terça-feira, 5 de outubro de 2010

Rejeição

Não é porque minha pesquisa só teve um voto e, portanto, 100% dos meus leitores escolheu a rejeição como o sentimento mais devastador, que não vamos falar dela.
Confesso que estou com muita dificuldade. Não é minha praia elaborar qualquer tipo de auto-ajuda para os que  ficam muito mal quando rejeitados.

Rejeição.

Parece fácil. Quem já não sentiu? Quem não sabe o quanto é horrível, o quanto dói? O quanto tem a ver com a perda de nós mesmos e não do outro?
Mas vou tentar ir mais além.
Sentir dor porque alguém que amamos nos deixou é para lá de normal e a forma como lidamos com isso é que  pode ser normal ou  não: transformar a perda em uma tragédia não é um sintoma muito saudável e pode ser uma forma de a gente perceber o quanto não é o outro que importa, mas nós sem o outro, o que nos dá uma boa dimensão da pobre auto-imagem que construímos para nós mesmos. Não existimos sem o outro e daí tantas mulheres mal tratadas aguentam seus maridos agressivos, tantos homens suas mulheres dominadoras e desprovidas de verdadeiro afeto.
Mas essa é a parte fácil.
A difícil, no meu entender, é pensar nas pessoas que se sentem rejeitadas mesmo quando não são. Quer dizer, aquelas que nem amavam tanto assim mas se o outro vai embora entendem como rejeição. Aquelas que odeiam o emprego que têm mas se forem demitidas sentem enorme rejeição. E por aí vai...amigos, filhos....Qualquer resposta atravessada ou evasiva é já uma rejeição insuportável.
Para esses casos fui pesquisar um pouco e encontrei duas coisas no mínimo muito interessantes: de um lado um estudo super moderno em que a pesquisadora, mapeando o cérebro, conclui que o as áreas ativadas no cérebro pelas rejeições amorosas são as mesmas da motivação e recompensa, ou seja, as duas coisinhas que produzem os vícios.

Diz a pesquisa: “É possível ficar viciado na rejeição amorosa? Para a antropóloga Helen Fisher, a resposta é sim. Grande parte do sofrimento e da angústia causados pela rejeição podem estar associados a uma área específica do cérebro, afirma a cientista da Rutgers University, nos Estados Unidos.”

Não me aprofundei muito mas já é um dado a mais: podemos nos “viciar” nas dores da rejeição segundo esse estudo.

De outro lado, encontrei ajuda no que há de mais antigo no mundo: a mitologia grega.
Sempre me atrapalho com esses mitos, suas histórias são tão confusas e cheias de símbolos que leio e depois me esqueço de tudo.
Mas está tudo lá, até mesmo o vício da rejeição! Senão vejamos:

Medusa tem uma história para lá de complicada. Mas o fato que importa aqui é que foi rejeitada pelo Deus a quem amou quando era bonita e sedutora. Na vida real, essa rejeição original pode ser (e normalmente é) da mãe cujo primeiro olhar molda definitivamente nossa auto-imagem.
Transformou-se  então (por vingança da Deusa com a qual disputou o marido)  na famosa mulher com cabelos de serpentes, presas de javali, asas de ouro e mãos de cobre. Ou seja, uma mulher monstro que não podia beijar, acariciar. Impedida de dar afeto. E pior, ninguém podia olhá-la sem ficar paralisado e...morrer.
Vejamos se os que amplificam as rejeições não têm um pouco de Medusa. Se suas profecias não se auto-realizam,
Medusa não quer morrer, quer ser amada, mas sabe que paralisa a todos os que olha. Quem está paralisado não pode amar de verdade, nem se expandir, nem criar, nem ser uma pessoa completa.
Vai daí que Medusa de novo é rejeitada pelo “paralisado”em questão e a vida prossegue numa sucessão de rejeições que só a própria medusa pode parar.
Ou esperar que algum Deus a mate simbolicamente (como na história original) e liberte toda a sua pulsão evolutiva e criadora (esta era a verdadeira essência de Medusa que ficou paralisada quando se transformou em um monstro).
Só para terminar, vale lembrar que o Deus que a matou também tinha sido rejeitado, mas havia conseguido transformar a rejeição em amor, perdão e muito afeto.
Desconfio que as Medusas modernas precisem finalmente de um parceiro muito amoroso que consiga colocar um espelho em sua frente para que elas se vejam como são e se paralisem a si próprias e morram para construir uma nova história.
De qualquer forma, o “estar condenada a paralisar” e consequentemente  ser rejeitada não se parece com o vício da Doutora Fisher?
É fascinante a ciência ficar atrás de provar coisas que os homens sempre souberam, desde a mais remota antiguidade.
Beijo  ao (à) único (a) rejeitado(a) que teve a coragem e o interesse  de responder a pesquisa. Sei que não ajudei muito mas quem sou eu para ajudar?  Nosso propósito aqui é tão somente REFLETIR! Concluir é outro departamento que não nos compete! Aliás, a quem competiria?

Em tempo: como Medusa é um mito mulher, ficou mais fácil falar para o gênero feminino. Mas tudo se aplica aos "Medusos" também, é claro.

6 comentários:

  1. Vc é espetacular nas suas buscas incessantes do " compreender" e do despertar.

    Vou ler, reler e refletir muitas vezes sobre essa Medusa que podemos nos transformar

    obrigada querida beijos

    ResponderExcluir
  2. elizabeth s p mundim6 de outubro de 2010 às 20:42

    Maravilhoso seu texto! De uma clareza e ao mesmo tempo elucidativo. Quando estudante de Psicologia, fiz Filosofia Grega, por acreditar que seria um travesseiro importante na compreensaão da Psicanálise - 0 mito de Édipo passa por aí. Freud utilizou esses mitos, fazendo uma releitura, na tentativa de compreender a alma humana.
    Parabéns!!

    Beijo grande,
    Beth

    ResponderExcluir
  3. Queridas,
    vocês me estimulam muito. Mas tenho que dar os devidos descontos: uma é uma prima praticammente irmã e a outra uma amiga irmã também.
    De qualquer modo obrigada. Tentarei sempre melhorar.
    A propósito, onde estão os posts de vocês colaboradoras?
    Beijos saudosos

    ResponderExcluir
  4. Brilhante o texto !!!! Parabéns, mas sempre teremos que encarar essa sensação ainda que só uma vez na vida.
    BjÃO

    ResponderExcluir
  5. AH, então acredite ! Porque só irmãs poderiam dizer verdades rsss
    bj

    ResponderExcluir
  6. Olha, uma coisa que lamento muitíssimo é nenhuma das duas more no Rio.
    Eu sinto tanta falta de vocês que nem imaginam!
    Bj irmãs queridas

    ResponderExcluir