quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Bem me quero, mal me quero

Não, não sou quem me conto.
Tudo o  que digo ou é mentira ou é exagerado
Se quiser me conhecer terá que viver comigo. Calado.
Se me fizer falar, prepare-se. Eu falo de outra.
De que outra? De qualquer uma que um dia eu tenha criado e, por acaso, naquele momento, esteja ao meu lado

Há momentos, em que a criatura mais próxima e possível é a muito alegre, a que adora a vida e não tem nenhum  espanto
Em outros, só  terá algum encanto, aquela outra, deprimida e sem saída
Em outros ainda, ser forte e equilibrada, adulta e conseqüente me confere o que preciso: um quê de superior que me serve como arma.

Quando digo quem sou, estou cheia de certeza e verdade
Mas o impossível vem mostrando a cada vez, o que cada palavra carrega de disfarce,
Acabo de tentar me definir e no mesmo momento vejo da outra, a face
que se levanta, estranha, se envergonha e já prevê o ridículo  desenlace.

Assim, que seja decretado o fim do “eu sou”
Não sou nada senão um ego falante que teima em achar que as palavras podem se colocar em meu lugar
Não podem. O que sou é o que os outros vêem. É o que vêem as palavras dos outros.
No máximo, o que sinto. E sentir, não está disponível em símbolos para tradução em linguagem humana nenhuma
Ou sinto e calo.
Ou sinto, falo e minto.

Tudo que vem depois de “eu sou”,  é desejado, inventado, mentido e possível
Nasceu do bem me quero mal me quero, onde o que ganha tem todo o direito
de nos definir conforme queira e ainda dizer: bem-feito.
Para quê, acreditar e alimentar o vencedor sem nem saber quem ele é?
Para quê fazer mais forte quem pode estar nos matando?
Silêncio.
Eu estou na UTI.
Me superando.



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Amores verdadeiros

Não queria nunca ter que falar sobre isso, mas a coisa está tomando proporções além do politicamente correto. Oito em dez posts no FaceBook, falam do amor dos animais pelos homens e vice-versa. Concordo com as campanhas para eliminar os maus tratos a que os bichinhos são submetidos em diversas ocasiões. Odeio maus tratos, odeio covardia. Se o bicho não pode se defender, é canalha e sem um pingo de caráter  quem o submete.
Acontecem duas coisas que me fazem pensar: uma, que a maioria das campanhas referem-se a cães e gatos. Será que os demais não são maltratados? E todos aqueles em vias de extinção? E os elefantes mortos só pelas presas? As baleias, os micos leões dourados?
Ok entendo a diferença. Os de estimação são os que dão carinho incondicional e os selvagens ou silvestres são da categoria da preservação da biodiversidade. Não fica fazendo confusão Cláudia. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Ok. Pula essa parte.
Agora vem a mais difícil para mim: quase todo mundo é apaixonado por cachorros e gatos. Eu não (e não é sem ficar vermelha que digo isso).
Nada tenho contra eles, mas não me dizem nada. Não compreendo seu universo. Fico atrapalhada quando entro na casa de alguém e lá vem um saltitante quatro patas saldar minha chegada! Simplesmente não sei o que fazer! Não sei falar Tati be Tati com o bicho, não sei me abaixar para muitos afagos se ele for pequeno e, muito menos, ter prazer em levar lambidas na cara se ele for grande, mal educado e resolver puxar o fio da minha melhor, mais nova e mais cara blusa de tricô.
Falar com eles então, nem pensar. Não tenho assunto. Ficamos os dois completamente sem graça, esperando que alguém venha em nosso socorro e nos salve daquela situação.
Constrangedor também é receber no FB tantas fotos ”fofas” desses bichinhos nas mais variadas poses engraçadinhas, e retratos dos próprios donos expondo seus pets com todo orgulho, chamando de filhinho, papai e mamãe. Isso tudo acompanhado de textos para lá de piegas, sobre o amor recíproco entre homem e animal. A quem pode interessar a foto do seu cão dormindo, pulando no sofá, portando óculos escuros? Isso quando não são filmes. Nem filhos de verdade são postados dessa forma. Um aniversário ou outro vá lá, mas com parcimônia.
Não consigo curtir e por isso peço perdão. Não acho graça.
Só tenho uma e especialíssima amiga, de quem conheço com detalhes sua ligação, sobretudo com os cachorros e com quem consigo compartilhar todo sentimento. Mas sem falar. Ela sempre soube que minha emoção com os “peludos” é zero e não me obriga a sentir nem de longe o que ela sente. Não manda fotos nem falamos do assunto. Está implícito.
Há, eu sei quem insinue que não gostar de animais esconde um caráter duvidoso e geralmente frio e (meu Deus!) quase psicopata!
Mas não é, juro! Eu gosto de gente! Muito!
Sou capaz de amores incondicionais com gente e acho que tem gente capaz de ter isso comigo. Filhos e crianças em geral, e as especiais em particular. Essas consigo compreender e me aproximar do que sentem, pensam e precisam. Pronto, acho que me salvei!
Gosto de trocas na minha língua ou ao menos no meu nível de consciência. Gosto de expandir em conjunto com pessoas, minhas habilidades, conhecimentos, perguntas e respostas.
Quero um parceiro que se estabilize em duas pernas, pense, me provoque, me ajude a crescer,  me faça rir, pensar, falar bobagens, me entenda,  me explique, me ame (com condições talvez) e queira toda a recíproca!  Que ainda pretenda, como eu, viver o que nos resta com muita alegria, buscas e um certo deboche que vem invariavelmente na nossa idade. Só nos resta curtir com a cara da vida, antes que ela  curta com a nossa. Mas no bom sentido. 
Portanto, pessoal do Face que adora animais de estimação mais até que gente. Respeito, mas não consigo curtir.
Não fui treinada para isso. Fui treinada para gostar de pessoas.
Os lindinhos de quatro patas que me desculpem. Apoiarei todas as suas causas, mas papo que é bom, esqueçam.

sábado, 8 de outubro de 2011

Steve Jobs

Acho que eu e o mundo inteiro ficamos tristes com a perda do homem da Apple. Do homem que não teve medo de morder o fruto da árvore da vida e do conhecimento.Todos nós nos sentimos um pouco desconfortáveis com a demonstração, nesse caso escandalosa, de que o dinheiro nada pode contra certas “surpresas” da vida. Todos perdemos o exemplo vivo, mas não a inspiração, do homem que transformava, que antevia, que criava, que não enxergava barreiras, que acreditava e, sobretudo, fazia acontecer. Do homem que mudou o mundo em inúmeros aspectos.
Creio que todos ficamos com a respiração em suspenso, pensando o que ele ainda seria capaz de fazer, caso sua vida não tivesse terminado tão precocemente.
Onde teria nos levado? Que próximos passos acompanharíamos como uma legião de fiéis de uma religião tão interessante que, mesmo quem não tinha nenhum produto Apple, como eu, batia a cabeça por seu criador?
A intenção de falar um pouco sobre Steve Jobs passa longe de querer reverenciar sua genialidade, sua maravilhosa e profunda oratória, seu carisma, seu perfeccionismo, sua absoluta compreensão do que é supérfluo - tanto na vida quanto nos seus produtos, seus discursos. Muito menos alardear sua “fama de mau”. Para isso tudo existe a imprensa, muito mais bem informada e rápida que eu. Lemos tudo sobre a vida e a obra do “velho” Steve (acho que agora podemos chamá-lo assim), durante  a semana que passou.
O que fiquei pensando todo esse tempo, inclusive antes do ato final da morte, mas desde que soube que estava doente e enquanto acompanhava com a alma contraída sua deterioração física, é que esse homem não ficou devendo nada.
Os dons que tinha, usou-os todos, plenamente. Em nenhum momento, até onde sei, brincou com a vida e permitiu que fama ou dinheiro lhe tirassem o foco e o impedissem de continuar seu trabalho quase como uma “missão”. Não se deu descanso, usou sua inteligência e visão privilegiadas até o fim e nem na morte viu uma “desculpa” para parar.
Pelo contrário, o mais emocionante, foi saber que ele encarou a certeza da morte próxima, como uma libertação das coisas e sentimentos menores. Como uma oportunidade de se jogar inteiro só com o coração e fazer o que podia de melhor.
A pergunta que não paro de me fazer é: se todos temos a certeza da morte, se nos falta somente a informação sobre quando ela acontecerá, porque diabos a maioria de nós vive como se fosse imortal e concentra-se, basicamente e quase sempre, justo no que é menor e sem importância? Que parte de nós nos confere tamanha ignorância e empáfia que farão com que, ao contrário de Steve,  desapareçamos todos devendo o que poderíamos ter feito e não fizemos; desapareçamos para não sermos lembrados; para não termos feito nenhuma diferença?
Se eu tivesse certeza da existência de Deus, diria que esse é o grande teste nesta vida. Receber os dons e os talentos (cada qual os seus), os meios e as oportunidades (ou a forma de encontrá-las); ter a opção de fazer bom uso deles ou não; decidir estar aqui a trabalho ou a passeio; e prestar contas no dia do Juízo Final. A visão do inferno, para mim, é passar a eternidade toda com vergonha do não feito, do mal feito, do desperdiçado, do superficial, do pequeno e do medíocre com os quais perdemos nosso tempo.
Na verdade, nem se precisa de um Deus e de um Juízo Final para isso. Em nosso leito de morte, cada um de nós, tenho certeza, terá clareza suficiente para fazer esse julgamento e morrer feliz por ter vivido plenamente seu potencial ou acabrunhado e arrependido por ter jogado uma vida fora. E o sofrimento desse sentimento deve ser avassalador para toda a eternidade.
Acaba de me ocorrer uma resposta para a pergunta: por que tanta gente torce por uma morte súbita, de preferência dormindo? Acho que elas já intuem que essa tomada de consciência pode lhes conduzir a um sofrimento espiritual infinitamente maior que o sofrimento físico (esse os remédios quase sempre resolvem). Pode lhes conduzir ao inferno mesmo que por um segundo e isso deve ser aterrorizante.
Eu não sou diferente. Sei que tenho meu saldo devedor. A única diferença é que nunca desejei morrer de uma hora para outra. Sempre, desde que me entendo por gente, penso que gostaria de saber com antecedência que estou perto do fim. Quero fazer o que ainda for possível e quero encarar de frente minhas dívidas e meus carrascos internos. Sempre me preparei para essa “entrevista final” comigo mesma.
Assim, acho que Steve teve dupla sorte: sete anos de aviso prévio e a certeza de ter cumprido com perfeição o seu papel.
Sem dúvida foi para o céu.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cavalos Selvagens

Conversava com uma pessoa muito querida, dessas que a gente ama a vida inteira. O tempo passa e parece que tudo foi ontem. Ela e você são os mesmos jovens que se conheceram há milhares de anos.
Não tem preço esse sentimento, e no meio das nossas invariáveis divagações sobre a vida, tentando entender como ela pode e deve ser vivida, ele me sai com a seguinte afirmativa: “nascemos todos cavalos selvagens. Cabe a nós nos montar e domar o bicho, de forma a conseguir que ele faça o que deve ser feito para cumprir nossos planos.” Não foi bem assim, mas a figura de cavalo e cavaleiro sendo um só ser, o nos montarmos a nós mesmos, foi o que me maravilhou.
Essa frase me pegou de jeito porque nunca deixei de tentar acreditar que preservando minha parte selvagem, meu anseio de liberdade, a vontade de derrubar o cavaleiro para sair por aí livre, com a crina ao vento, me faria mais feliz.  Que engano!
O mundo é feito para cavalos domados e o sucesso, reservado para quem sabe domá-lo. Substituir seus instintos por razão, suas vontades primitivas por ações maduras e produtivas, colocar escudos protetores em seus mais profundos anseios. Assim, os cavalos selvagens, de tanto treinar, ficam mansos, fazem o que deve ser feito e, espero, sofrem menos com as intempéries da vida selvagem.
Tudo deve ter uma compensação. Se reprimo os ímpetos, os desejos de liberdade e a natureza selvagem do meu cavalo, por outro lado facilito-lhe muito a vida, alimentando-o, cuidando, sendo companhia – o cavalo é um ser sociável por natureza. O objetivo é que cavalo e cavaleiro, que são uma só ser, consigam a paz, o bem estar e a sensação de dever cumprido.
Assim pensando, e entendendo que falhei nisso também – o cavalo selvagem que penso ser, quase sempre faz o que quer e ainda assim é mais triste que alegre, me pus a imaginar se ainda seria tempo de transformar esse rebelde e velho animal em algo parecido com um amigo que me ajudasse a viver o tempo que me resta de forma menos “enfurecida”, sem tentar me derrubar, sem corcovear tanto para me jogar no chão. Com a condição de que não houvesse sofrimento para ele. Sem sacrifícios.
E fui buscar como se domam cavalos selvagens. Há duas formas, pasmem: a chamada racional, em que se ganha a confiança do animal, é tudo feito com carinho, a interação, o amor e a amizade determinando que o bicho fique manso e acompanhe seu cavaleiro com toda boa vontade e amor.
E a outra forma, que é a velha e péssima maneira de educar. Batendo, castigando, criando reflexos condicionados. Se não fizer, sofrerá – é o que está por trás desse método.
Penso que quando alguém se dispõe a se domar, acaba lançando mão das duas formas. Torna-se muito carinhoso e amigo de si mesmo, mas alimenta a crença de que um castigo virá se não for bem sucedido. Melhor. Não há castigo real, mas a pessoa teme como castigo a próprio sentimento de falha. Cavalo e cavaleiro se fundem em nome de um ideal comum. Se um deve ser manso para fazer a vontade do outro (transportá-lo, treinar para corridas etc.), este certamente o recompensará com longas corridas pelos campos, bons tratos e muito carinho.
Insistir em acreditar que se pode ser um corcel livre para sempre é que é uma ilusão muito cruel. Alimentar essa fantasia como possível, é já criar a prisão. Mais funesta, porque inconsciente e sem rumo traçado.
Admitir os limites, construir a liberdade possível dentro das baias, dos piquetes, dos pastos, conhecer intimamente seu cavalo, amá-lo e torná-lo seu cúmplice na vida, me parece a forma mais certa de atravessá-la sem muitos solavancos. Não sei se é tarde, mas ainda quero me entender com meu cavalo.
Só tem uma coisa para não esquecer: mesmo os domados, empinam, dão coices e às vezes saem em desabalada carreira. Que bom! Isso não deve ser motivo de tristeza ou sensação de fracasso. Que cavalo selvagem não tem lá seus dias de volta às origens?
E que bom que tenho amigos para fazer metáforas tão lindas e pertinentes!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dias bestas

Não. Não virei poeta nem tenho essa pretensão. A forma não diz se há poesia em algum texto.É poesia o que tem poesia. Caso contrário, por mais que rime e o escritor se esforce, não será poesia.
Todo mundo sabe que esse é um Blog experimental. Como não seria se nunca escrevi coisa nenhuma? Assim, não tenho compromissos nem temo nada do que se passa aqui.
Uma coisa engraçada está acontecendo. Penso do mesmo jeito que pensava antes. Os assuntos me vêm com a mesma emoção e nem mais nem menos carregados de "ïnspiração". 
Apenas, por um motivo que não sei dizer nem definir, algo assim como se de repente uma pessoa começasse a se expressar em inglês sem saber o idioma, as "reflexões"  me têm vindo com cadência, ritmo e às vezes rima. Não sei o que isso quer dizer  nem imagino que a resposta virá rápida e facilmente. Acho que são pensamentos ritmados. 
Assim como Baudelaire escreveu seus Poemas em Prosa - inclusive um de seus livros de que gosto mais (haha com quem estou me comparando!), acho que  estou escrevendo minhas Prosas em Verso. 
Por enquanto vou me satisfazendo pensando assim.

Dias bestas


Sabe aqueles dias sem sabor?
Aqueles que sabem a nada?
Nada  te alegrou intensamente
Nada houve que te aborrecesse
Um dia sem esperanças nem interesses
Um dia a mais ou a menos
Dependendo de como se olha a passagem do tempo?

Um dia que antecede uma noite igualmente sem brilho
Igualmente sem emoções ou expectativas
Um dia que não mandou  nenhum recado
Não mostrou  nenhuma chave nem para portas sem chave
Um dia que  não colocou nenhuma pergunta
Nem deu resposta alguma
Pra que serve um dia desses?

Arrisco alguns pensamentos,  talvez pela crença vã de que tudo tenha um motivo:
Esses dias servem para mostrar a qualidade dos dias que tenho produzido
Servem para testar a que ponto pode chegar meu tédio sem que eu esboce um só gemido
Servem para saber que muitos dias e noites, se deixarmos. passam sem nenhum sentido
Servem para lembrar que a riqueza de cada dia está em conseguir pelo menos um único sorriso
E que esse sorriso é de dentro que vem. É fruto da alma vivificada
É um sorriso que pode começar tímido  e terminar em gargalhada


Só entendendo esses dias bestas é que a gente distingue a tristeza  do nada
Só entendendo esses dias bestas é que a gente distingue a alegria do nada
Só entendendo esses dias bestas é que a gente  se renova para dias de emoções especiais
Dias das mais profundas e abissais tristezas, tormentos e lamentos
E aqueles em que celebraremos a vida sem rodeios, sem vergonha e sem arrependimentos
Só nesses dias bestas é que aparecem os contornos do que está por vir
Por isso, nesses dias bestas, prestemos atenção: eles escondem  com muita sutileza  o nosso próximo passo em falso, ou a nossa próxima conquista do espaço.

Aproveitemos os dias bestas para resolver!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Valioso Tempo dos Maduros - copiado, sem pedir licença, do blog português "Direito e Avesso" de Maria Josefa Paias

Mário Pinto de Andrade - "O valioso tempo dos maduros"

O valioso tempo dos maduros

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário Pinto de Andrade
Escritor e político angolano, de nome completo Mário Coelho Pinto de Andrade.
(1928-1990)

Nota: a todos quantos têm visitado esta página pensando tratar-se de um texto do escritor brasileiro Mário de Andrade, apresento desculpas, uma vez que o nome não estava tão completo.

domingo, 2 de outubro de 2011

Sepultamento

Não posso te dar mais nada porque nada mais quero de ti
Imaginara trocas perfeitas
Julgara entendimentos transcendentes
Sonhara  poder conhecer-te tanto, que
de tanto conhecer-te, acabaria por conhecer a mim

Agora sei, e quase como uma loucura, com que sempre a mesma dor, agora eu sei
Que sonhos são para acontecer à noite e interpretados quando é dia
Que - e como é difícil aprender isso,  o sonhador está  irreparavelmente fora do sonhado
E este, nem de longe sabe quantos sonhos tem em seu poder
e  se soubesse, o quanto poderia

Mas amanhece sempre, e sempre se faz dia
Ninguém sabe direito em que momento isso acontece
Em algum despertar o sonhador tem a cabeça vazia – não sonhei essa noite?
Esqueceu-se.
Ainda  espera, julga ou imagina – pelo simples hábito de esperar, julgar e imaginar.

Na manhã seguinte vai-se também o hábito
Vão-se as criações recriadas tão repetidamente que se tornam só cansaço
Vem uma absurdamente clara e intrometida visão da realidade
Vem uma faca afiada que acaba por cortar definitivamente qualquer laço
Vem o último encontro, aquele que escancara e desmascara o desencontro.

O sonhador, por fim, vive o luto do seu mais recente sonho morto
Chora, pois  enterrar sonhos lhe turva a alma já muito contraída
A vida, ah a vida, se transfigura numa sucessão de noites mal sonhadas e mal dormidas
Chora, porque não sabe ser diferente e nem como descumprir o seu destino
Chora, porque embora não queira mais, sabe que fatalmente inventará novo desatino.