domingo, 2 de outubro de 2011

Sepultamento

Não posso te dar mais nada porque nada mais quero de ti
Imaginara trocas perfeitas
Julgara entendimentos transcendentes
Sonhara  poder conhecer-te tanto, que
de tanto conhecer-te, acabaria por conhecer a mim

Agora sei, e quase como uma loucura, com que sempre a mesma dor, agora eu sei
Que sonhos são para acontecer à noite e interpretados quando é dia
Que - e como é difícil aprender isso,  o sonhador está  irreparavelmente fora do sonhado
E este, nem de longe sabe quantos sonhos tem em seu poder
e  se soubesse, o quanto poderia

Mas amanhece sempre, e sempre se faz dia
Ninguém sabe direito em que momento isso acontece
Em algum despertar o sonhador tem a cabeça vazia – não sonhei essa noite?
Esqueceu-se.
Ainda  espera, julga ou imagina – pelo simples hábito de esperar, julgar e imaginar.

Na manhã seguinte vai-se também o hábito
Vão-se as criações recriadas tão repetidamente que se tornam só cansaço
Vem uma absurdamente clara e intrometida visão da realidade
Vem uma faca afiada que acaba por cortar definitivamente qualquer laço
Vem o último encontro, aquele que escancara e desmascara o desencontro.

O sonhador, por fim, vive o luto do seu mais recente sonho morto
Chora, pois  enterrar sonhos lhe turva a alma já muito contraída
A vida, ah a vida, se transfigura numa sucessão de noites mal sonhadas e mal dormidas
Chora, porque não sabe ser diferente e nem como descumprir o seu destino
Chora, porque embora não queira mais, sabe que fatalmente inventará novo desatino.



2 comentários:

  1. Claudia, estou realmente surpresa - muito positivamente surpresa - com a facilidade com que você faz poesia!!! Belíssimas imagens e perfeitas construções da forma! E uma sonoridade absolutamente fluida, pois é clara a não intencionalidade!Engraçado como você encontrou na poesia a eficiência para externar o mais fundo e sentido...E deixou para a prosa o mais pessoal mais "genérico"... E eu que achava o tom das suas crônicas tão pessoal!!!
    Maravilhosa! Irretocável!
    Bj
    Alice

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  2. Alice amada,
    diante desse comentário, me curvo, agradeço e vou tentar não pensar muito.
    O primeiríssimo e enorme passso foi, há um ano, ter descoberto as letras como forma de expressão. Eu sonhava muito em descobrir uma forma e ela nunca aparecia. Apareceu. Não me imagino mais sem escrever.
    Depois disso, nada mais sei. Os rumos que "escrever" está tomando, estão fora do meu controle. Se sai verso ou se sai prosa. Se é crônica, confissão ou sei lá mais que nome possa ter.
    Tudo ainda me é puro instinto.
    Talvez o tempo e o amadurecimento tragam novos olhares e perspectivas.
    Por enquanto, vou tateando e amando os elogios que me dão vontade de continuar.
    Ainda mais os seus: grande escritora, crítica, leitora e estudiosa ai ai ai...
    Bjs querida, saudades e venha logoooooooo

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