Veio um homem com cara de antiquíssimo sábio e me perguntou:
- Então, o que é que esta vida te
deu?
E eu, afundada no meio-fio do
meio do vazio respondi:
- Nada que eu não pudesse ter
conseguido sozinha.
O homem cofiou a barba, sentou
ao meu lado, pegou minha mão e disse:
- Isso que tens na mão, terias
conseguido sozinha?
- Ah isso não! Respondi. Isso eu nem queria.
Então, abandona esse buraco
fundo! Enche a tua alma de tudo que te faz grande e anda!
O que te pesar deixa, mas
sabendo onde enterraste teu tesouro.
- E o que devo carregar e
deixar? Não sei do que estás falando.
- Sabes sim: carrega o que te
faz feliz todos os dias: teus risos, esperanças, planos, amores de todos os
tipos.
- Mas como deixo o que
disseste que é tesouro? Não sei o que é,
mas não me parece sensato.
Deixa tua coragem, tua paz, tua fé, tua
certeza no bom da vida, teu amor incondicional, tua verdade, tua luz.
- Mas não é disso que mais
preciso?
- Sim, mas só da ideia e da
certeza desses bens. Eles mesmos são etéreos. Saberes onde estão os plasmas e
saberes que estão em segurança, já
bastará.
- Não entendo como me pode pesar
aquilo que é etéreo e puro plasma.
- Pesa porque envaidece,
porque garante, porque causa inveja e, por isso mesmo, produz o efeito
contrário. Quem carrega a ideia, cuida
dela como um desenho de fumaça que pode se desfazer a qualquer momento. Quem
carrega a forma se distrai, se sente seguro, e se perde na ilusão do poder
infinito de a tudo refazer, dominar e a
todos seduzir.
Agora levanta que é tarde, ele
disse.
Segue e refaz o teu balanço. Hora dessas te encontro e o saldo da vida
virá com nova contabilidade.
E assim como veio, sumiu.
Deixou-me só, olhando para minha mão paralisada. E alí tive a certeza de que estivemos
sempre de acordo. Não pedi nada nem consegui nada sozinha.
A vida me deu o que me era
devido. Todos os eventos que produziram o que me diria respeito
e as lutas que eram minhas, foram cúmlices de jornada.
Até mesmo as palavras que amo: quem as manipulou fui eu. Elas nunca foram, nem de longe, tradutoras nem do bem nem do mal. Nem de Deus nem do Diabo. Elas são neutras como neutro é todo o universo e cada grão que há nele.
Levantei do meio-fio do espaço
vazio, prendi os cabelos, arregacei as mangas, enchi a mochila com o que dava,
enterrei com cuidado o original de tudo que fora combinado. Guardei na memória
as ideias, ergui os ombros, apertei os
olhos.
Respirei bem fundo, sorri e
parti.
Reparei que há buracos fundos por toda parte e que aprender a esquivar-me era o segredo que aquele homem quis me ensinar. Se aprendi, não sei mas aquele diálogo mudou minha vida.
Quanto tempo isso faz?
Não tenho noção.
Talvez tenha sido há milhares
de anos e só agora me esteja sendo dado lembrar.
Vá saber.