Remexendo em papéis e outros guardados, encontrei coisas preciosas, como esse apólogo, escrito por meu avô, em 1900! Transcrevo, por acreditar que a historieta tem tudo a ver com nossa atualidade e ao mesmo tempo manterei a grafia original da edição Versos de Leopoldo Pereira, A editora, Lisboa, 1905:
Um medroso camondongo
Vivia no seu covil,
Bem longe dos povoados
Nestas matas do Brasil.
Cansado de soffrer fome
No seu deserto natal,
Resolve fazer violencia
'A timidez natural,
E sahir correndo o mundo
A tentar o seu destino,
E ver se põe termo um dia
'Aquelle viver mofino.
Deixa, pois, triste emigrante,
Os sertões e o patrio ninho,
Expõe-se ao perigo, aos sustos,
Aos azares do caminho.
E depois de ter andado
Por extensa solidão,
Chega emfim morto de fome
A uma bella povoação.
Receioso vinha, quando
Se lhe faz encontradiço
Um rato gordo e altaneiro
De papada e de toutiço.
Chega-se a elle o ratinho,
Voz humilde e baixa a vista,
Como se chega um mendigo
A qualquer capitalista.
E lhe conta a sua historia,
Soffrimentos e afflicção,
Pedindo por caridade
Sua nobre protecção.
Eo rato gordo, sorrindo
Com ares de gran senhor,
O convida a acompanhal-o
'A casa de um tal doutor,
Onde queijos taes e tantos
Vira nesse mesmo dia,
Que a tribu inteira dos ratos
Só num anno os comeria.
"É lá que eu moro, diz elle,
E é lá que te vou levar:
Prometto que has de em tres dias
Como eu tão gordo ficar."
E o ratinho o foi seguindo
'A terra da promissão,
Tendo agua já na bocca
E prazer no coração.
Mal, porem, na casa entravam
Por subterreo corredor,
Eis que de improviso assalta-os
Um gato devorador.
E agarrando o rato gordo
Mata-o logo e o vai comendo;
E o magro, escapando a custo,
Fugiu contente, dizendo:
"Antes magro e com vida no matto
Do que gordo na bocca do gato."
Acho que sou um ser que já nasceu refletindo. Refletir sempre foi para mim uma questão de sobrevivência, já que sempre custei muito a entender e aceitar quase tudo que via e ouvia. E buscava nos livros as respostas e precisava refletir para ver onde entrava a vida no que diziam os filósofos, poetas, escritores e as religiões. E me acostumei, eu acho, a refletir. Hoje me permito refletir sobre qualquer coisa. Importante ou não. Sobrevivi e quero apenas conversar. Vamos?

Que espetáculo prima.Seu avô era mesmo uma criatura ímpar. Tens a quem puxar.
ResponderExcluirEssas descobertas de relíquias familiares nos religam a nossas origens e são uma fonte de auto conhecimento maravilhosa. Quanto mais sabemos de onde viemos, mais fica claro quem somos.
Fora a preciosidade da obra.
Adorei
Conte-nos mais
Beijos amada