quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Bolos de Aniversário

Nos dias dos meus aniversários
Me faziam bolos de múltiplas camadas
Talvez ninguém soubesse, não creio que a intenção fosse mentir
Mas deviam ter me avisado
Que se deve comer uma de cada vez, começando pela  de baixo
Que não se pode misturar todos os sabores, que se deve resistir
Que para além de tentador e delicioso, há uma complexidade impossível de digerir

Fosse pão-de-ló primeiro e seria simples começar a existir
Baba de moça em seguida, e o doce bem doce daria a referência perfeita para sempre distinguir
Então viria o chocolate e aí sim, a festa sem pudores, o puro impulso para só rir e se divertir
Mais pão-de-ló para intercalar promessas. Um certo sem sabor para preparar o porvir
Pasta  de avelã depois, o paladar já mais maduro, pronto para se definir
E como entender a geléia com licor amargo? Faz mesmo parte? Tem que estar ali?
Por fim a cobertura de chantilly!
Brancura entre doce e azeda. Sofisticada  como devem ser as almas que viveram, pensaram, sofreram, riram muito, amaram e saborearam devagar cada camada antes de engolir

Me fizeram bolos de muitas camadas em cada dia que era o meu dia
Me deixaram comer todas de uma só vez, sem  perceber a confusão que se fez`
Nem notaram que eu não perguntava, mas muita coisa  não ficava entendida
Inventavam sempre novos recheios,  por puro amor  talvez
Mas por serem novas, as misturas ficavam estranhas e me pegavam desprevenida
Mãe, avós e tias,  pensando que em aniversários não precisava haver medida,
Nem reparavam que a cada bolo
Eu estava tentando comer e gostar, da vida.



   






2 comentários:

  1. Os bolos surgiram na Grecia antiga. Eram de mel, em forma de lua, e eram deixados, iluminados por velas, como oferendas no templo da deusa Artemis. E porque o bolo com velinhas é o símbolo mais forte na comemoração de aniversarios, gosto de pensar nessa imagem da lua iluminada como presente para um/a deus/a!Lendo o seu belo poema, desta vez com textura, cor e sabor, quase posso sentir os bolos da minha memoria, e viajo na lembrança da expectativa ao soprar as velas e saborear a maciez dos recheios e coberturas coloridas! Minha mãe não era de muitos sabores, mas de muitas cores! Eram as coberturas mais coloridas, daquelas de deixar a língua, pra nossa alegria, completamente manchadas! Herança que honrei quando me tornei mãe. Com mais um toque de sofisticação, pois além das coberturas coloridas, obviamente com mais misturas de tons, acrescentei decorações de estrelas, bolinhas, confetes, e tudo o mais que houvesse disponível para decorar aquele bolo!
    Cor ou sabor, são os bolos que determinam nossa relação com a mágica dos aniversarios! Celebrar o que passou, antecipar o que virá, soprar com fé o desejo a realizar, e saborear... Cores e sabores que agradam de forma diferente. Tão diferentes quanto as cores e sabores que nos oferece a vida...
    Bjs
    Alice

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  2. Que delícia ler seus comentários. Só por eles já vale escrever. Quando é que eu saberia a origem dos bolos? E ainda me emocionaria com esses significados primeiros? Mesmo tendo escrito sobre eles!
    Quando escrevo, não tenho ideia do que quem vai ler vai pensar ou sentir. Tendo a achar que é o mesmo que estou sentindo mas quando leio um comentário como o seu, me dou conta de que vc foi muito mais longe do que eu mesma fui.
    Isso é fascinante e chega a me arrepiar de verdade. Primeiro, que a gente fica com a certeza de que há consciências e inconsciências no ato de escrever - vc sabe muito bem disso porque escreve. Sabe que a gente, por mais que tente, não tem controle sobre todos os significados que vão em qualquer texto. Reler o que escrevemos é, eu acho, uma forma de auto-conhecimeento. Segundo, que fica muito claro (e já conversamos sobre isso) que é o leitor, com suas referências, histórias, sensibilidade, cultura e etc que finalmente dará o maior ou menor valor ao texto ou ao poema. Como estamos em tempos de Drumond, penso que a universalidade e a capacidade de emocionar a muitos vem do fato de ser simples e profundo ao mesmo tempo (o que não é simples) e voltamos às minhas camadas rsrs. Cada um vai até a camada que pode, gosta e consegue ir. O segredo ( ou o talento) é ter, no mesmo texto, profundidade suficiente para vários gostos e níveis de exigência. Senão, porque releríamos alguma coisa? Penso que é porque acreditamos que há uma camada a mais, `a qual não chegamos numa primeira leitura. E há obras primas que aguentam várias releituras e vão mostrando novas e novas camadas.
    Estou aqui teorizando leigamente você sabe. Não tenho competência teórica nem prática para falar de nada disso. É pura intuição. E adoro tê-la como interlocutora porque por mais que eu saiba que vc detém muito conhecimento conceitual, vc em nenhum momento me constrange ou me deixa tímida para fazer minhas humildes conjecturas.
    Bom querida, falta tudo para eu aprender a escrever. Sou pura intuição. Mas adoro ir treinando e conversando.
    Agradeço de coração toda a sua atenção
    bjs saudosos

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