sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cavalos Selvagens

Conversava com uma pessoa muito querida, dessas que a gente ama a vida inteira. O tempo passa e parece que tudo foi ontem. Ela e você são os mesmos jovens que se conheceram há milhares de anos.
Não tem preço esse sentimento, e no meio das nossas invariáveis divagações sobre a vida, tentando entender como ela pode e deve ser vivida, ele me sai com a seguinte afirmativa: “nascemos todos cavalos selvagens. Cabe a nós nos montar e domar o bicho, de forma a conseguir que ele faça o que deve ser feito para cumprir nossos planos.” Não foi bem assim, mas a figura de cavalo e cavaleiro sendo um só ser, o nos montarmos a nós mesmos, foi o que me maravilhou.
Essa frase me pegou de jeito porque nunca deixei de tentar acreditar que preservando minha parte selvagem, meu anseio de liberdade, a vontade de derrubar o cavaleiro para sair por aí livre, com a crina ao vento, me faria mais feliz.  Que engano!
O mundo é feito para cavalos domados e o sucesso, reservado para quem sabe domá-lo. Substituir seus instintos por razão, suas vontades primitivas por ações maduras e produtivas, colocar escudos protetores em seus mais profundos anseios. Assim, os cavalos selvagens, de tanto treinar, ficam mansos, fazem o que deve ser feito e, espero, sofrem menos com as intempéries da vida selvagem.
Tudo deve ter uma compensação. Se reprimo os ímpetos, os desejos de liberdade e a natureza selvagem do meu cavalo, por outro lado facilito-lhe muito a vida, alimentando-o, cuidando, sendo companhia – o cavalo é um ser sociável por natureza. O objetivo é que cavalo e cavaleiro, que são uma só ser, consigam a paz, o bem estar e a sensação de dever cumprido.
Assim pensando, e entendendo que falhei nisso também – o cavalo selvagem que penso ser, quase sempre faz o que quer e ainda assim é mais triste que alegre, me pus a imaginar se ainda seria tempo de transformar esse rebelde e velho animal em algo parecido com um amigo que me ajudasse a viver o tempo que me resta de forma menos “enfurecida”, sem tentar me derrubar, sem corcovear tanto para me jogar no chão. Com a condição de que não houvesse sofrimento para ele. Sem sacrifícios.
E fui buscar como se domam cavalos selvagens. Há duas formas, pasmem: a chamada racional, em que se ganha a confiança do animal, é tudo feito com carinho, a interação, o amor e a amizade determinando que o bicho fique manso e acompanhe seu cavaleiro com toda boa vontade e amor.
E a outra forma, que é a velha e péssima maneira de educar. Batendo, castigando, criando reflexos condicionados. Se não fizer, sofrerá – é o que está por trás desse método.
Penso que quando alguém se dispõe a se domar, acaba lançando mão das duas formas. Torna-se muito carinhoso e amigo de si mesmo, mas alimenta a crença de que um castigo virá se não for bem sucedido. Melhor. Não há castigo real, mas a pessoa teme como castigo a próprio sentimento de falha. Cavalo e cavaleiro se fundem em nome de um ideal comum. Se um deve ser manso para fazer a vontade do outro (transportá-lo, treinar para corridas etc.), este certamente o recompensará com longas corridas pelos campos, bons tratos e muito carinho.
Insistir em acreditar que se pode ser um corcel livre para sempre é que é uma ilusão muito cruel. Alimentar essa fantasia como possível, é já criar a prisão. Mais funesta, porque inconsciente e sem rumo traçado.
Admitir os limites, construir a liberdade possível dentro das baias, dos piquetes, dos pastos, conhecer intimamente seu cavalo, amá-lo e torná-lo seu cúmplice na vida, me parece a forma mais certa de atravessá-la sem muitos solavancos. Não sei se é tarde, mas ainda quero me entender com meu cavalo.
Só tem uma coisa para não esquecer: mesmo os domados, empinam, dão coices e às vezes saem em desabalada carreira. Que bom! Isso não deve ser motivo de tristeza ou sensação de fracasso. Que cavalo selvagem não tem lá seus dias de volta às origens?
E que bom que tenho amigos para fazer metáforas tão lindas e pertinentes!

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