segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Cisne Negro - a metáfora do parto

Todo mundo tem o direito e o dever de, em algum momento da vida, ‘renascer”. O u em vários momentos se a pessoa tiver coragem suficiente.
Para renascer é claro que antes é preciso morrer e não é nada fácil se matar, gestar a nova pessoa e por fim fazer o próprio parto.
Quando nascemos pela  primeira vez, somos totalmente inconscientes. Não lembramos do quanto foi penoso nascer, nos separar do corpo materno, encarar a luz e o barulho do mundo e respirar sozinhos. Somos obrigados a isso tudo, bebês indefesos, e ainda assim, sobrevivemos. Mas não somos exatamente protagonistas nem donos dessa história ( a protagonista é sempre a mãe). A primeira parte da nossa vida, que é tão fundamental, é construída através das nossas relações com as pessoas que fazem parte das nossas vidas e que, não necessariamente, nos fazem bem ou nos dão instrumentos significativos para alçar nossos próprios voos. Em algum momento, mais tarde, devemos provocar nossa própria morte interna e renascer deliberadamente.
Assim é que Nina, a bailarina do Cisne Negro, cresce com uma mãe super-protetora, que projeta nela todo seu fracasso na vida, que a infantiliza o tempo todo e a transforma no projeto de sua própria vida. A menina é uma boneca que ela pretende controlar para sempre. Ao mesmo tempo em que “finge” querer que a filha seja um grande sucesso, sabota-a de forma revoltante (talvez, inconscientemente, queira repetir seu próprio fracasso para justificá-lo?)
Nina, por fim se torna uma bailarina em busca da perfeição técnica mas incapaz de sentir qualquer coisa de tão reprimida, castrada, tentando corresponder às expectativas da mãe.
Quando surge a sua grande chance, se depara com todas as barreiras que a levariam ao sucesso. É muito doído. O diretor deixa claro que técnica não é o suficiente. Se não houver sentimento, entrega, paixão, conexão com a música, a dança e o drama do personagem, é impossível arrebatar qualquer plateia.
E surge o impasse de Nina: viver a pressão, encarar, matar a menina antiga e parir uma nova e empolgante bailarina, ou desistir e deixar passar o grande momento (como sugere a mãe com suas palavras de consolo).
Acho que o mérito maior do filme é criar um clima de absoluta tensão e aflição que é o grande recurso para nos fazer quase experimentar – espectadores, a dor, o dilaceramento, de resolver morrer para depois renascer. Magistral. Ele não mede cenas impactantes nem recursos de câmera para nos conduzir nessa jornada alucinada de Nina. Para mim, a quantidade de sangue que o filme contém, foi o símbolo maior do "parto" da bailarina.
A chance de Nina é bastante óbvia. Nas nossas vidas cotidianas nem sempre é tão claro assim. Precisamos nos matar para renascer às vezes em momentos dramáticos, mas muitas outras, em momentos sutis, em que é preciso estar muito atento para saber que a hora chegou e não é possível recuar.
Nina não tinha muito tempo. Sua estreia estava próxima e era preciso apressar esse momento do novo parto. Ela alucina, se rasga, verga mas não quebra.
No geral, podemos fazer isso de forma mais calma e talvez não sofrendo tanto.
Mas renascer nunca é sem dor. Romper com nossas certezas, negar expectativas, decapitar as pessoas que representam nossos bloqueios (e que, às vezes são pessoas amadas), enfiar cacos de vidro na pele para extrair as vísceras e recolocá-las no lugar. Tudo isso faz parte.
O mais difícil não é matar quem não serve mais. É fazer o novo parto e respirar de novo, sozinha, sem ajuda.
Mas vale muito a pena.
O final do filme nos mostra isso de maneira muito, muito emocionante.
Claro que nada disso seria possível, não fosse o elenco estelar e a direção impecável.
Finalmente um filme diferente
Tenho lido muito que o drama do filme é a luta pela perfeição.Discordo. Na minha interpretação, o drama é por uma busca muito mais fundamental: a  de SER PLENAMENTE.




4 comentários:

  1. E o que é SER PLENAMENTE, que não, SER PERFEITO?
    Como SER PLENAMENTE, sem interferências do meio, da sociedade, dos valores introjetados, dessa mãe "inadequada"?
    A tirania parece ser a tônica de seus relacionamentos: com a mãe, diretor, amigos.
    Me lembrei aqui, de um texto que li na Veja dessa semana: A opressão em nome do bem, onde o autor cita o escritor irlandês C.S.LEWIS - "De todas as tiranias, aquela exercida em prol do bem de suas vítimas talvez seja a mais opressiva".
    De qualquer forma, o filme em questão, é maravilhoso, me tocou profundamente, dá pano prá manga na sua interpretação e apreciação.
    A dança da vida é algo sempre em movimento, que nos leva a imensas descobertas...

    Beijo grande, querida

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  2. Beth, eu não sei se ser plenamente é o mesmo que ser perfeito. Ser perfeito está inescapavelmente ligado ao julgamento de alguém. Se vc perguntar a 3 críticos quais os bailarinos mais perfeitos que já conheceram, certamente terá 3 respostas diferentes.
    Por outro lado, ser plenamente que eu quis dizer é um julgamento dela. É ela que tem que estar contente na pele dela. No caso em questão, o diretor a ajudou a se livrar da mãe (vamos combinar que era a mais difícil, pelo excesso de tirania e pelo grau de parentesco: MÃE!!!!)
    A mim me passou a impressão que depois daquele renascimento, ela jamais se deixaria tiranizar de novo, a não ser como um empurrão para novas mudanças.
    Acho Beth, que o segredo de estar bem é não se balizar nas expectativas dos outros (a do diretor incluia ela se emocionar, coisa que ela queria muito também, só não sabia como, daí aquela luta. Ele até a liberava de tanta perfeição técnica).
    E para saber como ser plenamente é preciso renascer matando cada um dos que querem impor suas verdades e até mesmo se matando para reviver.
    Por isso é tão difícil e tão raro.
    Bom, foi o que o filme me inspirou rsr
    Beijos amada
    Saudades

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  3. Montek, veja a interpretação incrível do John Lennon da Silva no Youtube. A morte do cisne dele é emocionante!Sem sangue, mas com uma alma...!!!
    bjs Simone

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  4. Lindo Simone!
    É isso que ela não sabia, se deixar levar pela emoção presa que estava à técnica.
    Ele, ao contrário, se transforma em um cisne logo de início e leva lindamente até o fim.
    Ela só consegue isso no final do filme deppois de muito sofrer rsrs
    Adorei!
    Bjs

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