para conhecer, refletir, mudar tudo e deixar para trás o que já está no tempo errado. Sem saudosismos nem arrependimentos. Serenamente.

Me parece que “erros e acertos” do passado talvez não seja a melhor forma de definir o que nosso corpo reflete hoje, porque essa expressão é cunhada segundo a ótica do que sabemos hoje. Prefiro pensar que o corpo reflete nossas escolhas que foram sempre certas porque eram a forma como sabíamos, podíamos e queríamos viver. E todos nós sabemos que esse “querer” tem origens tão profundas que na maioria das vezes são inacessíveis. Abaixo a culpa e a revisão do passado impregnada de conceitos de hoje.

O que tento passar hoje, para pessoas de qualquer idade, é a noção do quanto é gostoso cuidar do corpo. Por dentro e por fora. Não porque mais tarde ela colherá os frutos desse cuidado, mas porque é agora que ela será mais feliz e inteira.









domingo, 18 de março de 2012

Pausas


 
De volta ao Blog. Será? Às vezes, pausas obrigatórias nos levam também a pausas naquilo de que mais gostamos e que não estamos tecnicamente impedidos de fazer. Mas o emocional impede, e como, certas atividades.

Hoje, me aventurei a entreabrir o armário em que estava trancada durante essa segunda leva de dores excruciantes. Estando a porta entreaberta, fui caminhar na Lagoa e o mesmo ritual se repetiu. Primeiro, minha boca abriu diante da beleza do fim de tarde e não pude pensar em nada. Minutos de contemplação que pareceram uma década. Vencida essa etapa, os pensamentos começaram a se multiplicar e a querer tomar forma e, ato contínuo, me veio a vontade de escrever.

Aqui estou, sem saber bem o que pensei porque de um ponto em diante, a dor era tanta que me raptou as reflexões e se aboletou soberana em minha cabeça. Mas me lembro que estava pensando nos efeitos que produzem estas paradas, pausas forçadas. 

De um modo geral, vamos pela vida saudáveis. Trabalhamos muito, fazemos o que dá e como dá as outras atividades que nos dão prazer ou que são obrigatórias. Agenda muito cheia na grande  maioria dos casos. Cuidar dos filhos – já grandes requer muito mais tempo porque cuidar significa ouví-los, trocar, propor atividades, ralar junto quando é preciso; cuidar de nós mesmas – aparência, espírito, intelecto, nos dar prazer, namorar ou cuidar do casamento; ir a festas, encontros, cultivar as amizades, viajar. Ah e viajar, normalmente de férias. Férias não contam como pausa ou são uma pausa prevista, normalmente ansiadas por conta do descanso de que estamos precisando.

 Quando se tem uma pausa por motivo de saúde, como eu estou tendo, tudo muda muito de figura. A agenda de todo mundo é cheia, a sua é vazia. Você precisa resolver como vai encher seu dia tentando não sentir muita dor, e tentando arrancar de você vontade de fazer qualquer coisa.  Pior quando não se tem um diagnóstico, ou quando tem e você tem certeza de que está errado. Quantas decepções quando o problema é a saúde. Ou pior, a doença.

Tem-se muito tempo para refletir e se decepcionar. Com quase tudo e todos os envolvidos nesse absurdo que é a venda de conhecimento para quem está doente. Eu teria feito um bom pé de meia se não tivesse pago o monte de médicos com os quais me consultei e que, na melhor hipótese, não acrescentaram nada e na pior, erraram  redondamente. Sem qualquer constrangimento. Difícil acreditar. Ouço sempre que a qualidade da relação determina a cura. Mas como? 

Tenho agora meu pé muito atrás com quem promete cura: física ou espiritual. Com quem promete estar ao seu lado sempre que precisar. Isso não existe. Sua cura está só em você. Conheça-se, ouça seu corpo, sua cabeça e seu espírito, lide com eles, e deixe o médico fazer o estritamente necessário. E grite se você achar que está errado. O grande, o enorme erro é se iludir.

Nessa pausa forçada, você também compreende a diferença entre amigos e companheiros de vida saudável. Não que esses últimos sejam maus ou mereçam desprezo, mas não são amigos. Todos repetem a plenos pulmões que são amigos para o que der e vier. Não são e a gente precisa se acostumar com isso na boa. É legal essa faxina interna porque no fundo, você também de desobriga de um monte de coisas que só na pausa é que você vê que não te dizem respeito. Um enorme peso vai embora. O equívoco é muito pesado.

Na pausa forçada dá tempo de questionar seu trabalho. De se decepcionar com ele também e dá tempo de pensar em fazer outra coisa se e quando você tiver condições. Dá tempo de fazer planos novos e adaptados à sua nova deficiência. 

Dá tempo de se decepcionar com muitos que não sabem lidar com a deficiência. Que têm a saúde como princípio para a convivência. Talvez não por mal mas por não ter aprendido diferente.

As pausas forçadas são muito boas. Oferecem a oportunidade de rever tudo, passar tudo a limpo e ainda faxinar a vida e o coração.

Não desejo a ninguém pausas forçadas por motivos de saúde. Ninguém merece. Se acontecer, aproveitem como estou tentando aproveitar a minha. Mas se felizmente não acontecer, tentem pausas de avaliação uma vez ou outra. Não só férias de lazer.  Seria ótimo se pudéssemos ter certeza de que o caminho da vida seria o dos filmes. Nascer, crescer, formar uma linda família, ficar velhinho com o apoio dos filhos e morrer serenamente. Não temos certeza. Então, não custa conhecer um pouco do mundo em que vivemos, das mentiras em que nos fazem acreditar, e tentar traçar um plano B, para o caso da vida nos obrigar a fazer diferente.

Foi nisso que andei pensando em minha caminhada ao cair da tarde. Fui caminhando e fazendo um balanço, me lembrando do que tem se passado em minha cabeça e coração. Pensei também que de forma alguma sei escrever contos. Se sei escrever alguma coisa, alguns dizem que sei, é sobre a realidade. Contos não. Estou pensando muito seriamente em deixar o grupo de mini-contos. Papo para outra escapada.