sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Uma gota do meu "sentir" Borgeano

Fiquei de escrever sobre Borges.
Nao, não sobre ele, sua vida e sua obra, mas minha experiência com ele, minhas sensações.
Que difícil que é. Estou me sentindo, pela primeira vez, alguém que precisa escrever e nem sabe por onde começar.
Primeiro, que há anos não pego um livro dele e, consequentemente, todas as emoções que ele me despertou estão guardadas em algum baú, do qual preciso encontrar a chave. Tenho certeza de que não joguei fora esta chave. Atirei longe muitas outras, mas não esta.
De modo que, nos últimos dois dias, fiquei fazendo uma viagem de volta ao tempo em que ele apareceu na minha vida para ficar para sempre, tentando puxar de lá os prazeres e as descobertas vindas daquele homem e sua obra.
Não sou uma crítica literária, nem pretendo. Aliás, disso me lembro, foi o próprio Borges que me deu essa força, confirmando que eu estava certa: “nunca leia críticas, ou interpretações dos livros. Leia “o livro”. Ouça a voz do autor. Às vezes é mais difícil, mas sempre você estará livre para concluir sua própria obra, sem intermediários” era o que mais ou menos ele dizia.
Ao contrário de outros autores, Borges foi um homem (felizmente), de muito falar. Concedia de bom grado muitas entrevistas, falava o que pensava, e tanto quanto ler um  de seus livros, tomar conhecimento de seu pensamento era – e é, muito gratificante, pois além de sábio e original, é de uma elegância ao falar, de uma humildade que só pode existir na grandeza de uma alma que, quanto mais lhe faltava em “enxergar”, mais lhe sobrava em sentir, desenvolver novos olhares e descobrir onde está a sabedoria.
Assim, tentarei pincelar “meu olhar”. Meu singelo e, talvez, tolo olhar.
Quando comecei a entrar no mundo Borgeano, sem nenhuma referência prévia, a não ser a de que era um grande autor, fiquei muito surpresa. Não entendia direito o que era aquilo e mais, não entendia muitos dos seus contos. O curioso, porém, é que seguia lendo avidamente com uma emoção e “facilidade” que só depois fui compreender.
Eu não entendia, a princípio, o que ele queria dizer com aquelas histórias, mas elas me davam muito prazer: eram gostosas, às vezes engraçadas, espirituosas. Outras vezes de uma impossibilidade genial. E o que mais me encantava era ver a “cara de pau” com que ele inventava referências, fatos, datas, nomes...tudo, para a gente ter certeza de que se tratava de um fato real e depois descobrir a deslavada mentira. Adorava isso. Sem apreender direito todo sentido, mas adorava.
Há livros difíceis e que se lê a duras penas. A crítica especializada enaltece a obra e a gente lê, mas que luta....Foi com o próprio Borges que aprendi que “se um livro for difícil de ler, o autor fracassou.”
O maravilhoso em Borges, para mim, foi que, mesmo não compreendendo muita coisa a princípio, não parava de ler de tão gostoso e notava que ia ficando cada vez mais à vontade com a obra (acho que o termo é esse, à vontade) a tal ponto que fui me tornando um pouco “dona” do que ali estava escrito, e fazendo, sem cerimônia alguma, minha própria obra a partir de tudo aquilo que ele sugeria.
Em outras palavras: Borges tinha seu próprio universo do qual, nós leitores, podíamos nos apropriar e perceber (ou inventar) como aquilo tudo se encaixava no nosso próprio universo.
O universo Borgeano é maleável e, sempre de ajeita dentro da gente.
Bom, isso traz graves conseqüências: a primeira, e mais óbvia, o leitor descobre, rápido, por que ele é um monstro sagrado: a obra é aberta. A obra é para sempre. Se só Borges escrevesse no mundo, se houvesse apenas os livros dele, não haveria do que reclamar. A cada vez que se relê, é um novo livro. Tudo que está lá é igual  mas o livro é outro. É uma obra eterna como poucas.
A segunda grave conseqüência é que, uma vez que se tenha sucumbido aos encantos Borgeanos, passa-se muito tempo, talvez a vida toda, a não querer ler mais “qualquer coisa”. A pessoa fica exigente, fica procurando mais em cada leitura e, muitas vezes, essa busca é bem decepcionante. Ou seja, diminuem as possibilidades.
A terceira, e talvez a mais grave, é que quando o leitor descobre em cada conto, em cada passagem, que ele está falando da vida - corriqueira, sonhada, inventada, externa, interna, interpretada, sentida - às vezes simples, às vezes absurda (mas o que é a vida senão tudo isso junto?), esse mesmo leitor passa a sofrer de um mal incurável: quer sentir essa totalidade em tudo que vê, toca, lê e - mal supremo, nas conversas que mantém cotidianamente. Mergulhar em Borges, segundo minha experiência, é dar adeus à admiração pela maioria das falas literais, pelo realismo puro (em todas as artes,  pseudo-artes, aspirantes à arte), pelos relatos lineares totalmente verdadeiros (só aceitáveis nas crônicas haha), enfim....é reduzir o universo dos grandes livros, dos grandes filmes, das grandes músicas, das grandes obras plásticas e, inferno total, dos grandes interlocutores, a muito poucos.
Quer me parecer, nesse momento, que as três consequencias são as mesmas, mas deixemos como está.
E aqui tenho que citá-lo mais uma vez::
“A Bernard Shaw perguntaram uma vez se acreditava que o Espírito Santo havia escrito a Bíblia. Ele respondeu: Todo livro que vale a pena ser lido foi escrito pelo Espírito.E eu contesto: Todo livro que vale a pena ser relido foi escrito pelo Espírito.”
Se pensarmos em todo o alcance dessa afirmativa, veremos que o Espírito aparece de quando em quando nesse mundo. Talvez não em outros (mundos). 
Agora que comecei, poderia escrever para sempre. O baú se abriu e dele querem saltar infinitas formas de ver, de pensar, de falar. Feche-se o baú por falta de espaço e de disponibilidade dos leitores (os meus, não os dele).
Percebo hoje, que foi um erro ter passado tanto tempo sem reler Borges – teria sido uma forma de “respirar” de que tanto  precisei ao longo dos anos.
Poderia listar meus contos preferidos, minhas imagens preferidas...mas vou sugerir que cada um se entenda com Borges. Quem nunca se deu esse prazer, jamais é tarde. Quem já se deu, adoraria que conversasse comigo e contasse suas experiências: duvido que haja duas iguais.
Só vou terminar falando de uma imagem que jamais me saiu cabeça: a do livro infinito.
Resumindo: “um homem deu a outro, como um presente ou troca por outra coisa (não me lembro bem), o livro infinito. O que não tinha primeira página nem última página. Nem começo, nem fim. O que recebeu o livro, feliz e incrédulo, começou a testar: pegava com os dedos as poucas primeiras páginas e elas logo viravam umas 900 páginas. O mesmo com as últimas. Seguiram-se inúmeras tentativas inúteis de “pegar” as primeira e última páginas.
O homem, percebeu que aquilo era um presente que o deixaria louco (pergunta minha: quantos, dentre nós, somos capazes de lidar com o infinito?). Então achou que era um livro amaldiçoado e queria se livrar dele. Pensou em fazer uma fogueira mas teve medo que a fogueira fosse, também, infinita. .
Não me lembro a continuação, mas um livro infinito, para mim, é o livro Borgeano e em última análise, as infinitas possibilidades de vida – quer as vividas, quer as não vividas mas que seriam possíveis. E não, não há com o que se preocupar: a fogueira não é infinita porque os livros são de papel e nunca têm mais de 200 páginas. Mas o que é o livro senão o que ele contém e o que reverbera no leitor?
Bom, nesse caso a fogueira pode, sim, ser infinita.

Em tempo: Um dos meus contos favoritos, talvez porque tivesse tudo a ver com uma situação que vivi anos depois e que me remeteu ao conto, é "Exame da Obra de Herbert Quain", contido no livro Ficções.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Jorge Luis Borges

Santo Deus! O aniversariante de hoje e homenageado pelo Google é nada menos que Jorge Luis Borges, ou apenas Borges como o chamávamos na mesa do bar, discutindo seus contos e trocando livros e ideias. 
Borges marcou uma época muito especial de minha vida. Uma época cheia de descobertas culturais, de autores maravilhosos e da arte em geral.
Não posso jurar, mas acho que li todos os seus livros. E quanto mais lia mais me apaixonava.
Essa data, e a homenagem, me pegaram de surpresa, num raro dia em que só abri o Google à tarde. E teria tanto para compartilhar sobre Borges e as grandes questões que ele foi capaz de trazer à tona.
Hoje não tenho tempo, mas não poderia deixar passar em branco.
Feliz Aniversário e em ótima companhia Mestre!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Toda mulher tem sua melhor versão

O título é a chamada de um programa de TV que acabei de ver. Que continua: e você? Já descobriu a sua?
Fiquei nervosa com essa pergunta. Não tenho ideia de como responder. De verdade, não entendi nem a pergunta.
Melhor versão para que? Para arranjar namorado? Para encontrar um emprego? Para se divertir? Para agradar a si mesma? Para agradar os outros? Todos? Alguém em especial?
Melhor? Há um limite para melhor? Eu sempre acreditei que se pode melhorar a cada dia e que tudo pode ser, sempre, um pouco melhor.
Claro que, se está muito ruim, o primeiro melhorar, em geral, é um salto grande. Depois, o gradiente de melhora vai diminuindo, diminuindo, mas sempre existe, creio eu.
Se eu tivesse acesso a quem disse isso falaria: defina “melhor” e defina “versão”.
Mas, supondo que passe por cima dessas ninharias retóricas, fico ainda mais tensa: será que passei a vida sem achar a minha melhor versão? Será que a achei por segundos e a perdi? Será que eu achava que era minha melhor versão e ninguém mais achava? Será que a melhor versão é unânime? De quanto em quanto tempo tem que se buscar a melhor versão? Sim porque era uma até eu começar a usar óculos, por exemplo, outra depois dos 40 anos. Será que a melhor versão teria sido sempre com lentes de contato e eu a joguei fora usando óculos desde então?
E o cabelo. Melhor comprido e teimo em usar curto?
Deus, que crise isso deflagrou! Existem possibilidades infinitas de melhores versões!
Pegue cada parte do corpo: cabelos: loiros, castanhos ou vermelhos.
Curtos, longos, médios.
Muita maquillage, cara lavada. Unhas gigantes, médias, curtas.
Ar intelectual, ar sensual, ar burrinha, ar sofisticado, ar retro, ar futurista, ar moderno, ar chique, ar to nem aí, ar cheguei, ar romântico, ar matador, ar nouvelle vague, ar Cristiane F... Falta de ar total.
Qual Alice, estou despencando num poço sem fundo e tudo à minha volta gira e não faz nenhum sentido. A diferença, é que Alice aterrissará no País das Maravilhas e eu, no País do Maior Horror que existe: um país onde tudo é infinito e, portanto, a escolha é impossível.
A cada vez que você escolhe, sofre a angústia de ter deixado de escolher outro. E isso vira idéia fixa e toma horas do seu pensamento, conjecturando se escolheu o melhor mesmo, ou não. Se deve trocar, ou não.
Para dar um basta nessa viagem aterradora e acordar desse pesadelo, acho que só tem um jeito: procurar a nossa melhor versão dentro de nós, melhorando nossos sentimentos e atitudes, sendo cada dia melhores na realização dos nossos desejos, termos e cultivarmos os melhores amigos que pudermos, termos muitos motivos para rir e amar muito. Aí sim, acho que a nossa melhor versão explode, passa para fora, a gente fica mais brilhante e pode, sem tensão, caprichar nas dicas  do Super Bonita.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O desespero de quem não se conforma com pouco


Hoje de madrugada, ao entrar no Google pela primeira vez no dia  – busco alguma coisa pelo menos uma‍‍‍s 50 vezes ao dia, começando por antes de ir dormir geralmente, me deparei com a seguinte afirmativa: xⁿ + yⁿ  ≠ zⁿ, desde que n ≠ 2.
Não conhecia e fui ver qual era a homenagem de hoje. Era a um grande matemático que hoje estaria completando 410 anos, de nome Pierre de  Fermat e essa tese é conhecida como o último teorema de Fermat.
Estudei matemática, todos sabem, e por mais que esses estudos me pareçam muito distantes, de outra vida mesmo, ainda guardo um fascínio pelas demonstrações, soluções de problemas, raciocínios abstratos.
Assim, fui buscar o que esta (des)equação tinha de relevante. Fermat foi um grande matemático que demonstrou diversas teses que revolucionaram a matemática da época (por exemplo, inventou a Geometria Analítica e massacrou as teorias de Descartes em diversas ocasiões) e rabiscava muito nas laterais dos livros que estudava. Todos nós sabemos que essa equação tem muitas soluções para n=2, isto é, todos  os triângulos retângulos com catetos inteiros ( de Pitágoras “a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”), mas Fermat a certa altura afirmou que para nenhum outro n real e inteiro, havia solução. Ironicamente ele escreveu em uma das laterais de seus livros que tinha uma demonstração maravilhosa para o teorema, mas ela não cabia naquele espaço.
Morreu e por mais de 300 anos a demonstração dessa afirmativa ( e o fato da margem ter sido pequena para contê-la) foi o inferno de matemáticos proeminentes: Gauss e Euler entre eles. Houve suicídio, idas e vindas, gente que achava que provava e logo o erro da prova era descoberto.
Fazia-se simulações da equação para milhares de números e, de fato, nunca se dava a igualdade, mas e daí? Sempre faltaria testar infinitos números. Isso não é prova.
Justamente nos anos 70 (quando eu cursava matemática) esse assunto perdeu o interesse pois os matemáticos um pouco que cansaram de bater na mesma tecla sem solução. Entendi porque nunca a vi.
Mas um único matemático, o britânico Andrew Wiles  nunca se conformou, e depois de mais de 10 anos de trabalho insano, e com a colaboração de teorias avançadíssimas com as quais Fermat nem poderia ter sonhado,  provou em 1995, elegantemente, o tal teorema.
Bom, claro que achei a história maravilhosa, vi vários vídeos no youTube sobre a questão e acabei indo dormir tardíssimo por conta de Fermat.
E fiquei pensando na diferença que existe entre pessoas que se conformam com qualquer explicação e nem tentam saber se é verdadeira ou não, e aquelas para as quais a busca da verdade é tão natural quanto viver, por mais trabalhoso que seja.
Tirando a parte que conheço muito bem, de que a matemática é uma droga das mais viciantes, e que a perseguição de uma demonstração coloca uma adrenalina no sangue impossível de conter, observo que as pessoas em geral pouco ou nada se aprofundam em assunto nenhum.
Diria que muito mais da metade do que a gente escuta diariamente, mesmo através  dos meios de informação (de pessoas comuns nem se fala), não resiste à primeira fase de uma argumentação mais bem construída. As pessoas dadas ao aprofundamento são consideradas muito chatas e a superfície passou a ser o lugar onde todos queremos estar, sempre.
Não sou diferente. Passou o tempo em que me desesperava com afirmações sem provas, com opiniões sem embasamento (até para opinar é preciso saber alguma coisa), que passava dias e noites investigando um único assunto que não interessava a ninguém.
Nunca encontrei muitos interlocutores e somando com a falta de tempo e a nenhuma demanda do mundo em geral por material profundo e bem embasado, tornei-me, também a pessoa rasa que sempre abominei.
Por que haveria de querer sofrer tanto, e sozinha? Hoje, escuto as maiores barbaridades e calo na maioria das vezes. Aparento concordar com um monte de coisas que em outras épocas me fariam discutir muito. Cansei. Acho.
Sinto uma pena muito grande porque, boa parte da riqueza da vida vem, na minha opinião, de desvendarmos assuntos novos, de poder responder a mais e mais perguntas que nós mesmos vamos formulando. Os por quês? Os por que não? As dúvidas, as desconfianças é que vão nos levando a patamares de conhecimento realmente excitantes e relevantes. ,
O mundo, as empresas com honrosas exceções, as pessoas, a sociedade, os grupos quase todos, não estão nem aí para a relevância. 
O besteirol (tão divertido quando a hora é de besteirol) tomou conta das relações de trabalho, de amizade, de amor, de poder, e o pior: com a maior cara de seriedade.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Vivenciar o novo - que bom que é


 
Nunca fui dada a sonhos distantes e delirantes. Aliás, já disse em algum post um dia, que nunca fui dada a sonhos. Que nem sei de que matéria eles são feitos. Naquele momento, estava querendo descobrir, porque queria, muito, sonhar.
Ocorre-me ter alguns desejos que, quando percebo que são muito difíceis, imediatamente abandono como desejo, e nem lembro mais.
A fila dos meus desejos anda numa velocidade absurda.
Essa forma de querer meio não querendo, deve ter-me feito perder muitas emoções fortes, muitas alegrias intensas, e muita auto estima por vencer desafios.
Hoje, conversando por telefone com uma amiga que mora na Alemanha, me vi elogiando a coragem que ela tem, o destemor com que encara os maiores desafios, e a certeza que tenho de que, o plano que ela estava me contando, daria muito certo e rápido.
Voltando para os meus quereres. Com tantos desejos cambiáveis, eu nunca tinha  percebido que há coisas de fato impossíveis ( eu sempre desisto quando acho que é difícil demais) e, agora percebi, que não tenho a menor idéia de como lidar com elas.
Não me refiro a, por exemplo, querer ser astronauta aos 54 anos – projeto claramente impossível e que não me ocorreria como sonho. Esse tipo de sonho, acho que considera muito a razão – mesmo que inconscientemente, e não costumamos sonhar absurdos dessa forma.
O que nem de longe leva em conta a razão, o que não marca hora nem lugar, aquilo sobre o quê não temos o menor controle é o amor e seus possíveis parentes: atração extrema, admiração irresistível, vontade de conhecer profundamente, de continuar conversando para sempre, certeza instantânea de que aquele é seu sonho materializado.
Eu, que me achava imune a tais investidas do cupido, que já quis muito mas tinha desistido achando que era assunto encerrado pelo menos nesta vida, me vi com o coração trespassado pela flecha e não faz muito tempo.
Faltam palavras para descrever. Foi imediato. Não demorou nem um segundo. Uma flechada literal deve ser assim: pega a pessoa desprevenida, dá um baita susto, acelera o coraçãl, perfura sem doer, e.... não dá para extrair sem machucar muito.
Acreditem, a coisa é impossível de verdade. Não estou exagerando. E faço o que?
Não consigo pensar em outra coisa. Não consigo fazer a fila andar como sempre. Sei que tem muito pouco tempo mas...
Não sei se pode se dar o caso de eu querer alimentar o sonho impossível só para ter um sonho e, portanto, me sentir viva nos mínimos detalhes. Ou, se quero reter o fato por tão inusitado. Algo que eu acreditava impossível de me acontecer.
O engraçado é que sei que, no fundo, não quero ver essa pessoa de novo. No fundinho, lá no fundinho, talvez tenha medo de me desencantar, de constatar que é igual a todos e que, de fato, ele não existe mas foi puro produto da minha fantasia.
Não sei. Mas gostei de saber que não tenho ideia de tudo que ainda pode me acontecer.
Que não tenho o controle absoluto. Que ainda há um por vir!

domingo, 7 de agosto de 2011

Um espetáculo de letra de música

Nada a acrescentar. Essa letra é perfeita.

O Quereres


Onde queres revólver, sou coqueiro
Onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
Onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Um adeus muito difícil

Comecei a fumar aos 14 anos mais ou menos. Aquela história de todos: era legal, imitávamos gente que admirávamos e ninguém dizia ou sabia que fazia tão mal.
Como todos os vícios, roleta russa total: quem vai virar adicto? Ninguém pode prever. Todos fumamos naquela época, poucos ficaram viciados. Dizem que existe uma pré disposição genética. Deve ser.
Eu, virei uma heavy user e fumar fez parte da imagem que eu tinha de mim mesma por muitos e muitos anos. Não fumar era impensável não só por gosto ou síndrome de abstinência. Eu não me aventurava, de jeito nenhum, a tentar ser outra pessoa.
Diria que somente há uns 10 anos, minha auto-imagem dissociou-se do cigarro e, diante da pressão anti-tabagista crescente, comecei a pensar em capitular.
Parei por 20 dias, 4 meses, 9 meses, 45 dias...mas sempre voltava. Voltava por todo e qualquer motivo: porque estava engordando, porque já estava tudo dominado e um ou outro não ia fazer mal, porque mandava mesmo às favas aquele esforço e adotava de cabeça erguida o discurso do “seguirei fumando porque gosto e não me importo de viver um pouco menos”. Para um fumante, saber que alguém tem 100 anos e fuma é a glória. Viu? Não tem nada a ver....
O que a gente não quer ver de jeito nenhum é que fumar nunca foi uma opção. Sempre foi uma doença e o fumante nunca esteve no controle. O cigarro sim.
De alguns (muitos) meses para cá fui ficando muito incomodada. Contava com os dedos  de uma mão só os cigarros que me davam prazer. Sentia que o cigarro me fumava e não eu a ele. Não tinha escolha. Eu era obrigada a fumar.
Quando estava muito seriamente pensando em como escapar dessa prisão, me veio o episódio da mão e só quem fuma pode saber o que uma doença dolorosa e incapacitante pode fazer pelo número de cigarros fumados. Praticamente acendia um no outro, até porque, assim como a bebida, morfina e cigarro são uma duplinha perfeita.
Passada a fase pior, o tabagismo voltou ao centro da cena. A principal doença era ele.
Igual a gordo que quer saber de todas as dietas dos outros que emagreceram para ver se descobrem algum milagre, eu perguntava para todos: parou de fumar? Como? O que sentiu? Foi difícil?
E fiquei sabendo de um programa do governo federal formado por grupos multidisciplinares de apoio a quem quer ou precisa parar de fumar, incluindo reuniões periódicas de ajuda e toda medicação necessária. Há muitos em instituições privadas também, mas o único que visitei uma vez me pareceu extremamente arrogante.
Havia um hospital com o programa ao meu lado. Enrolei muito. Para que? Pensava. Não tenho tosse, dentes escuros, falta de fôlego, unhas amarelas.....nada em mim revela essa urgência em dar um passo como esse. E fui fumando até que soube que  viajaria para a Europa durante todo o mês de julho (e isso já era maio), e eu não queria viajar fumando. Pagar o mico de ficar naqueles absurdos fumódromos onde um bando de loucos descontrolados se concentra para fumar sem trocar uma única palavra.
Foi aí que corri para o hospital, quase me ajoelhei para que eles burlassem a regra e me deixassem pular a preparação e ir logo para os finalmente. Consegui. Fui às reuniões já dos avançados e conscientes, marcamos todos a data de parar  e paramos.
Depois que paramos, fomos a mais uma reunião. Todos estavam ótimos menos eu. Fui a última a dar meu depoimento e disse: devo ser de outro planeta. Vocês todos estão ótimos e para mim a vida perdeu todo o significado.
“Para que vivo se não posso fumar”? Esse era o resumo da minha ópera da semana. De cama, sem querer ver ninguém, sem querer comer (não podia fumar, então prá que?), chorando. Sem vergonha de dizer: chorando.
Felizmente o psiquiatra do grupo entendeu tudo: meu luto, a perda de um companheiro de 40 anos, me deu força para chorar mesmo e me despedir e me pediu mais uma semana. A coisa toda de fato passou.
Viajei e maldisse a minha decisão mil vezes. A Europa tem tudo a ver com cigarro. Eu, que há muito não ia lá, achava que estava como nos EUA ou aqui. Que nada! Se não for dentro do restaurante ou da loja, vale tudo. Debaixo do toldo pode, debaixo da marquise pode. E a França continua a rescender a Gauloise como sempre. E no navio? Mesmo nos espaços fechados metade dizia: “here, smokers are welcome”. Como assim eu perguntava? Por que eu não fumo mais? E lamentava olhando toda aquela gente feliz, tomando seus drinks e fumando e eu, tomando meus drinks e não fumando. E dizia para minha filha: vou fumar! E ela: Nãaaooooo!!! Ríamos e eu esquecia.
Bom, a coisa foi indo. Fácil, fácil, não era, mas os dias passavam, muitas novidades, a filha dando força, rotina zero. Nada comparável ao que estou sentindo desde que voltei.
Faz 5 ou 6 dias. Com todo adesivo e toda bupropiona, uma vontade de fumar horrível me persegue quase o dia todo. Mau humor. Ainda não tinha me acontecido mas agora, todos os dias, há  uma intensa negociação entre Deus e o Diabo dentro de mim para resolver se volto ou não a fumar. Como ninguém ganha, vamos adotando a filosofia do AA. Ok, hoje não, amanhã a gente continua a discussão.
Hoje corri 5 km e nessa corrida me lembrei de que, em Florença, subi de uma vez só 444 degraus até o topo do duomo da catedral. Essas melhorias e conquistas aparentes, que nos deixam felizes (alguma coisa tem que ser bom), na verdade acho que são a expressão de algo mais profundo que esbarra na auto-estima, na potência e na liberdade. Ser livre para não fumar dá o mesmo prazer daqueles que dizem: sou livre para não beber ou para não usar drogas. Cada qual com sua cruz. Aliás foi nessa corrida que fui elaborando que ia escrever sobre isso.
Vou seguindo assim, esperando que algum dia desses o embate diário não seja tão violento e eu possa sobreviver a cada dia com menos dor que hoje, mas sabendo que a primeira tragada me tragará como um vórtice. Nada mais de inconsciência. Não há pequenas diversões para um tabagista militante como eu.
Ficaram algumas descobertas sobre mim mesma que achei importantes: primeiro, que eu preciso me comprometer. Ter dito ao grupo que pararia de fumar e me comprometer com eles foi fundamental. Cada vez que queria recair pensava na decepção que causaria a todos que acreditaram em mim. E não fumava. Quem me conhece bem, sabe o quanto me é irresistível largar um projeto difícil se não houver ninguém mais envolvido; segundo, que adeuses compulsórios, por mais dolorosos, não são nossa escolha e temos que sobreviver a eles. Saber que podemos dar adeuses opcionais porque é melhor para nós, por mais que soframos, a mim me deu outra dimensão a cerca da minha força e poder; e terceiro, mas não menos importante, ao abandonar um velho hábito, me dei conta de que sou capaz de me reinventar e inventar outra rotina; que essa pequena/grande mudança é uma super inspiração para novos projetos, não porque agora deixei de fazer uma coisa ruim ( o que seria muito babaca), mas porque se a gente enxerga que pode desfazer algo tão difícil, pode também fazer coisas muito difíceis. O esforço é igual.
Não sei se voltarei a fumar mais uma vez. Tem sido diferente e parece que não quero mesmo mais. Bebi vinho e cerveja muitas vezes, convivi com fumantes, passei por vários testes e....cá estou.
Mas não quero enganar ninguém: para mim tem sido difícil, muito difícil. Não começar, mas manter. Quem já tentou e não deu, não se culpe. Tente de novo que uma hora vai.
Amanhã tem  reunião de prevenção à recaída. Rezo para todos estarem firmes.