quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Um adeus muito difícil

Comecei a fumar aos 14 anos mais ou menos. Aquela história de todos: era legal, imitávamos gente que admirávamos e ninguém dizia ou sabia que fazia tão mal.
Como todos os vícios, roleta russa total: quem vai virar adicto? Ninguém pode prever. Todos fumamos naquela época, poucos ficaram viciados. Dizem que existe uma pré disposição genética. Deve ser.
Eu, virei uma heavy user e fumar fez parte da imagem que eu tinha de mim mesma por muitos e muitos anos. Não fumar era impensável não só por gosto ou síndrome de abstinência. Eu não me aventurava, de jeito nenhum, a tentar ser outra pessoa.
Diria que somente há uns 10 anos, minha auto-imagem dissociou-se do cigarro e, diante da pressão anti-tabagista crescente, comecei a pensar em capitular.
Parei por 20 dias, 4 meses, 9 meses, 45 dias...mas sempre voltava. Voltava por todo e qualquer motivo: porque estava engordando, porque já estava tudo dominado e um ou outro não ia fazer mal, porque mandava mesmo às favas aquele esforço e adotava de cabeça erguida o discurso do “seguirei fumando porque gosto e não me importo de viver um pouco menos”. Para um fumante, saber que alguém tem 100 anos e fuma é a glória. Viu? Não tem nada a ver....
O que a gente não quer ver de jeito nenhum é que fumar nunca foi uma opção. Sempre foi uma doença e o fumante nunca esteve no controle. O cigarro sim.
De alguns (muitos) meses para cá fui ficando muito incomodada. Contava com os dedos  de uma mão só os cigarros que me davam prazer. Sentia que o cigarro me fumava e não eu a ele. Não tinha escolha. Eu era obrigada a fumar.
Quando estava muito seriamente pensando em como escapar dessa prisão, me veio o episódio da mão e só quem fuma pode saber o que uma doença dolorosa e incapacitante pode fazer pelo número de cigarros fumados. Praticamente acendia um no outro, até porque, assim como a bebida, morfina e cigarro são uma duplinha perfeita.
Passada a fase pior, o tabagismo voltou ao centro da cena. A principal doença era ele.
Igual a gordo que quer saber de todas as dietas dos outros que emagreceram para ver se descobrem algum milagre, eu perguntava para todos: parou de fumar? Como? O que sentiu? Foi difícil?
E fiquei sabendo de um programa do governo federal formado por grupos multidisciplinares de apoio a quem quer ou precisa parar de fumar, incluindo reuniões periódicas de ajuda e toda medicação necessária. Há muitos em instituições privadas também, mas o único que visitei uma vez me pareceu extremamente arrogante.
Havia um hospital com o programa ao meu lado. Enrolei muito. Para que? Pensava. Não tenho tosse, dentes escuros, falta de fôlego, unhas amarelas.....nada em mim revela essa urgência em dar um passo como esse. E fui fumando até que soube que  viajaria para a Europa durante todo o mês de julho (e isso já era maio), e eu não queria viajar fumando. Pagar o mico de ficar naqueles absurdos fumódromos onde um bando de loucos descontrolados se concentra para fumar sem trocar uma única palavra.
Foi aí que corri para o hospital, quase me ajoelhei para que eles burlassem a regra e me deixassem pular a preparação e ir logo para os finalmente. Consegui. Fui às reuniões já dos avançados e conscientes, marcamos todos a data de parar  e paramos.
Depois que paramos, fomos a mais uma reunião. Todos estavam ótimos menos eu. Fui a última a dar meu depoimento e disse: devo ser de outro planeta. Vocês todos estão ótimos e para mim a vida perdeu todo o significado.
“Para que vivo se não posso fumar”? Esse era o resumo da minha ópera da semana. De cama, sem querer ver ninguém, sem querer comer (não podia fumar, então prá que?), chorando. Sem vergonha de dizer: chorando.
Felizmente o psiquiatra do grupo entendeu tudo: meu luto, a perda de um companheiro de 40 anos, me deu força para chorar mesmo e me despedir e me pediu mais uma semana. A coisa toda de fato passou.
Viajei e maldisse a minha decisão mil vezes. A Europa tem tudo a ver com cigarro. Eu, que há muito não ia lá, achava que estava como nos EUA ou aqui. Que nada! Se não for dentro do restaurante ou da loja, vale tudo. Debaixo do toldo pode, debaixo da marquise pode. E a França continua a rescender a Gauloise como sempre. E no navio? Mesmo nos espaços fechados metade dizia: “here, smokers are welcome”. Como assim eu perguntava? Por que eu não fumo mais? E lamentava olhando toda aquela gente feliz, tomando seus drinks e fumando e eu, tomando meus drinks e não fumando. E dizia para minha filha: vou fumar! E ela: Nãaaooooo!!! Ríamos e eu esquecia.
Bom, a coisa foi indo. Fácil, fácil, não era, mas os dias passavam, muitas novidades, a filha dando força, rotina zero. Nada comparável ao que estou sentindo desde que voltei.
Faz 5 ou 6 dias. Com todo adesivo e toda bupropiona, uma vontade de fumar horrível me persegue quase o dia todo. Mau humor. Ainda não tinha me acontecido mas agora, todos os dias, há  uma intensa negociação entre Deus e o Diabo dentro de mim para resolver se volto ou não a fumar. Como ninguém ganha, vamos adotando a filosofia do AA. Ok, hoje não, amanhã a gente continua a discussão.
Hoje corri 5 km e nessa corrida me lembrei de que, em Florença, subi de uma vez só 444 degraus até o topo do duomo da catedral. Essas melhorias e conquistas aparentes, que nos deixam felizes (alguma coisa tem que ser bom), na verdade acho que são a expressão de algo mais profundo que esbarra na auto-estima, na potência e na liberdade. Ser livre para não fumar dá o mesmo prazer daqueles que dizem: sou livre para não beber ou para não usar drogas. Cada qual com sua cruz. Aliás foi nessa corrida que fui elaborando que ia escrever sobre isso.
Vou seguindo assim, esperando que algum dia desses o embate diário não seja tão violento e eu possa sobreviver a cada dia com menos dor que hoje, mas sabendo que a primeira tragada me tragará como um vórtice. Nada mais de inconsciência. Não há pequenas diversões para um tabagista militante como eu.
Ficaram algumas descobertas sobre mim mesma que achei importantes: primeiro, que eu preciso me comprometer. Ter dito ao grupo que pararia de fumar e me comprometer com eles foi fundamental. Cada vez que queria recair pensava na decepção que causaria a todos que acreditaram em mim. E não fumava. Quem me conhece bem, sabe o quanto me é irresistível largar um projeto difícil se não houver ninguém mais envolvido; segundo, que adeuses compulsórios, por mais dolorosos, não são nossa escolha e temos que sobreviver a eles. Saber que podemos dar adeuses opcionais porque é melhor para nós, por mais que soframos, a mim me deu outra dimensão a cerca da minha força e poder; e terceiro, mas não menos importante, ao abandonar um velho hábito, me dei conta de que sou capaz de me reinventar e inventar outra rotina; que essa pequena/grande mudança é uma super inspiração para novos projetos, não porque agora deixei de fazer uma coisa ruim ( o que seria muito babaca), mas porque se a gente enxerga que pode desfazer algo tão difícil, pode também fazer coisas muito difíceis. O esforço é igual.
Não sei se voltarei a fumar mais uma vez. Tem sido diferente e parece que não quero mesmo mais. Bebi vinho e cerveja muitas vezes, convivi com fumantes, passei por vários testes e....cá estou.
Mas não quero enganar ninguém: para mim tem sido difícil, muito difícil. Não começar, mas manter. Quem já tentou e não deu, não se culpe. Tente de novo que uma hora vai.
Amanhã tem  reunião de prevenção à recaída. Rezo para todos estarem firmes.

9 comentários:

  1. Cláudia,
    Fique firme se for por motivo de saúde. A minha mãe fumou por 60 anos e quando precisou parar por ordem de um médico bobo, perdeu a vontade de viver. Aos 85 anos falava que a companhia era o cigarro que foi tirado sem razão. Nunca teve qualquer problema pulmonar e o pulmão era branquinho. Acho que herdei esse bendito gen dela, já que o meu também é, mas não vou incorrer nesse erro. Fumarei até a morte. Mas morrerei mais feliz.
    Beijão

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  2. Luiz,
    nem sei o que dizer. Não virei evangélica para querer doutrinar ninguém. Só acho que há mais coisas pra pensar do que essa "felicidade" que o cigarro te dá. Se é assim, siga em frente. Mas só lembra que não é SUA escolha.

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  3. Montezuma, dou a maior força, pare sim. Minha irmã, que fumou desde os 14 anos, sempre dizia que nunca iria parar de fumar, e já sabia que morreria disto, mas morreria feliz. Há 9 anos atrás, quando descobriu que tinha um tumor maligno no pulmão, ela parou na hora. Mas já era tarde demais, sofreu horrores e morreu há 3 anos atrás, aos 59 anos, triste por não ter vivido mais.

    Eu parei há 6 anos atrás, também quando viajei para a Europa, e a pedido da Cláudia. Ela me deu muita força para suportar a abstinencia. Se não fosse por ela eu teria voltado. Continue assim... a dor passa aos poucos. Em pouco tempo vc nem irá se lembrar mais. beijo grande, saudades.

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  4. Wilson meu querido,
    bom ver você por aqui e ainda mais me dando a maior força. Sei que vai melhorar.
    Vou fazer como vc diz....esperar passar.
    Vamso nos falando. Juro que o dia que eu não aguentar vou te ligar..
    Bjs pra vcs queridos. Vejam se aparecem ou ao menos me convidem para os chopps que sei que tem. Não me engana não rsrrs
    Monte

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  5. Cara ...vc tá escrevendo cada dia melhor!! Vou imprimir esse texto e espalhar por aqui.

    Sabe o que ando pensando quando a vontade vem: meu prazer de ser livre e poder fazer escolhas é maior que o prazer do cigarro.

    bjs

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  6. Moniquinba, nosso jeito de pensar acho que passa pela telepatia.
    Nós todos do grupo tivemos que fazer uma frase que nos apoiasse e que lembrássemos toda vez que ficasse difícil.
    Coisa formal mesmo, a psicóloga anotou e tudo. Isso foi na primeira reunião.
    Qual foi a minha? "Sou livre para não fumar" rsrrs
    Bjs querida...vamos dividindo nossas agruras e vitórias

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  7. Boa sorte nessa luta, Claudia!!! Só quem parou de fumar sabe a dificuldade em resistir a cada impulso... Achar a determinação e força para mudar um comportamento com o qual estávamos conformadas e identificadas... Cada cigarro não fumado é uma conquista! Cada dia, uma vitória! E logo logo seu calendário estará coroado de conquistas e vitórias!!! A escolha de como viver a vida é nossa! Os hábitos e pessoas que, de alguma forma comprometem a nossa felicidade plena, podem - e devem - ainda que com grande esforço, deixar de fazer parte dela. Essa é a verdadeira liberdade!!! Escolher como e com quem ser mais feliz!!!!
    Um beijo.
    Alice

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  8. Obrigada pela força. Tenho precisado muito dessas previsões de vitória!
    A minha "faxina" está mesmo começando pelo cigarro. Falta muito ainda, mas o cigarro está me mostrando que é possível.
    Bjs querida.
    Te esperando ansiosa na cidade cada vez mais maravilhosa!!!!

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