Amo
demasiadamente a luz
Mas pela
sombra que ela produz.
O objeto
iluminado é quase sempre imperfeito
Alvo de
insanos e apressados julgamentos.
Há mesmo
quem use lentes de aumento
Para
enxergar melhor o que, dizem, não está direito.
Por exemplo
uma mulher e tudo o que a ela diz respeito:
Corpo,
alma, sentimentos, e a luz que dela vem
Se o sol
forte a ilumina o que é que tem?
Aparece
toda e de uma única vez.
Esgota-se
ou alucina
Mas por
trás dessa mulher tão clara, projeta-se uma sombra
Esta
sim: mutante, misteriosa e a cada
instante, rara
Quem não
teme o escuro e não vê monstros no não-brilho usual
Mantém a
calma e move-se suave no infinito universo imaterial
Da que agora
é só contornos, movimentos e beleza que
não se vê
Leveza que
se intui e se sente sem nunca poder saber
Ora pássaro,
ora borboleta, ora mãos, ora pernas, enfim...
O corpo
etéreo dança, gira, abraça, num vir a ser que nunca tem fim.
Braços soltos,
cabelos que voam, roupas ou nudez insinuadas
Tenta-se
adivinhar, mas é em vão. A sombra é uma mulher calada.
Corre,
salta, cai, levanta e encanta quem a
acompanha
Assim cheia
de mistérios, lugares sombrios, asas (de imaginação).
A luz deve
ficar acesa porque é dela que vem a paixão
Não pela imagem
que se oferece em primeiríssima mão
(Que seria
o mesmo que ter que fechar os olhos ao querer contemplar o clarão)
Mas pelo
conforto, pela alegria, pela mudança exuberante sem rodeios.
Porque é a
sombra que permite olhar de frente
É a sombra
que é amiga e não ofusca,
Que acolhe,
acalma e detém o tempo em um morno líquido materno
É na sombra
que imagem e poesia se confundem e criam a ilusão do eterno.
O que não
se pode evitar e que torna toda escolha uma possível cruz
É que para
haver sombra, é preciso que haja luz.