quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Falar todo mundo fala, mas como?

Sempre me perguntei como se começa um livro. O que será que passa pela cabeça do autor quando escreve a primeira frase?
E sempre prestei atenção nisso. Agora por exemplo, que estou com insônia, peguei ao acaso um Machado de Assis que nunca tinha lido e morri de rir.
Sabem como começa? Assim:
“Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar. Mas, por outro lado, sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a grandes digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar.” Não é sensacional e totalmente desconcertante? Só Machado de Assis, eu acho.
Outro que me lembro por inopinado era o início de Cronica de Uma Morte Anunciada de Garcia Marques. Começava assim: “No dia em que morreria, Santiago...” não me lembro o resto, mas é engraçado como um livro pode ser tão bom sendo que o leitor já sabe desde a primeira linha que o herói morreria naquele dia.
Há que ser muito brilhante para cometer essas ousadias.
Mesma coisa em Trem Noturno para Lisboa de Pascal Mercier: “O dia em que nada mais seria como antes na vida de Gregorius começou como outro qualquer...” e também não lembro mais o que vem depois.
Mas uma coisa é certa. Dependendo da primeira frase o leitor já pode ao menos supor o que virá a seguir. Por isso, na minha cabeça, ela é tão importante.
Não sei se o é para a maioria dos leitores nem se o autor perde tempo pensando nisso mas que existe uma chata que presta atenção, lá isso existe.
Quando começo meus textos aqui, não me preocupo porque primeiro não se trata de nenhuma obra literária; segundo, porque escrevo direto o que me vem à cabeça – bom, blog é diferente né.
Mas pensem na nossa vida cotidiana. Imaginem se o interesse do interlocutor não aumenta ou diminui dependendo de como a gente começa a falar.
Se for a defesa de um projeto, começa-se de um jeito, já dando os finalmentes para depois contar o corpo do mesmo. Ninguém aguenta uma história inteira para depois saber se o projeto é viável ou não.
Se for uma fofoca, um tom de mistério e alguma demora em contar os fatos são necessários para despertar o interesse. Um floreio por assim dizer. Depois conta-se o milagre e só depois do ouvinte implorar de joelhos, o santo. Claro, fazendo-o jurar que não vai contar para ninguém. Comunicar-se requer certo talento. Até mesmo uma representação. Não se pode falar tudo com o mesmo tom de voz e o mesmo nível de entusiasmo (ou falta dele) que quem está ouvindo rapidamente perderá o interesse. Assim como se deve planejar a ordem em que as coisas serão ditas.
Imagine uma má notícia! Melhor ir logo ao ponto? Você está demitido! Ou começar a dizer que ‘há muito venho observando seu comportamento e percebo que você não está muito satisfeito já que não tem dado tudo que pode e blábláblá’ e o coitado do demitido quer concluir já entendeu tudo e o chefe fala...
Ou melhor seria nem uma coisa nem outra mas apenas dizer que “o gato subiu no telhado’?
Mesmo dilema para términos de romances quando um só não quer mais, notícias de acidentes e por aí vai.
Tenho aprendido em comunicação que o que importa não é o que as pessoas ouvem quando você fala e sim o que elas sentem quando você comunica. E esse “sentir”, vem da postura, da entonação, dos gestos...muito pouco das palavras. E entonação vem da ordem que você escolheu para falar. Ora começando pelo fim, ora pelo começo, ora seguindo a intuição e percebendo o que a pessoa quer ouvir primeiro.
Igualzinho aos livros.
Ai Deus, tudo começou com o Machado às 4 da manhã.
Vou parando que isso tudo mais parece uma maluquice de insone. Não marquem logo “chato”. Fazer críticas requer um mínimo de compaixão para com o autor. Escrevam devagarzinho no comentário. Please.

4 comentários:

  1. Seu escrever está bem Machadiano!

    Atenção! Isto é um elogio de quem ama Machado, não uma crítica ou ironia de qquer natureza.

    ResponderExcluir
  2. Bom, se não há ironia, então é uma honra mesmo rsrs
    O anônimo só esqueceu de assinar. Adoraria saber quem é esse anônimo.
    Bom, saber quem é o anônimo é uma impossibilidade por definição.
    Mas quem disse que pra gente valem as definições?
    Bjs e obrigada pelo comentário.

    ResponderExcluir
  3. É...a educadora, facilitadora, contadora de historias verdadeiras e emocionantes aparece sempre nos seus textos. rsss

    Será que já cansaste mesmo do oficio? ou o cansaço está ligado a outras insatisfações que fazem buraco na nossa energia?

    estou eu também neste dilema

    bj

    ResponderExcluir
  4. Amada,
    eu não cansei do ofício, tenho certeza. O que me cansa e me desanima é a forma como o exerço e o fato de nunca poder "tocar" no resultado dos esforços que empreendemos. Somos pequenas interfências em algumas vidas cheias de outras interferências e jamais poderemos medir a resultante desse conjunto de forças a que as pessoas estão constantemente submetidas nas empresas ( que é nosso foco).
    Acho que estou sentindo falta de um trabalho mais autoral. Com a minha assinatura e em que eu possa controlar uma parte maior do processo de desenvolvimento das pessoas.
    Acho que é isso. Não estou negando minha (nossa) vocação nem querendo fazer nada muito diferente. Acho só que de outro jeito.
    Quanto aos outros buracos, claro que eles interferem mas estou conseguindo aos pouquinhos separá-los.
    Só sei Moniquinha, que esse é um momento meu de prestar muita atenção e agir com muita calma. Sinto que os últimos anos foram passando sem que eu claramente tivesse um objetivo. Me preocupei em sobreviver. Não é mais só isso que quero agora.
    Caraca, temos tanto que conversar....
    Vou parar aí em São Paulo de qq maneira qq hora dessas.
    Bjs querida
    Muitas saudades

    ResponderExcluir