segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ordinary People

Houve um tempo, em que acalentei o sonho de ser uma pessoa comum. Não só acalentei, me esforcei. Mas comum mesmo, dessas que ninguém percebe direito e que são esquecidas logo depois que as conhecemos. Uma a mais na multidão.
Uma pessoa que pensasse exatamente o que todos pensam, que desejasse o que todos desejam, que encarasse a vida como todos encaram, que me desse por satisfeita com qualquer coisa e qualquer explicação, que não quisesse saber mais, saber tudo...que não achasse tudo superficial e besta, que não questionasse nada. Parecia-me que essas pessoas eram mais felizes na sua santa (santa de verdade) inconsciência, na sua santa mediocridade, na sua santa auto-estima embasada em não sei o quê. O fato é que auto-estima não se explica e é ela que define grande parte de como nos sentimos. Ou melhor, Freud explica sim mas eu, na minha ignorância, acho que quem aprendeu na infância e ter uma enorme auto-estima, aprendeu também a ter uma auto-complacência do mesmo tamanho e isso acho que jamais terei. E a gente vê pessoas que teriam que se esforçar ainda muito para ser qualquer coisa que merecesse admiração, se achando perfeitamente adaptadas, “de bem com a vida” (como odeio essa frase), e seguindo em frente cheias de certezas, com a vida lhes pesando muito pouco. Auto-exigência zero. Vergonha zero. Culpa zero. Busca zero e sofrimento zero. O céu em vida. Se elas sofrem? Claro que sim. Pontualmente. Com coisas concretas. Uma separação, um parente que morre, a perda do emprego... mas o sofrimento de que estou falando é o existencial, e esse, elas nem conseguem imaginar o que seja.
São pessoas (e morro de rir com isso) que são capazes até hoje de repetir o Pequeno Príncipe com a maior verdade: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e outras bobagens. Ora poupem-me. Assumir a responsabilidade sobre nossa própria vida já não é hercúleo o suficiente? Ainda tenho que me responsabilizar pela dos outros? Esse Pequeno Príncipe me irrita muito. Como de resto me irritam todos os lugares comuns e as verdades fáceis que não passam de jogos de palavras que convencem os menos atentos.
Pouco adiantaram meus esforços e nem sei se se pode simplesmente decidir ser radicalmente outra coisa. Hoje , aliás , tenho certeza de que não se pode.
Assumi. Não sou uma pessoa comum.
Paguei e pago um preço muito alto por isso. Sofri muito. Tive todas as dificuldades do mundo nas relações amorosas – homens admiram muito as mulheres fora do comum mas querem conviver e viver com as mais comuns possíveis e isso acaba tornando-os também comuns e viram homens que eu também não quero. Imaginam o problema? Sempre quis um homem / companheiro que fosse parte da minha própria definição. Que reforçasse quem sou. Fora do comum. Mas todos se revelaram comuns e não que eu não quisesse, mas a impossibilidade estava posta. 
Tive todas as dificuldades no trabalho também. Precisava justificar cada coisa, encontrar a motivação filosófica para tudo que fazia, garantir que o trabalho era o "melhor"  possível.  Um drama para quem me cercava, claro.
Poucas vezes consegui “fazer parte” genuinamente “de qualquer coisa; sempre tive um estranhamento muito grande...enfim...não foi nada fácil ser quem sou.
O mundo é das pessoas comuns. Ë preciso saber conviver com elas, trabalhar com elas, conversar com elas (ainda que dê muito sono), e , sobretudo, respeitá-las. Respeito-as sim, de verdade. Procuro chegar até elas da forma mais afetuosa possível. Só nunca posso esperar que elas cheguem até mim. Que solitário que é isso.
Mas tive grandes recompensas e é nelas que me foco hoje.
Ouvi coisas que maioria das mulheres certamente não ouviu tais como: “se eu fosse mulher queria ser exatamente como a Cláudia”. Isso, vindo de um homem absolutamente especial foi muito gostoso. Outro, em 1986 me disse que eu era a mulher do terceiro milênio e que não havia ninguém que ele admirasse mais.
“Você é muito diferente” é a frase que mais escuto depois de "você é muito inteligente". Às vezes sinto que é um elogio. Outras um estranhamento. E outras ainda uma constatação de que é impossível conviver comigo. Fazer o que?
Que fique claro que ser diferente não significa ser melhor nem estou aqui achando que valho mais que as pessoas comuns. Só estou publicamente assumindo (e isso é para mim mesma que digo) que sou diferente e nada vai mudar isso. Conformei-me e isso é um peso a menos na minha vida.
Jamais terei o que as pessoas chamam de “felicidade’, jamais terei uma vida fácil e prazerosa por muito tempo (terei sim, como tenho tido a vida toda, picos de prazer de uma intensidade que acho que as pessoas comuns nunca viveram), jamais estarei totalmente livre das questões que me acompanharam a vida toda.
Jamais terei ao meu lado um homem do qual eu me orgulhe muito  e me entenda muito porque acho que esse homem nem nasceu.
Paciência. Seguirei me orgulhando dos amigos que escolhi e que são fora do comum também. Mas não prestando muita atenção nas suas escolhas porque afinal, como diz Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” e eu complementaria dizendo que cada um sabe o que faz para aliviar o peso de ser diferente. Não me cabe julgar as escolhas de ninguém.
Seguirei tentando melhorar sempre mas dentro do que eu acho que seja melhorar. Tentar ser outra pessoa não mais. Minha busca é pela minha paz (que inclui ficar mais confortável nesse mundo e nessa vida) e isso, estou aos pouquinhos conseguindo. Minha busca inclui também focar só no que depende só de mim porque aí posso fazer do meu jeito “diferente” sem ter que ser “aprovada” por pessoas comuns que jamais me entenderão. Tomar as rédeas da minha vida doa a quem doer e finalmente, tentar deixar algumas marcas em algumas vidas e com sorte, em vidas que ainda virão.
E de algumas coisas me orgulho muito mesmo: uma, trago em mim um infinito afeto e ele se manifesta o tempo todo. Afeto por todas as pessoas só por serem pessoas, comuns e não comuns, e por aquelas a quem não tenho muito acesso e não consigo saber se são ou não comuns (ser ou não comum passa muito longe da posição social, cultura etc): meus porteiros, todos que trabalharam ou trabalham para mim, pelas pessoas que me escutam no meu trabalho - alunos,empresários, ouvintes nas palestras, etc. Só um detalhe: odeio essa palavra aluno que quer dizer "sem luz". Onde já se viu definir alguém como sem luz? Então faço sempre questão de deixar claro que nem eles são alunos nem eu sou professora. Como sei algumas coisas que eles também sabem mas não sabem que sabem, meu papel é  facilitar que eles transformem esse conhecimento implícito em explícito e, assim, tenham condições de expandí-lo. É só.
Dois, coloco meu coração em tudo que faço e tentarei colocar cada vez mais, sendo ou não compreendida. A mente e o ego são inimigos mortais da verdadeira doação e eu sinto que me doar é o que me deixa mais perto da tal alegria de viver.
Por fim, tenho um enorme sentido extra (não sei se sexto ou sétimo) para detectar pessoas fora do comum e, portanto, vou me sentindo cada vez menos sozinha. Não importa que cada um seja diferente a seu modo. Os “diferentes’, os “outsiders’ precisam uns dos outros e acabam fazendo grandes parcerias.
Quanto às minhas características impossíveis de conviver - minhas eventuais tristezas, a melancolia que me toma, descidas ao subsolo, culpas que ainda carrego (dessas sim, preciso me livrar)  lamento...são o outro lado da mesma moeda. Eu sou um pacote inteiro. É pegar ou largar.
Só digo uma coisa: aqueles que "pegam" de verdade, se divertem muito!


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