quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mudança

Muda
A muda vira árvore
A árvore vira sombra
Que muda o estado do corpo
E muda o sentir da alma.
O amor vira coração vazio
Muda o calor sombrio e fica frio
Muda a tristeza em nada
Alegria cresce e muda de cara
Vira afeto por tudo.
Muda o que se queria do mundo
Muda o aspecto da crença
Vira lenda a sentença.
Muda espera e muda vira outra
Palavras poucas mudam destinos
Que mudos se desviam
No mundo onde mudos se esbarram
Pra mudar o passo e o caminho
Que era triste, mudo e sem rumo
E mudou em meta reta e palavra solta
Mudada em alívio e carinho


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crônica Genial do Meu Mestre Machado

O nascimento da crônica
Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.

Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.

Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.

Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contUdo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.

Não afirmo sem prova.

Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!

os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, c dar às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto acima foi publicado no livro "Crônicas Escolhidas”, Editora Ática – São Paulo, 1994, pág. 13, e extraído do livro "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2007, pág. 27, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.







Treinando o que aprendi com Machado ontem sobre as crônicas

Acordei. Antes de abrir os olhos me abracei com o travesseiro que tenho só para ser abraçado. Fui aos poucos tirando os cabelos dos olhos, esfregando os pés no lençol macio e o tamanho da preguiça e vontade de ficar na cama me avisaram que o tempo tinha mudado.
Esfrega, enrosca, dorme de novo e a  irritante soneca já tinha tocado mil vezes e eu estava 20 minutos atrasada.
Levanto correndo, abro a janela e é verdade: chove.
Dilema: faço ou não café? 
Como se acorda sem café? Ligo a cafeteira, enquanto tomo um banho quente tão gostoso que me atrasa mais 10 minutos e tomo o café meio fraco enquanto seco o cabelo que na pressa fica uma droga. Dia garantido de mau humor com o cabelo daquele jeito.
Próxima parada: armário. Quando vou cumprir a promessa de arrumá-lo com um mínimo de lógica e bom senso. Bom, não é hoje e achar a blusa e o casaco que quero leva mais tempo que o previsto e onde estão minhas meias pretas opacas que ficam bem com as botas cujo pé esquerdo não acho?
Nada debaixo da cama, nada no armário, ah! na área secando. 
Ainda mato a Graça que além de não ter chegado -  deve estar engarrafada na Avenida Brasil, não guardou a minha bota.
Estou pronta. Vai assim mesmo. Ligo ou não ligo para dizer que estou atrasada, que o pneu do taxi furou ou outra desculpa esfarrapada?
Taxi! Agora me lembrei. Como vou achar um? Nas cooperativas? Claro que não terão. Na rua? Vou encarar a água que cai e, portanto, preciso de um guarda-chuva. 
Parte mais fácil, devo ter uns 15. Cada vêz que chove compro um. Mas passo em revista a casa toda e concluo que os perco à mesma taxa com que os compro. Encontro um todo revirado. É esse.  Sei que entortará ao primeiro vento mas que jeito.
Pronto, só falta a bolsa. Que peso! Ah lembrei que  não tirei umas amostras de ontem nem a nécessaire gigante de quando tem happy-hour. Fica porque não vou separar nada agora.
E as contas que venciam hoje? Sorry, uma  vez mais pagarei atrasadas e com multa e me odiarei de novo por jogar meu dinheiro fora. Mas agora não dá pra pensar nisso.
Engulo mais um gole de café. O que foi um erro porque deixo cair na roupa. Limpo de qualquer jeito e acho que ficou direito.
Bato a porta de casa já exausta. 
Péssima, com a roupa meio molhada meio suja, um cabelo assustador, uma cara que ainda vou ter que ajeitar no taxi (se encontrar algum)  e ensaiar uma desculpa para quando abrir a porta e fizer-se o silêncio que já conheço e todos me olharem esperando o que tenho a dizer.
Enquanto não chega o elevador fico tentando me lembrar se  a chave está na bolsa porque ter que ver o filme do arrombamento da casa de novo, na volta do trabalho, pode me levar ao suicídio.
E penso inconformada:
- Porque é que Deus me fez assim?
E nem por um instante me ocorre que cada assim ou assado de todos esses anos, sou eu que tenho forjado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Bolos de Aniversário

Nos dias dos meus aniversários
Me faziam bolos de múltiplas camadas
Talvez ninguém soubesse, não creio que a intenção fosse mentir
Mas deviam ter me avisado
Que se deve comer uma de cada vez, começando pela  de baixo
Que não se pode misturar todos os sabores, que se deve resistir
Que para além de tentador e delicioso, há uma complexidade impossível de digerir

Fosse pão-de-ló primeiro e seria simples começar a existir
Baba de moça em seguida, e o doce bem doce daria a referência perfeita para sempre distinguir
Então viria o chocolate e aí sim, a festa sem pudores, o puro impulso para só rir e se divertir
Mais pão-de-ló para intercalar promessas. Um certo sem sabor para preparar o porvir
Pasta  de avelã depois, o paladar já mais maduro, pronto para se definir
E como entender a geléia com licor amargo? Faz mesmo parte? Tem que estar ali?
Por fim a cobertura de chantilly!
Brancura entre doce e azeda. Sofisticada  como devem ser as almas que viveram, pensaram, sofreram, riram muito, amaram e saborearam devagar cada camada antes de engolir

Me fizeram bolos de muitas camadas em cada dia que era o meu dia
Me deixaram comer todas de uma só vez, sem  perceber a confusão que se fez`
Nem notaram que eu não perguntava, mas muita coisa  não ficava entendida
Inventavam sempre novos recheios,  por puro amor  talvez
Mas por serem novas, as misturas ficavam estranhas e me pegavam desprevenida
Mãe, avós e tias,  pensando que em aniversários não precisava haver medida,
Nem reparavam que a cada bolo
Eu estava tentando comer e gostar, da vida.



   






Liberdade

Não quero sair de casa.
Quem está trancada?
Minha forma ou minha alma?

Não abro portas nem janelas
Quem não quer ver nem receber?
Meu defeito do corpo ou meu descaso por ele ser?

Meus pensamentos a cada dia alcançam mais
Construo mundos mentais profundos e  indevassáveis
Sou feliz com eles. Alegrias incompartilháveis!

Não me faço mais cobranças. Deixo-as para quem devo.
Como não assinei promissórias para Deus nem para os homens
Não há quem possa bater à minha porta e dizer: abra!

Como é bom saber que abro se eu quiser!
Como é alegre pensar que saio se eu quiser!
Como é livre sentir que amo se eu quiser!

Todos os dias são lindos quando as pazes estão feitas!
A respiração de fato oxigena quando, por fim, você aceita!
E nem o sono é problema se é você quem decide se se deita!`

Viva a espontaneidade do mais profundo querer, quando é de liberdade que a vida é feita!