quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O desespero de quem não se conforma com pouco


Hoje de madrugada, ao entrar no Google pela primeira vez no dia  – busco alguma coisa pelo menos uma‍‍‍s 50 vezes ao dia, começando por antes de ir dormir geralmente, me deparei com a seguinte afirmativa: xⁿ + yⁿ  ≠ zⁿ, desde que n ≠ 2.
Não conhecia e fui ver qual era a homenagem de hoje. Era a um grande matemático que hoje estaria completando 410 anos, de nome Pierre de  Fermat e essa tese é conhecida como o último teorema de Fermat.
Estudei matemática, todos sabem, e por mais que esses estudos me pareçam muito distantes, de outra vida mesmo, ainda guardo um fascínio pelas demonstrações, soluções de problemas, raciocínios abstratos.
Assim, fui buscar o que esta (des)equação tinha de relevante. Fermat foi um grande matemático que demonstrou diversas teses que revolucionaram a matemática da época (por exemplo, inventou a Geometria Analítica e massacrou as teorias de Descartes em diversas ocasiões) e rabiscava muito nas laterais dos livros que estudava. Todos nós sabemos que essa equação tem muitas soluções para n=2, isto é, todos  os triângulos retângulos com catetos inteiros ( de Pitágoras “a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”), mas Fermat a certa altura afirmou que para nenhum outro n real e inteiro, havia solução. Ironicamente ele escreveu em uma das laterais de seus livros que tinha uma demonstração maravilhosa para o teorema, mas ela não cabia naquele espaço.
Morreu e por mais de 300 anos a demonstração dessa afirmativa ( e o fato da margem ter sido pequena para contê-la) foi o inferno de matemáticos proeminentes: Gauss e Euler entre eles. Houve suicídio, idas e vindas, gente que achava que provava e logo o erro da prova era descoberto.
Fazia-se simulações da equação para milhares de números e, de fato, nunca se dava a igualdade, mas e daí? Sempre faltaria testar infinitos números. Isso não é prova.
Justamente nos anos 70 (quando eu cursava matemática) esse assunto perdeu o interesse pois os matemáticos um pouco que cansaram de bater na mesma tecla sem solução. Entendi porque nunca a vi.
Mas um único matemático, o britânico Andrew Wiles  nunca se conformou, e depois de mais de 10 anos de trabalho insano, e com a colaboração de teorias avançadíssimas com as quais Fermat nem poderia ter sonhado,  provou em 1995, elegantemente, o tal teorema.
Bom, claro que achei a história maravilhosa, vi vários vídeos no youTube sobre a questão e acabei indo dormir tardíssimo por conta de Fermat.
E fiquei pensando na diferença que existe entre pessoas que se conformam com qualquer explicação e nem tentam saber se é verdadeira ou não, e aquelas para as quais a busca da verdade é tão natural quanto viver, por mais trabalhoso que seja.
Tirando a parte que conheço muito bem, de que a matemática é uma droga das mais viciantes, e que a perseguição de uma demonstração coloca uma adrenalina no sangue impossível de conter, observo que as pessoas em geral pouco ou nada se aprofundam em assunto nenhum.
Diria que muito mais da metade do que a gente escuta diariamente, mesmo através  dos meios de informação (de pessoas comuns nem se fala), não resiste à primeira fase de uma argumentação mais bem construída. As pessoas dadas ao aprofundamento são consideradas muito chatas e a superfície passou a ser o lugar onde todos queremos estar, sempre.
Não sou diferente. Passou o tempo em que me desesperava com afirmações sem provas, com opiniões sem embasamento (até para opinar é preciso saber alguma coisa), que passava dias e noites investigando um único assunto que não interessava a ninguém.
Nunca encontrei muitos interlocutores e somando com a falta de tempo e a nenhuma demanda do mundo em geral por material profundo e bem embasado, tornei-me, também a pessoa rasa que sempre abominei.
Por que haveria de querer sofrer tanto, e sozinha? Hoje, escuto as maiores barbaridades e calo na maioria das vezes. Aparento concordar com um monte de coisas que em outras épocas me fariam discutir muito. Cansei. Acho.
Sinto uma pena muito grande porque, boa parte da riqueza da vida vem, na minha opinião, de desvendarmos assuntos novos, de poder responder a mais e mais perguntas que nós mesmos vamos formulando. Os por quês? Os por que não? As dúvidas, as desconfianças é que vão nos levando a patamares de conhecimento realmente excitantes e relevantes. ,
O mundo, as empresas com honrosas exceções, as pessoas, a sociedade, os grupos quase todos, não estão nem aí para a relevância. 
O besteirol (tão divertido quando a hora é de besteirol) tomou conta das relações de trabalho, de amizade, de amor, de poder, e o pior: com a maior cara de seriedade.

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