sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

GRATIDÃO: acho que é a palavra mais linda da nossa língua

Embora não possa me alongar no texto porque só tenho 1 mão (a esquerda rsrs) em uso, quero registrar minha gratidão  a todos  que têm me ajudado a passar esses dias tão difíceis.
Cada um do seu jeito e como dá, todos são muito preciosos.
Em particular, preciso falar da Thaís (minha  irmã gurua pela entrega sem limites à minha melhora),  Ana Maria Simas pelos papos tão enriquecedores, carinhosos e elucidativos e minha querida Esther, sempre incansável.
Obrigada de coração!
O que seria da vida sem vocês todos?

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Auto - sabotagem em forma de dor


Hoje estou precisando desesperadamente escrever (embora não devesse), numa tentativa talvez vã de desviar meu pensamento e meu foco da dor que estou sentindo. Uma dor horrível que sai do pescoço, passa pela escápula direita, vai até o cotovelo. Do cotovelo para baixo é uma queimação só e nenhuma força na mão direita. Não consigo virar a chave do carro, puxar o freio de mão, nem soltar, claro, abrir uma garrafa. nada..estou, por assim dizer aleijada temporariamente (eu espero). E que estranho que é isso. Se sentir inválida, precisando de ajuda para tudo ou me ferrando inteira para fazer sozinha as coisas mais banais. A minha esquerda já nunca foi muito boa. Agora a direita é pior que ela.
Os remédios fortíssimos, opiáceos, dão jeito de amenizar a dor, não passar totalmente, mas a força não sei como vai ser. Os resultados dos exames ainda demoram.
Estou contanto tudo isso, porque terça feira embarco para uma aventura interna e queria estar muito bem. Ou não queria e essa dor é uma forma de me fazer desistir? Por que assim do nada, de repente, eu acordo uma segunda de manhã, uma semana antes da tal viagem, totalmente incapacitada?
Que pode ser isso além de uma baita sacanagem da minha cabeça para me fazer desistir?
Mas não vai. Eu vou com muita dor, parte das funções comprometidas, mas vou. Se uma parte de mim pensa que é mole assim enganou-se.
Agora uma coisa me causa verdadeiramente um embaraço. Descobri que tinha uma crença de que já tinha passado por tantas dores na vida (dores excruciantes) que achava que minha parte estava cumprida.
Não existe isso! Não existe limite nem fundo do poço. Ele é infinitamente profundo e a gente nunca pode acreditar que acabou. O que tiver a ver com seu jeito de ser vai aparecer sempre, em forma de dor ou outra coisa.
Ainda falando de dor, como é difícil abstrair dela! Tento meditar, conversar, trabalhar, mas ela está lá, pedindo para que eu preste atenção nela como se fosse a única coisa importante na minha vida.
Tento separá-la do resto, imaginar que ela está fora do meu corpo, alucino que posso cortar esse braço e partí-lo em mil pedaços até esmagar a dor. Mas sabem o que acontece nessas fantasias? O braço está lá, estraçalhado, mas a dor lateja, no trilho do trem, como um rabo de lagartixa que se mexe para além da lagartixa.  Ela tem vida própria a danada teima em voltar para mim que sou o lugar e o corpo ao qual ela pertence.
Desisto de fantasiar. Aceito. Ela é minha e vou ter que, sozinha, me livrar dela.
Pegou-me, mas não vai frustrar meus planos fique ela sabendo.
Ela é forte? Eu sou mais.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Cisne Negro - a metáfora do parto

Todo mundo tem o direito e o dever de, em algum momento da vida, ‘renascer”. O u em vários momentos se a pessoa tiver coragem suficiente.
Para renascer é claro que antes é preciso morrer e não é nada fácil se matar, gestar a nova pessoa e por fim fazer o próprio parto.
Quando nascemos pela  primeira vez, somos totalmente inconscientes. Não lembramos do quanto foi penoso nascer, nos separar do corpo materno, encarar a luz e o barulho do mundo e respirar sozinhos. Somos obrigados a isso tudo, bebês indefesos, e ainda assim, sobrevivemos. Mas não somos exatamente protagonistas nem donos dessa história ( a protagonista é sempre a mãe). A primeira parte da nossa vida, que é tão fundamental, é construída através das nossas relações com as pessoas que fazem parte das nossas vidas e que, não necessariamente, nos fazem bem ou nos dão instrumentos significativos para alçar nossos próprios voos. Em algum momento, mais tarde, devemos provocar nossa própria morte interna e renascer deliberadamente.
Assim é que Nina, a bailarina do Cisne Negro, cresce com uma mãe super-protetora, que projeta nela todo seu fracasso na vida, que a infantiliza o tempo todo e a transforma no projeto de sua própria vida. A menina é uma boneca que ela pretende controlar para sempre. Ao mesmo tempo em que “finge” querer que a filha seja um grande sucesso, sabota-a de forma revoltante (talvez, inconscientemente, queira repetir seu próprio fracasso para justificá-lo?)
Nina, por fim se torna uma bailarina em busca da perfeição técnica mas incapaz de sentir qualquer coisa de tão reprimida, castrada, tentando corresponder às expectativas da mãe.
Quando surge a sua grande chance, se depara com todas as barreiras que a levariam ao sucesso. É muito doído. O diretor deixa claro que técnica não é o suficiente. Se não houver sentimento, entrega, paixão, conexão com a música, a dança e o drama do personagem, é impossível arrebatar qualquer plateia.
E surge o impasse de Nina: viver a pressão, encarar, matar a menina antiga e parir uma nova e empolgante bailarina, ou desistir e deixar passar o grande momento (como sugere a mãe com suas palavras de consolo).
Acho que o mérito maior do filme é criar um clima de absoluta tensão e aflição que é o grande recurso para nos fazer quase experimentar – espectadores, a dor, o dilaceramento, de resolver morrer para depois renascer. Magistral. Ele não mede cenas impactantes nem recursos de câmera para nos conduzir nessa jornada alucinada de Nina. Para mim, a quantidade de sangue que o filme contém, foi o símbolo maior do "parto" da bailarina.
A chance de Nina é bastante óbvia. Nas nossas vidas cotidianas nem sempre é tão claro assim. Precisamos nos matar para renascer às vezes em momentos dramáticos, mas muitas outras, em momentos sutis, em que é preciso estar muito atento para saber que a hora chegou e não é possível recuar.
Nina não tinha muito tempo. Sua estreia estava próxima e era preciso apressar esse momento do novo parto. Ela alucina, se rasga, verga mas não quebra.
No geral, podemos fazer isso de forma mais calma e talvez não sofrendo tanto.
Mas renascer nunca é sem dor. Romper com nossas certezas, negar expectativas, decapitar as pessoas que representam nossos bloqueios (e que, às vezes são pessoas amadas), enfiar cacos de vidro na pele para extrair as vísceras e recolocá-las no lugar. Tudo isso faz parte.
O mais difícil não é matar quem não serve mais. É fazer o novo parto e respirar de novo, sozinha, sem ajuda.
Mas vale muito a pena.
O final do filme nos mostra isso de maneira muito, muito emocionante.
Claro que nada disso seria possível, não fosse o elenco estelar e a direção impecável.
Finalmente um filme diferente
Tenho lido muito que o drama do filme é a luta pela perfeição.Discordo. Na minha interpretação, o drama é por uma busca muito mais fundamental: a  de SER PLENAMENTE.




domingo, 20 de fevereiro de 2011

Domingo é um dia em que já vem tudo pronto

Acho eu, que ninguém lê Blogs aos domingos. Tem tanta coisa boa para ler nos jornais e nas revistas novas da semana, tem tanta gente boa escrevendo, pesquisando, entrevistando e sendo e entrevistada, que não sobra muito tempo para leituras extras.
Como para mim as notícias, os pensamentos e as ideias que leio, são sempre fonte de reflexão, aos domingos fico encantada por ver e saber como tem gente vivendo os mesmos dilemas, o mesmo mal estar, gostando das mesmas coisas, antenadas na mesma frequência! E invariavelmente, tenho  vontade de transcrever algo que já veio pronto e me emocionou. 
Já morri de rir com o João Ubaldo, me indignei junto com Veríssimo e Frei Beto, adorei saber que para o Domingos de Oliveira ( ninguém menos que ele), o melhor programa da TV hoje é......HOUSE!!!!
Mas quem me falou ao coração mais profundamente hoje foi a Martha Medeiros, com seu texto "Intoxicados pelo Eu". Me vi demais ali e de tal forma que acabei por compreender e apreender uma frase de Freud que li essa semana no Facebook, postada por algum amigo e que estava alugando a minha cabeça: "seríamos muito melhores se não tivéssemos a  preocupação de ser tão bons." Perfeito!
Aí vai a crônica da Martha para quem, na segunda feira, tiver deixado de ler no domingo.

Intoxicados pelo Eu/ Martha Medeiros 

 A gente perde muito tempo pensando na nossa imagem, no nosso futuro. Até que um dia acordamos asfixiados.

Outro dia acordei com uma espécie de ressaca existencial, sentindo necessidade de me desintoxicar, e era óbvio que o alívio não viria com um simples gole de Coca-Cola. Precisava, antes de tudo, descobrir o que é que estava me pesando, e logo percebi que não era excesso de álcool, nem de cigarros, nem de noitadas, os bodes expiatórios clássicos do mal-estar, e sim excesso de mim.

Desconfio que já tenha acontecido com você também: de vez em quando, sentir os efeitos da overdose da própria presença. Desde que nascemos, somos condenados a um convívio inescapável com a gente mesmo. Quando penso na quantidade de tempo que estou presa a essa relação, fico pasma de como consegui suportar tamanho grude. Eu e eu, dia e noite, no único relacionamento que é verdadeiramente pra sempre.

Ando escutando uma banda uruguaia chamada Cuarteto de Nos (que, aliás, fará show esta semana em Porto Alegre), cujas canções possuem letras divertidas e sarcásticas, entre elas, Me Amo, uma crítica bem-humorada a essa era narcísica que estamos vivendo. O personagem da música não ouve ninguém e não consegue imaginar como seria o mundo sem a sua presença. Tem muitas garotas, porém nenhuma é digna dele. Está muito bem acompanhado a sós. “Soy mi pareja perfecta”.

Intoxicação talvez seja isso: considerarmos que somos um par. Só que no meu caso, sou um par em conflito. Um eu que deseja fugir e outro eu que deseja ficar. Um eu que sofre e outro eu que disfarça. Um eu que pensa de uma forma e outro eu que discorda. Um eu que gosta de estar sozinho e outro eu que precisa amar. Nada de “pareja perfecta”, e sim caótica.

Uma relação tranquila consigo mesmo talvez passe pela conscientização de que não devemos dar tanto ouvido às nossas vozes internas e que mais vale nos reconhecermos ímpares e imperfeitos por natureza. A vida só se tornará mais leve e divertida se pararmos de nos auto consumir com tanta ganância e darmos uma olhadinha para fora. A gente perde muito tempo pensando na nossa imagem, no nosso futuro, nos nossos problemas, nas nossas vitórias, no nosso umbigo. Até que um dia acordamos asfixiados, enjoados, sem ânimo e sem paciência para continuar sustentando a pose, correspondendo às expectativas, buscando metas irreais, vivendo de frente pro espelho e de costas pro mundo.

É a era do egocentrismo, somos vítimas de um encantamento por nós mesmos, mas, como toda relação, essa também desgasta. Fazer o quê? Esquecer um pouco de quem se é, esquecer da primeira pessoa do singular, das nossas existências isoladas, e pensar mais no que representamos todos juntos. Ando cansada de tantos eus, inclusive do meu.


 


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A revolução Egípcia - por Arnaldo Jabor

Desde que começou a revolta no Egito, tenho pensado nela e em escrever sobre ela. Me parecia a única coisa diferente que acontecia no mundo desde muito tempo. Não escrevi e hoje, abro o jornal de ontem ( sou assim, leio jornais atrasados) e dou de cara com a cronica do Jabor sobre o assunto. Tudo que ele pensa é o que penso e ainda tem o fato de que ele escreve muito melhor que eu. 
Então, pra quem perdeu o jornal de ontem aqui vai. Deixo que o Jabor fale por mim. Há muito o que refletir no que ele escreve. Tudo que aconteceu no Egito está acontecendo debaixo dos nossos narizes: nas escolas, nas empresas, nas favelas.... A nossa demora em perceber e achar soluções rápidas é que vai nos deixar num beco sem saída. Bem feito pra nós. Ninguém está mais a fim de ser massacrado, explorado e de ter negada a oportunidade de desenvolver seus reais potenciais.
Enjoy!

Egito: a revolução sem líderes

ARNALDO JABOR

 O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/02/11


Estou no Egito, em 1995. Arrasto-me por dentro de um túnel estreito, em direção ao remoto fundo da pirâmide, o túmulo de Quefrem. São 50 metros a percorrer nesse buraco de tatu milenar.

Um mendigo rasteja atrás de mim gemendo "batkisk, batkish!" - que quer dizer "esmola". Sou tomado pelo pânico da morte, mas não tenho volta. Há que se rojar na pedra suja até a cripta do faraó, com o coração disparado, o suor frio na alma, o terror de não ter escape a não ser cair no túmulo do rei, lugar onde a morte se abrigou há 4.000 anos.

O mendigo me implorava ajuda até quando chegamos à cripta vazia: "Batkish"! Eu e o mendigo me olhando no buraco do fim. Ele rosnava uns lamentos melódicos e eu pensei que fosse enlouquecer, mas fui salvo por uns norte-americanos, que chegaram bufando do túnel.
A sensação de pequenez, de insignificância, era letal, debaixo de milhões de toneladas de pedras amontoadas.

Eu me sentia uma metáfora da vida de hoje, arrastando-me para longe da miséria, em busca de uma revelação frustrada na tumba e na vida - não havia luz no fim do túnel.

Voltei de quatro como um verme para o deserto e minha angústia aumentou quando saí ao sol e vi (juro que é verdade) um pobre cameleiro de camisola suja e com um boné do Banco do Brasil na cabeça que me sorriu: "Brasil? Bebeto e Romário".

O irreal me tomou de vez, quase desmaiei entre camelos, na vertigem de fatos simultâneos, tudo ao mesmo tempo sem linearidade, sem continuidade: Bebeto, Romário, Quefrem e a Esfinge me olhando. Não havia tesouros ou resposta e me senti como o mendigo, pedindo a esmola de algum sentido.

Em torno das pirâmides, vivi o Egito bem antes do 11 de Setembro, antes da internet e das redes sociais. Eu vi o Egito como o grande museu de uma paralítica sociedade, as casas do Cairo com o lixo no teto, os gritos dos "muezzins" nas mesquitas, os rostos da miséria, a zona geral do país sem rumo sob a ditadura; eu vi a espantosa civilização de milênios no Vale dos Reis seis meses antes de um grupo terrorista degolar 60 turistas alemães em frente à casa da faraó-mulher Hatshepsut, onde estive.

Eu fui ao templo de Ramsés II em Abu Simbel, e vi sua mulher, Nefertari, num baixo-relevo rendado e vi que era a Naomi Campbell, uma núbia negra, deslumbrante, e tudo começou a pesar na minha cabeça, tudo misturado, a manequim de 4.000 anos, o milênio junto com a modernidade, e tudo pesou como uma pedra que cresce e me lembrei do conto de Camus com esse nome, "A Pedra que Cresce", no Brasil, Iguape, onde se passa o relato misterioso de uma situação absurda e reveladora.

REVOLUÇÃO ONLINE

Foi aí que, nesse exato momento do texto que você lê, caro leitor, chegou-me a notícia de que o Mubarak tinha renunciado. E dos milênios antes de Cristo, pulei para 2011.
Na TV, milhões de pessoas celebram o feito extraordinário: um povo sem líderes fez uma revolução sozinho e, sem lênins ou guevaras, mudou a história de 6.000 anos.

Há muito tempo esperamos uma boa notícia, alguma imagem de vitória, neste mundo empacado em impasses, no Oriente, na crise financeira na América e Europa, na falta de solução para o terror. E, de repente, essa notícia gloriosa diante de mim. Creio que a visão de uma revolução ao vivo, online, vai influir muito além do Oriente Médio; talvez chegue até aqui perto, para temor de tiranetes vagabundos como Chávez ou guerreiros gagás como Fidel.

Volto a dizer: no Egito e Tunísia, o "novo" foi uma vitória sem líderes. A revolta e a luta vieram de dentro dos corpos, insuflados por um grande ser sem nome, que vive e respira dentro das redes sociais, na internet - a sociedade não está mais sozinha, há um link entre os cidadãos do mundo.

A tecnociência nos trouxe, sem querer, uma porosidade política que vai estreitar o abismo entre o Estado e a sociedade. O poder não deterá o mesmo "poder" de antes. Não mais a "democracia" de invasão que os Estados Unidos tentaram impor ao Iraque e ao Afeganistão.

Claro que já começam as questões: quem vai organizar o regime, será que os islamitas vão dominar o processo? Ninguém sabe, como ninguém sabia também que isso aconteceria no Egito e na Tunísia.

E esse é um desafio mais profundo: a mutante e veloz aprendizagem

Comparem a leveza eufórica dos revoltosos com a resistência do atraso nos EUA, do ódio careta dos republicanos que querem impedir ferozmente que Obama reforme a saúde, combata o desemprego e diminua os impostos para os pobres.

Vejam a obtusidade dos escravos de Hugo Chávez, ou a bovina sujeição de pobres diabos a senhores feudais, no grande "maranhão" que querem para o Brasil.

Quando as informações circularem mais e mais na cabeça dos povos, vai ficar difícil a impunidade eterna dos canalhas.

A tecnociência cria novas formas de liberdade social.

Enquanto filósofos puros quebram a cabeça para evitar a "des-humanização" da vida, enquanto procuram um nexo racional de salvação, pode ser que respostas inesperadas sejam "pensadas" sozinhas nos trilhões de sinapses dos computadores.

Pode até acontecer que essa explosão de liberdade árabe, essa festa na velocidade da luz provoque conflitos até mais duros, com Israel por exemplo; mas, mesmo assim, a verdade será bem-vinda, porque é melhor a roda da história girando do que esta época encalacrada em que vivemos.

Democracia empurrada pela garganta dos países árabes ou a aliança de paz espúria com ditadores vão agonizar e morrer. Mesmo que haja desgraças e catástrofes políticas, creio que a verdade da tragédia é melhor do que a continuação dessa ópera bufa.

Falar todo mundo fala, mas como?

Sempre me perguntei como se começa um livro. O que será que passa pela cabeça do autor quando escreve a primeira frase?
E sempre prestei atenção nisso. Agora por exemplo, que estou com insônia, peguei ao acaso um Machado de Assis que nunca tinha lido e morri de rir.
Sabem como começa? Assim:
“Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar. Mas, por outro lado, sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a grandes digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar.” Não é sensacional e totalmente desconcertante? Só Machado de Assis, eu acho.
Outro que me lembro por inopinado era o início de Cronica de Uma Morte Anunciada de Garcia Marques. Começava assim: “No dia em que morreria, Santiago...” não me lembro o resto, mas é engraçado como um livro pode ser tão bom sendo que o leitor já sabe desde a primeira linha que o herói morreria naquele dia.
Há que ser muito brilhante para cometer essas ousadias.
Mesma coisa em Trem Noturno para Lisboa de Pascal Mercier: “O dia em que nada mais seria como antes na vida de Gregorius começou como outro qualquer...” e também não lembro mais o que vem depois.
Mas uma coisa é certa. Dependendo da primeira frase o leitor já pode ao menos supor o que virá a seguir. Por isso, na minha cabeça, ela é tão importante.
Não sei se o é para a maioria dos leitores nem se o autor perde tempo pensando nisso mas que existe uma chata que presta atenção, lá isso existe.
Quando começo meus textos aqui, não me preocupo porque primeiro não se trata de nenhuma obra literária; segundo, porque escrevo direto o que me vem à cabeça – bom, blog é diferente né.
Mas pensem na nossa vida cotidiana. Imaginem se o interesse do interlocutor não aumenta ou diminui dependendo de como a gente começa a falar.
Se for a defesa de um projeto, começa-se de um jeito, já dando os finalmentes para depois contar o corpo do mesmo. Ninguém aguenta uma história inteira para depois saber se o projeto é viável ou não.
Se for uma fofoca, um tom de mistério e alguma demora em contar os fatos são necessários para despertar o interesse. Um floreio por assim dizer. Depois conta-se o milagre e só depois do ouvinte implorar de joelhos, o santo. Claro, fazendo-o jurar que não vai contar para ninguém. Comunicar-se requer certo talento. Até mesmo uma representação. Não se pode falar tudo com o mesmo tom de voz e o mesmo nível de entusiasmo (ou falta dele) que quem está ouvindo rapidamente perderá o interesse. Assim como se deve planejar a ordem em que as coisas serão ditas.
Imagine uma má notícia! Melhor ir logo ao ponto? Você está demitido! Ou começar a dizer que ‘há muito venho observando seu comportamento e percebo que você não está muito satisfeito já que não tem dado tudo que pode e blábláblá’ e o coitado do demitido quer concluir já entendeu tudo e o chefe fala...
Ou melhor seria nem uma coisa nem outra mas apenas dizer que “o gato subiu no telhado’?
Mesmo dilema para términos de romances quando um só não quer mais, notícias de acidentes e por aí vai.
Tenho aprendido em comunicação que o que importa não é o que as pessoas ouvem quando você fala e sim o que elas sentem quando você comunica. E esse “sentir”, vem da postura, da entonação, dos gestos...muito pouco das palavras. E entonação vem da ordem que você escolheu para falar. Ora começando pelo fim, ora pelo começo, ora seguindo a intuição e percebendo o que a pessoa quer ouvir primeiro.
Igualzinho aos livros.
Ai Deus, tudo começou com o Machado às 4 da manhã.
Vou parando que isso tudo mais parece uma maluquice de insone. Não marquem logo “chato”. Fazer críticas requer um mínimo de compaixão para com o autor. Escrevam devagarzinho no comentário. Please.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Alegria e recolhimento

Não sei se acontece com todo mundo, mas alegria em excesso me cansa muito!
Desde o sábado que antecedeu meu aniversário, tenho vivido quase em estado alterado de consciência de tanta alegria.
Começou no sábado porque venho ruminando a idéia de que minha mãe de 80 anos está cansada de produzir todos os almoços de domingo. São anos sem conta com essa incumbência.
Almoços de domingo são, para mim, uma tradição muito cara e me dei conta que era chegada a hora de alguma filha assumir esse papel.
Não seria minha irmã por nada nesse mundo, então decidi que sou eu.
Primeiro, e até já comentei aqui, que alimentar quem eu gosto é uma vocação que tenho negligenciado nos últimos anos. Resolvi que era hora de retomar e me dar esse prazer. Não só alimentar, mas preparar todo o ambiente, enfeitar a casa, fazer uma bela mesa, homenagear de verdade quem estou recebendo. Nada que se pareça com obrigação. Li ou escutei uma poesia uma vez que falava assim: receber é estar com "a casa limpa, a mesa posta, cada coisa em seu lugar”. Nunca me esqueci porque acho que devemos aplicar isso em qualquer circunstância da vida. No trabalho, ao recebermos um funcionário novo ou um cliente, quando recebemos amigos, quando vamos fazer uma palestra, dar uma aula. Quanto mais você cuida de tudo, mais as coisas dão certo e as pessoas se sentem importantes. Nunca é demais se sentir esperado e homenageado. Ainda faço "frescuras" extras se dá tempo. Coloco cartazes de boas vindas na porta, e procuro me lembrar das coisas que as pessoas mais gostam para tudo sair a contento: a música, a sobremesa, as flores. É o que chamo o genuíno prazer de servir. Eu tenho muito aflorado esse prazer.
Bom, mas passei sábado e domingo numa alegria imensa preparando tudo. Felizmente uma amiga estava aqui e me ajudou e nos divertimos muito enquanto trabalhávamos.
Claro que saiu tudo perfeito, todos adoraram e eu não cabia em mim de contente.
Depois veio a segunda feira e eu já estava eufórica com a perspectiva do meu aniversário.
A semana passou com a ansiedade e a alegria como pano de fundo e de quebra ainda virei uma noite ajudando uma amiga a concluir seus trabalhos de curso. Sou assim. Ela estava em um curso puxadíssimo e eu dominava o assunto. Ela chegou aqui meia-noite e fomos até as 5 da manhã. Demos conta do recado e eu fiquei de novo muito, muito alegre por ter ajudado.
Depois veio o dia propriamente dito e, mais uma alegria sem tamanho. Uma plenitude. Um fim de semana de comemorações e emoções super fortes
Resultado; estou exausta de ficar alegre e o recolhimento se impõe como forma de retomar minha serenidade.
Será que sou exagerada tanto para ficar alegre quanto para ficar triste? Não estou triste agora, é claro, mas extenuada.
Será que todo sentimento para mim tem que ser assim extremo? Dramático? Impossível de conter? Acho que sim e não sei ainda se isso é bom ou mau.
Sei que não perco uma gota, nem da alegria nem da tristeza e acho que ambas vão contribuindo para o meu desenvolvimento de alguma forma.
Como pretendo ficar mais alegre do que triste daqui para frente, talvez fosse bom saber dar uma dosada. Mas que fazer se certas coisas, ainda que pequenas, me levam ao céu?
Hoje deveria ir a um show de um amigo. Não seria mau escutar um cavaquinho hoje mas não dá.
É preciso respeitar os limites. E de mais a mais, o recolhimento é bom também. Ficar aqui pensando, escrevendo, estudando, fazendo planos, refletindo...
Acho que essa é uma das expressões das impermanências da vida. Ora uma coisa, ora outra e a gente se conhecendo mais, desenvolvendo mais nossos potenciais, descobrindo prazeres adormecidos, vivendo mais, nos surpreendendo mais.
Gosto disso.  Cada coisa no seu momento. Deve estar bem assim.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ordinary People

Houve um tempo, em que acalentei o sonho de ser uma pessoa comum. Não só acalentei, me esforcei. Mas comum mesmo, dessas que ninguém percebe direito e que são esquecidas logo depois que as conhecemos. Uma a mais na multidão.
Uma pessoa que pensasse exatamente o que todos pensam, que desejasse o que todos desejam, que encarasse a vida como todos encaram, que me desse por satisfeita com qualquer coisa e qualquer explicação, que não quisesse saber mais, saber tudo...que não achasse tudo superficial e besta, que não questionasse nada. Parecia-me que essas pessoas eram mais felizes na sua santa (santa de verdade) inconsciência, na sua santa mediocridade, na sua santa auto-estima embasada em não sei o quê. O fato é que auto-estima não se explica e é ela que define grande parte de como nos sentimos. Ou melhor, Freud explica sim mas eu, na minha ignorância, acho que quem aprendeu na infância e ter uma enorme auto-estima, aprendeu também a ter uma auto-complacência do mesmo tamanho e isso acho que jamais terei. E a gente vê pessoas que teriam que se esforçar ainda muito para ser qualquer coisa que merecesse admiração, se achando perfeitamente adaptadas, “de bem com a vida” (como odeio essa frase), e seguindo em frente cheias de certezas, com a vida lhes pesando muito pouco. Auto-exigência zero. Vergonha zero. Culpa zero. Busca zero e sofrimento zero. O céu em vida. Se elas sofrem? Claro que sim. Pontualmente. Com coisas concretas. Uma separação, um parente que morre, a perda do emprego... mas o sofrimento de que estou falando é o existencial, e esse, elas nem conseguem imaginar o que seja.
São pessoas (e morro de rir com isso) que são capazes até hoje de repetir o Pequeno Príncipe com a maior verdade: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e outras bobagens. Ora poupem-me. Assumir a responsabilidade sobre nossa própria vida já não é hercúleo o suficiente? Ainda tenho que me responsabilizar pela dos outros? Esse Pequeno Príncipe me irrita muito. Como de resto me irritam todos os lugares comuns e as verdades fáceis que não passam de jogos de palavras que convencem os menos atentos.
Pouco adiantaram meus esforços e nem sei se se pode simplesmente decidir ser radicalmente outra coisa. Hoje , aliás , tenho certeza de que não se pode.
Assumi. Não sou uma pessoa comum.
Paguei e pago um preço muito alto por isso. Sofri muito. Tive todas as dificuldades do mundo nas relações amorosas – homens admiram muito as mulheres fora do comum mas querem conviver e viver com as mais comuns possíveis e isso acaba tornando-os também comuns e viram homens que eu também não quero. Imaginam o problema? Sempre quis um homem / companheiro que fosse parte da minha própria definição. Que reforçasse quem sou. Fora do comum. Mas todos se revelaram comuns e não que eu não quisesse, mas a impossibilidade estava posta. 
Tive todas as dificuldades no trabalho também. Precisava justificar cada coisa, encontrar a motivação filosófica para tudo que fazia, garantir que o trabalho era o "melhor"  possível.  Um drama para quem me cercava, claro.
Poucas vezes consegui “fazer parte” genuinamente “de qualquer coisa; sempre tive um estranhamento muito grande...enfim...não foi nada fácil ser quem sou.
O mundo é das pessoas comuns. Ë preciso saber conviver com elas, trabalhar com elas, conversar com elas (ainda que dê muito sono), e , sobretudo, respeitá-las. Respeito-as sim, de verdade. Procuro chegar até elas da forma mais afetuosa possível. Só nunca posso esperar que elas cheguem até mim. Que solitário que é isso.
Mas tive grandes recompensas e é nelas que me foco hoje.
Ouvi coisas que maioria das mulheres certamente não ouviu tais como: “se eu fosse mulher queria ser exatamente como a Cláudia”. Isso, vindo de um homem absolutamente especial foi muito gostoso. Outro, em 1986 me disse que eu era a mulher do terceiro milênio e que não havia ninguém que ele admirasse mais.
“Você é muito diferente” é a frase que mais escuto depois de "você é muito inteligente". Às vezes sinto que é um elogio. Outras um estranhamento. E outras ainda uma constatação de que é impossível conviver comigo. Fazer o que?
Que fique claro que ser diferente não significa ser melhor nem estou aqui achando que valho mais que as pessoas comuns. Só estou publicamente assumindo (e isso é para mim mesma que digo) que sou diferente e nada vai mudar isso. Conformei-me e isso é um peso a menos na minha vida.
Jamais terei o que as pessoas chamam de “felicidade’, jamais terei uma vida fácil e prazerosa por muito tempo (terei sim, como tenho tido a vida toda, picos de prazer de uma intensidade que acho que as pessoas comuns nunca viveram), jamais estarei totalmente livre das questões que me acompanharam a vida toda.
Jamais terei ao meu lado um homem do qual eu me orgulhe muito  e me entenda muito porque acho que esse homem nem nasceu.
Paciência. Seguirei me orgulhando dos amigos que escolhi e que são fora do comum também. Mas não prestando muita atenção nas suas escolhas porque afinal, como diz Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” e eu complementaria dizendo que cada um sabe o que faz para aliviar o peso de ser diferente. Não me cabe julgar as escolhas de ninguém.
Seguirei tentando melhorar sempre mas dentro do que eu acho que seja melhorar. Tentar ser outra pessoa não mais. Minha busca é pela minha paz (que inclui ficar mais confortável nesse mundo e nessa vida) e isso, estou aos pouquinhos conseguindo. Minha busca inclui também focar só no que depende só de mim porque aí posso fazer do meu jeito “diferente” sem ter que ser “aprovada” por pessoas comuns que jamais me entenderão. Tomar as rédeas da minha vida doa a quem doer e finalmente, tentar deixar algumas marcas em algumas vidas e com sorte, em vidas que ainda virão.
E de algumas coisas me orgulho muito mesmo: uma, trago em mim um infinito afeto e ele se manifesta o tempo todo. Afeto por todas as pessoas só por serem pessoas, comuns e não comuns, e por aquelas a quem não tenho muito acesso e não consigo saber se são ou não comuns (ser ou não comum passa muito longe da posição social, cultura etc): meus porteiros, todos que trabalharam ou trabalham para mim, pelas pessoas que me escutam no meu trabalho - alunos,empresários, ouvintes nas palestras, etc. Só um detalhe: odeio essa palavra aluno que quer dizer "sem luz". Onde já se viu definir alguém como sem luz? Então faço sempre questão de deixar claro que nem eles são alunos nem eu sou professora. Como sei algumas coisas que eles também sabem mas não sabem que sabem, meu papel é  facilitar que eles transformem esse conhecimento implícito em explícito e, assim, tenham condições de expandí-lo. É só.
Dois, coloco meu coração em tudo que faço e tentarei colocar cada vez mais, sendo ou não compreendida. A mente e o ego são inimigos mortais da verdadeira doação e eu sinto que me doar é o que me deixa mais perto da tal alegria de viver.
Por fim, tenho um enorme sentido extra (não sei se sexto ou sétimo) para detectar pessoas fora do comum e, portanto, vou me sentindo cada vez menos sozinha. Não importa que cada um seja diferente a seu modo. Os “diferentes’, os “outsiders’ precisam uns dos outros e acabam fazendo grandes parcerias.
Quanto às minhas características impossíveis de conviver - minhas eventuais tristezas, a melancolia que me toma, descidas ao subsolo, culpas que ainda carrego (dessas sim, preciso me livrar)  lamento...são o outro lado da mesma moeda. Eu sou um pacote inteiro. É pegar ou largar.
Só digo uma coisa: aqueles que "pegam" de verdade, se divertem muito!


Aniversário

Sempre adorei fazer aniversário. No entanto, foi sempre um tanto frustrante já que fevereiro é mês de férias e poucos amigos estavam na cidade para prestigiar as festas que minha mãe tão carinhosamente produzia. Ah! O bolo de carrossel, os docinhos, a alegria, a expectativa...
Fui crescendo e em vários anos o dia 13 de fevereiro foi carnaval – garantia de não conseguir ver ninguém ou muito poucos e as primaveras foram se sucedendo sem que eu nunca perdesse o entusiasmo com a data apesar dos pesares. Festas maiores ou menores, mas a alegria a mesma.
Depois da GRANDE DEPRESSÃO (não a americana, a minha mesmo), deixei de curtir a data, como de resto deixei de me interessar pela maior parte das atividades sociais. Fechei-me em copas e não posso dizer hoje que foi em vão. Mas foi bem doído. Comemorava a duras penas com a família, menos por mim e muito mais pela minha filha.
Nos anos em que estava um pouco melhor na data, tentava ver as melhores amigas, mas a luz nunca esteve muito presente. Aniversários meio sombrios.
Vejo agora que a gente não perde o que se é de verdade. Fica adormecido, esquecemos por algum tempo, mas está tudo lá, esperando a deixa para voltar à tona e expandir-se.
Assim foi que me vi entusiasmadíssima com os 54 anos. A mesma alegria de outrora, a mesma vontade de compartilhar essa alegria com o máximo de gente querida possível, o mesmo otimismo diante da vida e do ano que começa no dia do aniversário, que para mim é muito mais representativo que a entrada de um novo ano no dia 31/12.
Voltei a me sentir grande e importante e a ter vontade de celebrar e me render homenagens.
Foi uma mágica. Apesar de muitas pessoas importantes para mim não terem estado lá (o que confesso chegou a dar uma ameaçada na minha plenitude), acabou sendo perfeito. Talvez mais realmente tivesse sido menos como muito acertadamente disse a Cecília.
Pensei mesmo em me chatear mas que nada! As pessoas têm mil motivos para não poderem ou não quererem em algum momento ir a comemorações. A quantas deixei de ir e não por desamor. Importância não se mede por presença em festas. Isso seria muito pequeno da minha parte. O universo conspirou a meu favor de qualquer jeito.
Há muito tempo eu não presenciava nem vivia uma noite tão perfeita.
Primeiro, o afeto não cabia em mim. Estava amando profundamente cada uma daquelas pessoas que se dispuseram a passar comigo esse dia especial. Não eram muitas, mas todas eram parte de mim e cada uma contava um pedaço da história da minha vida.
Algumas conheço da vida toda e agradeço por isso. É muito reconfortante estar com pessoas que sabem que a gente não nasceu velha. Que sabem como fomos quando éramos jovens.
Outras são mais recentes, mas não menos importantes. Elas me mostram que não desisti de fazer amigos e reafirmam minha capacidade de amar, de me importar, e de ser correspondida e querida mesmo sendo uma pessoa um tanto estranha por assim dizer.
Agradeço por isso também. Aos 54, quando a maioria das pessoas já está intolerante com grandes diferenças e cheias de restrições a quem permitem que entrem nas suas vidas, eu estou escancarada.
Cada amigo que temos não é à toa. Eles sempre nos mostram um pedaço de nós. Por isso também é que a gente não consegue ser amiga de qualquer pessoa. Se, no jogo de reflexos que são as relações, uma pessoa não reflete nada de volta do que você emana, esta certamente não é uma candidata. E daí a mágica que ocorre quando, até sem muita explicação, duas pessoas se maravilham uma diante da outra e passam a fazer parte uma da outra. Deu-se o milagre.
Segundo, a noite estava linda, uma meia lua brilhava sobre nossas cabeças e o astral. não podia estar melhor, mais agradável, entrosamento perfeito entre pessoas que mal se conheciam e por momentos eu ficava quieta olhando a cena e sorrindo de  satisfação por dentro, percebendo mais uma vez que as escolhas que faço na vida em relação aos amigos  são muito, muito acertadas. Tenho muita sorte porque não basta escolher, é preciso ser escolhida também.
E foi assim que essas pessoas queridas me proporcionaram uma noite que eu gostaria que não acabasse nunca, que ficasse congelada para sempre. Não a noite talvez, mas a alegria que eu estava sentindo.
No fundo, não tem problema que ela tenha terminado. O carinho saiu de lá ainda mais fortalecido e é com ele que seguiremos produzindo muitos outros dias e noites de afeto e bom papo. De troca, confidências, intimidades. Talvez nem sempre seja só alegre, talvez nem sempre haja aniversários, nem sempre motivos para comemorar. Talvez haja mesmo tristezas a dividir, mas sempre haverá a certeza de que juntos somos melhores, e esse é o grande motivo de celebração: a amizade e a comunhão de almas.
Hoje estou me sentindo abençoada porque a comemoração prosseguiu  e foi a vez da família. Que bom  que foi o almoço, Claro que como em quase todos os aniversários, revivemos nossas melhores histórias , às vezes já muito repetidas.O pai conta como eu bebê chamava a atenção das pessoas no aeroporto de tão linda que era. A mãe conta como eu era levada e não parava um minuto. Como vivia me machucando por conta das estripulias. A tia lembra de cada viagem, os irmãos contam passagens engraçadíssimas da nossa infância e juventude.
Rimos muito, foi um delícia. E melhor ainda saber que hoje tem a Laura ouvindo essas histórias e de alguma forma absorvendo o que temos de melhor. Essas histórias repetidas, que para muitos são chatas, me deliciam porque reafirmam a cada oportunidade, que foi bom termos vivido juntos e que construímos elos muito potentes que nos fortaleceram a todos. 
Assim, foi tudo de bom. Tudo que eu esperava desse aniversário como símbolo da inauguração de um ano que, se eu souber fazer tudo direitinho, será sensacional!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

LEOPOLDO PEREIRA - Meu avô -

Remexendo em papéis e outros guardados, encontrei coisas preciosas, como esse apólogo, escrito por meu avô, em 1900! Transcrevo, por acreditar que a historieta tem tudo a ver com nossa atualidade e ao mesmo tempo manterei a grafia original da edição Versos de Leopoldo Pereira, A editora, Lisboa, 1905:

Um medroso camondongo
Vivia no seu covil,
Bem longe dos povoados
Nestas matas do Brasil.

Cansado de soffrer fome
No seu deserto natal,
Resolve fazer violencia
'A timidez natural,

E sahir correndo o mundo
A tentar o seu destino,
E ver se põe termo um dia
'Aquelle viver mofino.

Deixa, pois, triste emigrante,
Os sertões e o patrio ninho,
Expõe-se ao perigo, aos sustos,
Aos azares do caminho.

E depois de ter andado
Por extensa solidão,
Chega emfim morto de fome
A uma bella povoação.

Receioso vinha, quando
Se lhe faz encontradiço
Um rato gordo e altaneiro
De papada e de toutiço.

Chega-se a elle o ratinho,
Voz humilde e baixa a vista,
Como se chega um mendigo
A qualquer capitalista.

E lhe conta a sua historia,
Soffrimentos e afflicção,
Pedindo por caridade
Sua nobre protecção.

Eo rato gordo, sorrindo
Com ares de gran senhor,
O convida a acompanhal-o
'A casa de um tal doutor,

Onde queijos taes e tantos
Vira nesse mesmo dia,
Que a tribu inteira dos ratos
Só num anno os comeria.

"É lá que eu moro, diz elle,
E é lá que te vou levar:
Prometto que has de em tres dias
Como eu tão gordo ficar."

E o ratinho o foi seguindo
'A terra da promissão,
Tendo agua já na bocca
E prazer no coração.

Mal, porem, na casa entravam
Por subterreo corredor,
Eis que de improviso assalta-os
Um gato devorador.

E agarrando o rato gordo
Mata-o logo e o vai comendo;
E o magro, escapando a custo,
Fugiu contente, dizendo:

"Antes magro e com vida no matto
Do que gordo na bocca do gato."

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Me perdendo e me achando nas palavras

Palavras têm vida própria, tenho certeza. E são marotas. Nos fazem de bobos muitas vezes. Outras são amigas e dóceis ( que linda palavra dócil)
Algumas palavras combinam perfeitamente com seus sentidos e são lindas, outras têm um som que parece justo o oposto. Por isso são traiçoeiras e só fazem o que querem.
Eu morro de rir quando me pego falando que estou sentindo uma “angustura” que não pode ser nada diferente de algo como um frio na boca do estômago. 
E o que é angustura? Segundo o dicionário  "uma passagem estreita, desfiladeiro, garganta." Bom, passar numa angustura deve dar uma tremenda angustura.
Ou, em botânica: arbusto da América do Sul, cuja casca é empregada em medicina como febrífugo e antidisentérico. Deve  ser dela que se faz aquele extrato que se coloca no dry Martini.....enfim, nada parecido com a minha angustura original.
Outra: vicissitude. Pode haver algo mais cantante e alegre que o som dessa palavra? E ela quer dizer o que?
“Mudança das coisas que se sucedem; alternativa, alternância: a vicissitude das estações.
Eventualidade, acaso, azar: as vicissitudes da fortuna.
Revés: as vicissitudes da vida.
Instabilidade das coisas; volubilidade: as vicissitudes do caráter humano
.” Ainda segundo o dicionário.
Confesso que sempre que leio essa palavra tenho que traduzí-la mentalmente conscientemente. A primeira impressão é que está se referindo a alegrias imensas. Da mesma forma que até hoje não sei de cor a conta 7x8. Tenho que fazer 7x7 e depois somar 7, vicissitude ainda me faz raciocinar.
Ah! e o que dizer de Efeméride. Não ficaria muito bem uma frase assim: “isso não passa de uma efeméride...? Ou seja, uma coisa passageira, efêmera mesmo. Mas não, a danada ” é o termo usado por magos e astrônomos  para anunciar tanto as ocorrências de alguns acontecimentos celestiais bem como escolher a posição dos astros para assinaturas e tratados imperiais tudo de acordo com a posição dos astros de cada dia, normalmente encontrados num conjunto de tabelas denominadas hoje efemérides astronômicas, que indicam a posição dos astros para cada dia do ano.” Caramba.

Hoje um amigo me veio com peroração. Não tinha idéia do que significava ( não estudei retórica direito) mas quis adivinhar e para mim parecia que ele estava dizendo que eu estava falando por falar, meio que sinônimo de blá blá blá.... Resolvi não confiar na intuição e fui ao dicionário. Que nada, era concluir um discurso, a última parte da argumentação em que o orador tem a última chance de persuadir a platéia através de uma conclusão emocionada ou quiçá dramática, como parecia ser a minha.
Por fim adorei porque sou uma autêntica peroradora. Peroro o tempo todo com uma pressa infundada.

Fatuidade também não me convence muito. Era mais para ser uma coisa importante, fátua. Uma palavra imponente. Mas não..quanto mais fátuo mais tolo.
Fogos-fátuos, quando eu era pequena, me remetiam aos maiores mistérios. Era coisa para ser temida e respeitada. Florestas com  fogos-fátuos me provocavam medo e encantamento.Depois, claro, fui saber que são fogos tolos que acontecem por fatos absolutamente corriqueiros na natureza,
E por aí vai....vou me lembrar de outras mas tenho certeza de que todos devem ter seus estranhamentos com a língua pátria ou mátria que cairia muito melhor.
Vamos fazer uma lista?
Por outro lado há as palavras lindas e que nos dão absolutamente o que se espera delas.
Há palavra mais exata que inefável? Por si só já é inefável, dispensa explicações. Linda.
A inefável presença de Deus, lembrou-me uma amiga hoje, é uma frase da mais absoluta leveza e inefabilidade (se é que existe essa palavra).
Sílfide. É uma palavra magra, esguia. Ninguém, mesmo que não saiba o que é,  imagina que uma sílfide possa ser outra coisa senão uma mulher magra e esguia. Palavra que não engana e é perfeita.
Desvanecer também não é linda? Algo que vai desvanecendo vai muito poeticamente se apagando, desbotando.....
Estou sempre ligada nas palavras. Ora me divertindo muito com elas, ora me encantando e vezes ainda me espantando. É inesgotável. Quem gosta de palavras nunca está sozinho. Elas são maravilhosas companheiras de viagem.
Combinam, descombinam, se misturam e dão certo ou muito errado, se escondem, brincam conosco que corremos atrás delas. É  como uma algazarra (outra palavra perfeita) de crianças correndo e gritando (redundância pura. Gorda essa palavra redundância: poderia significar um belo e grande traseiro) , tentando chegar primeiro ao tesouro. Palavras são tesouros e são soberanas. Curvemo-nos diante de seus mistérios
Só me resta voltar a Bilac:

“Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma”

A propósito, procela não parece assim algo ligado ao campo, à fazenda? Não ficaria bem um “passei a cavalo pela procela que levava à casa grande"? 
Não, é tempestade mesmo. Mas sem a mesma força. Nesse ponto discordo do mestre. Procela não tem o “trom e o silvo”. Aliás silvo é lindo né?