O que nós duas temos em comum fora o fato de eu admirá-la muito?
A paixão pelo mesmo relógio. Eu o vi pela primeira vez no braço da personagem do Peter Coyotte no filme Lua de Fel. Uma cena de segundos e caí de paixão pelo "reverso". Meu generosíssimo ex-marido me presenteou com o dito e até hoje não me canso de ficar feliz por tê-lo. Isso faz mais de 10 anos.
Aí vai um trecho da coluna da Cora de hoje, falando do nosso objeto de desejo que conseguimos conquistar.
É bom dizer que só muito raramente me apaixono duradouramente por um objeto, daí meu encantamento com a descoberta.
Se procurarmos bem, os gostos e paixões também nos aproximam muito das pessoas!
Se procurarmos bem, os gostos e paixões também nos aproximam muito das pessoas!
Outras histórias de Saint Martin
Um dia passei por Marigot na volta de uma saída de mergulho, e vi um cartaz irresistível numa das joalherias do cais: “30% de desconto em todos os relógios”. Minha intenção era ir direto para o hotel, mas 30% de desconto nos relógios era um assunto sério. Não tenho mania de relógio, não coleciono relógio, mas sempre fui apaixonada por um relógio em particular chamado Reverso, fabricado pela Jaeger-le-Coultre. Eu estava de havaianas, com aquele cabelo espetado de quem volta do mar e uma camiseta XXXXL da Autodesk – um look, em suma, que não se usa nem para trocar a areia dos gatos, quanto mais comprar relógio em Marigot. Mas vá que a liquidação acabasse antes que eu voltasse à cidade, ou que se acabassem os relógios?
Parei o carrinho miúdo e amassado na primeira vaga e fui à joalheria. Por acaso, havia um Reverso exatamente como eu queria já no balcão que dava para a rua. Fiz sinal para uma das vendedoras. Ela me olhou de alto a baixo com indisfarçável desdém, fez sinal com a mão como quem diz “Espera aí” e continuou no papo com a colega. Esperei. Depois de um tempo fiz sinal de novo, e ela de novo me fez sinal para esperar. Nisso chegou à loja um casal americano de meia-idade, e as duas prontamente deixaram de papo e se puseram ao seu dispor. Ora, assim também não!
Será que uma de vocês podia me atender? – reclamei. -- Estou esperando há séculos.
A vendedora que me mandava esperar veio até o balcão, cheia má vontade.
-- O que é?
-- Eu quero aquele relógio.
-- É muito caro.
-- E eu lá perguntei o preço? Quero. Aquele. Relógio. Há alguma coisa no meu francês que você não esteja compreendendo?
A moça pegou o relógio me olhando de banda, e foi até o caixa. Meu coração estava aos pulos. Eu não tinha idéia do preço da coisa.
-- Quero ver.
O relógio me foi entregue num clima de completa desconfiança. Era lindo, e exatamente como eu queria, em aço inoxidável, não muito grande, a perfeição com ponteiros. Entreguei-o de volta mas, quando ela começou a embrulhá-lo numa embalagem genérica, chiei de verdade e mandei vir a gerente.
-- Não estou sendo bem tratada nessa loja. Cadê a caixa original do relógio?
A gerente apareceu com a caixa, perguntou o que havia acontecido, ouviu a novela inteira, pediu desculpas e ofereceu um café. Aceitei com o ar altivo de quem compra relógios importantes todo santo dia; lá dentro, uma taquicardia louca. Não saber o preço já era o de menos. Pior seria se o meu cartão fosse recusado depois daquele número todo.
Pois não é que o cartão foi lindamente aceito?! Naquele momento, me senti vestida de Chanel da cabeça aos pés. A gerente e a vendedora se desmancharam em desculpas enquanto eu assinava a nota e descobria, afinal, o preço do meu tesouro: cerca da metade do que teria custado na Tourneau, em Nova York, onde eu sempre o namorava.
-- Aceito as desculpas de vocês, mas podem anotar as minhas palavras: nunca mais compro relógio nenhum com vocês.
Cumpri a promessa. É verdade que nunca mais comprei relógio algum, mas também ninguém precisa saber disso.
(O Globo, Segundo Caderno, 3.3.2011)
Chose de loc !
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