sábado, 3 de setembro de 2011

Escolhas

Acabei de assistir um ótimo filme – Paris Vive à Noite que, diga-se de passagem, deve ser visto por todos aqueles que gostam de jazz, excelentes atuações e a presença de grandes músicos.
Paris Vive à Noite, talvez tenha sido feito com a intenção de ser um ótimo entretenimento, ao mesmo tempo em que revive (ou conta), algumas facetas de uma época de grandes questionamentos – o existencialismo, o racismo entre outros, e como os grupos se formavam, viviam e se divertiam – nesse caso, os músicos e as intelectualidades. Em outras palavras: o  documento de uma época, misturado com uma ficção que conduz a narrativa.
Nada além de um bom filme, não fosse eu sempre ser fisgada e começar a sofrer como um peixe no anzol, quando qualquer coisa – filmes, livros, conversas etc., me remetem aos vastos, obscuros e solitários caminhos das escolhas.
Não vou contar o filme, mas justamente o conflito “por trás” do documento e que prende o espectador, são as escolhas de dois jovens músicos americanos em Paris.
Ficar na cidade e estudar música seriamente e obsessivamente para descobrirem a dimensão real dos seus potenciais e talentos, ou seguirem as garotas que amam e deixar a música como está. Boa mas não grandiosa?
Sei muito bem que não tem certo ou errado. Que só lá na frente, dependendo do que aconteça, eles saberão.
Minhoca suficientemente grande para por em marcha meus pensamentos sobre o assunto.
Que a vida é uma sucessão de escolhas, disso já sabemos e de tanto ser repetido, já perdeu a força e a capacidade de se tomar esse fato como o “mais sério” das nossas vaidosas e breves existências.
Quando jovens, vamos fazendo nossas escolhas quase sempre baseados em visões de curto ou no máximo médio prazos. Vamos percorrendo nossos caminhos ou abrindo nossas trilhas do jeito que podemos, na medida das nossas forças, das oportunidades que surgem, do tamanho do ego que nos conduz, de acordo com nossas histórias, do que herdamos física e culturalmente, do tamanho da nossa auto-estima, coragem, sensatez, autoconhecimento, enfim...de tal forma que, quando mais velhos, possamos nos perdoar dizendo: “fiz o melhor que podia naquele momento, não posso me cobrar nada diferente.”.
É importante o auto perdão mas nem de longe ele apaga a sensação ou a certeza de não ter feito as melhores escolhas.
Às vezes essas escolhas mal feitas aparecem pontualmente – “devia ter estudado jornalismo e não matemática”, outras vezes, aparecem como uma sensação de mal estar geral, indefinido, amargo, sem solução aparente.
Outro dia li o relato de um psicanalista, dizendo que boa parte dos pacientes chega ao consultório desejando que o passado tenha sido melhor. Como entendo isso! E como sei que esse desejo é só fruto das escolhas que fizemos lá atrás.
Mas nada dessas reflexões têm sentido, se não me levarem a refletir sobre o que é que se faz quando, na segunda metade da vida (otimistamente), uma pessoa descobre que, no geral, suas escolhas não a conduziram a uma vida satisfatória (nem emocional, nem financeiramente) e, sobretudo, não realizou seus potenciais, nem a maioria de suas fantasias (sim, porque não se pode chamar de sonhoo algo pelo qual não se lutou. Sonho sem ação é puro delírio) e que, até mesmo muitas escolhas, foram na direção justamente oposta.
Falar em auto sabotagem, tendência patológica ao sofrimento ou qualquer coisa inconsciente, a essa altura tem muito pouco ou nada a acrescentar.
Querer que o passado seja melhor, também não.
A questão central é: o que fazer com essa realidade e com a incompetência de fazer escolhas?
A realidade está aí, mas a incompetência para fazer escolhas é o que?
Isso me fez lembrar a mãe muito sagaz de uma grande amiga que, lá pelos meus 16 anos disse: “A Cláudia compra relógios caríssimos e diz que não tem dinheiro para fazer análise”. Ela sabia que eu já era uma adolescente atormentada e detectava claramente minhas escolhas: relógios sim. Qualquer esforço para melhorar minha então frágil e insegura cabecinha, não.
A incompetência passa por não saber prever os efeitos das escolhas?
Pela preguiça de fazer as escolhas mais trabalhosas?
Pela falta de autoconhecimento?
Pela confiança no acaso que sempre haverá de nos proteger?
Pela arrogância e prepotência?
Por não saber discernir o que é importante do que não é?
Pela bagunça mental?
Pelo espírito de jogador?
Pela falta de compromisso?
Pelo descaso com a dor?
Pela crença de que nada faz qualquer diferença?
Eu não sabia no que esse texto ia dar. Não comecei com a conclusão pronta, e agora penso que acabei de achar o que estava procurando: por anos a fio, a última pergunta pautou minhas escolhas e não escolhas. Agora vejo.
Tanto fazia como tudo terminaria.
Ser feliz, infeliz, rir ou chorar, morrer pobre ou rica, ter amigos ou ser sozinha, ter ou não filhos, ter família por perto ou estar na mais completa solidão, correr mundo ou jamais sair de casa. Nenhuma diferença. Apenas finais diferentes para o absurdo a que todos chamamos vida e à qual, o valor que eu dava era, nem mais nem menos, o valor de alguém ter me posto no mundo e haver um tempo a estar aqui, sem saber direito para quê.
Foi esse o meu erro.
Avaliei mal.
Hoje quero tudo que antes não fazia diferença. Hoje tudo faz diferença.
Quero a plenitude, a fartura de tudo que é bom, quero amor, família, amigos, cheiro de café e bolo, de mato, de perfumes intrigantes. Minhas primas, meus irmãos, meus pais, um trabalho que eu goste muito, férias inesquecíveis, mares paradisíacos, muitos filmes, livros, divertimentos sem fim. Muitas gargalhadas, poucas lágrimas e só as dores inevitáveis.
Não plantei isso lá atrás. Não fiz as escolhas que me levariam a essas colheitas. Não tenho o direito de lamentar.
Mas, como diria meu pai se lesse isso, o jogo não acabou e, no futebol como na vida em um minuto pode-se virar o placar.
Peço então, a sabedoria de, aos 45 do segundo tempo, descobrir que estratégia me fará virar esse jogo.
Viva “Paris Vive à Noite”, que ainda nos dá de brinde, a nós mulheres, a visão onírica do Paul Newman jovem e maravilhoso.


 

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