domingo, 25 de dezembro de 2011

Como vão as coisas

_Como vão as coisas? Perguntou-me um amigo que há tempos não vejo e com quem, na verdade, nunca tive uma intimidade muito profunda nem uma significativa afinidade de idéias e sentimentos, mas de quem gosto bastante, assim do nada. Tratava-se de uma dessas trocas natalinas de e-mails.
Parei cinco minutos para pensar no que responder. Claro que a pergunta era uma simples formalidade. Uma pergunta protocolar. Não era para ser respondida, mesmo porque duvido que ele estivesse de fato interessado na resposta. Quem se interessou pela resposta fui eu.
_ Como vão as coisas?
_ Como podem ir as coisas?
O mais correto sei que seria responder: está tudo ótimo! E finalizar o diálogo. Sempre soube que o chato é aquele que leva essas perguntas a sério e aproveita a deixa para relatar suas mazelas.
Mas as coisas podem ir só bem ou só mal?
Poderia dizer está tudo preto e branco ou tudo colorido? Cinza?
Ou dizer: algumas coisas vão bem outras nem tanto.
Meus pais estão velhos e doentes, tenho freqüentado muitos hospitais e já me preparo para a tristeza do momento que se aproxima inexoravelmente da perda dessas pessoas tão amadas. Por outro lado, a cada dia amo mais minha filha, meus irmãos e meus amigos e confirmo minha capacidade de conviver e amar, sabendo que foram esses velhinhos que me ensinaram a adorar as diferenças, a prestar atenção, a ser curiosa e pelo menos tentar ser generosa e amiga. Todos os dias tenho certeza de que eles não morrerão porque estou impregnada deles até meu último fio de cabelo. E minhas memórias afetivas mais distantes, diariamente me dão conta do quanto estamos ligados a um nível energético muito sutil e elevado, e que esse fio também é vida.
A menopausa me causa transtornos, engordei, mas consegui parar de fumar e passei a me sentir vitoriosa e de quebra recobrei o imenso prazer de  respirar, me exercitar, correr ao ar livre. Quanta alegria!
Minha mão está paralisada, mas cada vez as palavras me surpreendem mais e enriquecem mais minha alma que não precisa de mão. E o Grupo dos Minicontos foi uma bênção que recebi e nele tenho trabalhado e descoberto uma criatividade insuspeitada. Minha relação com a escrita aumenta em profundidade a cada dia e de certa forma antevejo um futuro concreto para essa descoberta que é muito séria mas também um novo e imenso prazer!
Não tenho trabalhado como deveria e precisaria, mas de alguma forma mágica, acertei minha vida financeira esse ano e, se não posso fazer extravagâncias, elas podem muito facilmente ser substituídas por deliciosas conversas e gargalhadas com pessoas que realmente têm a ver comigo!
Não estou apaixonada como gostaria, nem consegui achar alguém que me despertasse aquilo pelo que venho esperando (ou apenas desejando, ou sonhando) há anos: uma pessoa para dividir a vida da forma como imagino: rica. Com muita troca, muito aprendizado, muita conversa, muita curiosidade juntos, muita intimidade e cumplicidade. A contrapartida é que, estando sozinha, sou levada a fazer descobertas indescritíveis que acompanhada eu não faria, e sou lançada a breves e intensos amores que, se se revelam equivocados, também deixam seu rastro de vida e aprendizagem.
“Queira o que você tem” dizem os mais sábios.
Às vezes fico deprimida e não quero sair de casa. Nem do quarto, nem da cama. Mas aí o telefone toca, é uma amiga divertidíssima (notavelmente todas as minhas amigas são divertidas, ou temos a sabedoria de saber nos divertir) e rio como uma criança durante horas e a depressão serviu só como contraponto para a alegria radiante que vem depois.
Sinto dores que não deveria mais sentir. Isso irrita, maltrata, mas, como explicar todos os milagres, os acasos que me fazem conhecer pessoas que sabem amenizar todas as minhas dores? O que dizer da sorte que tenho em meus encontros e em minhas decisões? Deixo o inexplicável onde está e não tento entender. Só me espanto e me encanto.
Vou passar o verão sem o corpinho que gostaria. Mas aí tenho que dizer: dane-se.
Ativar o modo dane-se é preciso em muitos momentos.
Às vezes não quero ver ninguém: não por tristeza ou depressão. Só não quero. E que serenidade nas leituras, filmes, nas horas escrevendo ou pensando.
O nome disso é paz. E ela é minha e não depende de ninguém.
Os dias e os anos se somam e cada vez me desprendo mais das minhas certezas – ou dou a elas menos importância, minha razão se curva diante das minhas intuições e emoções, o mundo material assume um lugar diferente, a profundidade do humano se mostra sem rodeios e parece uma velha conhecida. A finitude e a presença da morte assustam muito menos que a degradação a que se pode chegar em vida - e a ela pode-se dar o nome de indiferença, agressividade, cinismo, egoísmo, inveja, descaso, dissimulação, sociopatia, psicopatia e tantas outras deformidades de carater.
Quantas coisas mais eu poderia dizer, boas e más. Uma única vida, tantas delícias, tantos horrores. Uma minúscula existência que vai tão mal do mesmo jeito que vai tão bem. Precisa haver saldo? Penso que não e nem haveria unidade de medida para o quanto as coisas vão bem ou o quanto vão mal. Acho que somos assim: humanos, sensíveis e expostos todos a tudo que é bom e mau. Grande e pequeno. Saudável e doente. Feio e bonito. Sublime e miserável.
Como vão as coisas aos 54 anos?                                           
Pensei nisso tudo assim num flash e como as coisas vão bem à beça e também mal à beça, só consegui responder ao meu amigo:
 - as coisas vão.
Para saber como vão as coisas com alguém, tem que estar perto. Que seja só de coração ou de alma. Caso contrário, as coisas vão.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Uma espera, um nascimento


Vivia fugindo de ter que esperar
Espera dava tempo de pensar
Que não ia dar certo, que ia falhar

Um belo dia resolve encarar
A coisa tropeça, ameaça quebrar
Mas dá certo, ela nasce. E tem muita verdade pra me mostrar

Mamãe você teme. Por que minha mãe?
Calma.  Vai tudo dar certo. Você pode esperar
Não  tema. Relaxe. A vida não corre pra te agradar










quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vida sem título

Fui feliz mesmo quando não fui
Ser ou não feliz é a mesma coisa quando o estado mental
Coloca a propensão para a alegria em primeiro lugar
E nasci, ah como sei que nasci, com o riso frouxo e um gosto de coisa boa na boca e um cheiro de aconchego no ar.

Chorei muito também. Chorei de tanto querer dividir o que tinha de feliz
Chorei porque um certo drama fazia parte dessa peça em alguns atos
Chorei porque o ritmo faz parte da açao e do que se quer provocar.
Chorei pelo mesmo motivo por que ri: precisava de aplausos no final.                      

Assim, cortinas subiram e desceram
Assim, repeti cenas de sucesso garantido e aperfeiçoei outras mais toscas que com o tempo ganharam em densidade
Assim, aprendi a ter cada idade, sem exagerar ou perder em intensidade
Aprendi a fingir, a amar, a soluçar, a não me importar, a odiar o palco, os textos, os figurinos e os atores

E abandonei.
Dei adeus a todos os que engendravam aquela vida que parecia – por única, sem saída
Bilheteiras que vendiam com um riso zombeteiro, o ingresso que não valia o preço para um publico iludido e do avesso.
Porteiros que os rasgavam e indicavam o lugar, sabendo onde se sentiriam piores as pessoas ingênuas que pagavam para me ver
Dramaturgos e diretores, que nunca direi de onde tirei, colegas com quem contracenei, mulheres loucas que me maquiaram, e outras que me vestiram com cuidado, para cada ocasião verdadeira ou não.

Abandonei a única vida que conhecia
E hoje estou aqui, como quem acabou de desaprender como se enxerga, escuta ou fala
Procurando o que devo dizer, o que posso ouvir e o que convém ver,
Para conquistar uma leveza que nunca tive
Para conseguir uma felicidade que não seja igual a ser infeliz
Para rir com verdade, para chorar com piedade, para amar com a intensidade de quem não precisa mais fingir, nem arrancar aplausos, nem muito menos, tirar a maquiagem quando termina
O espetáculo.