sábado, 4 de junho de 2011

Sentir é estar distraído

Guardadas, evidentemente, as devidas diferenças, é exatamente isso que sou hoje.
Morreu a Cláudia que queria explicações demais. 
Morreu a Cláudia que queria pensar demais.
Nasceu a Cláudia que se maravilhou com só sentir.
Talvez  eu tenha sido sempre assim, mas achava que devia ser diferente.
Talvez aí o motivo de tanto sofrimento, angústia e estranhamento.
Talvez aí o EU dividido. Talvez.....mas não preciso mais de explicação.
Nasceu  - pelo menos em consciência plena,  aos 54 anos.
Que bom!

Afora falar de mim, curtam o poema, que é lindo.



Se Eu Morrer Novo

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação 

Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

10 comentários:

  1. Claudia,

    Amei! Meu marido me acha distraída, eu me acho sonhadora ... No meu mural tem a seguinte frase: "Tenho uma atenção desatenta pra tudo, pra sonhar sempre distraidamente". Estou cada vez mais querendo entender (racionalizar) menos e sentir mais ... Beijo enorme! Ana Gibson

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  2. Aninha,
    sentir, de fato, extrapola tudo.
    Fiz um curso/treinamento de 10 dias, todo baseado no sentir. No princípio é muito difícil. Calar a mente e só sentir parece uma tarefa impossível. Com o treino, vc vai entrando em contato com seus sentimentos e leva um susto. Como tudo se mistura, e vc sente coisas que simplesmente não têm nome. São incomunicáveis. O sentir traz à tona "idéias" inteiras, "imagens" complexas que acho que só poderemos comunicar o dia em que desenvolvermos a telepatia. O dia em que o outro possa "ver" o que vc está sentindo e nao ouvir ou tentar entender.
    Mas é uma maravilha essa descoberta!
    Sejamos distraídas! Com atenção como vc muito bem diz.
    Bjs

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  3. Brilhante querida ! Saudades de você !!!! Bj

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  4. Maravilhoso, sempre, Fernando Pessoa! Que capacidade para traduzir em palavras os simples complexos sentimentos humanos! Sempre me emociono com a força do que ele escreve, não importa quantas vezes leia o mesmo poema! É sempre como se fosse a primeira vez!
    E maravilhosa entrega a sua, ao universo do sentir puro sem conexão com o entender! O sentir por sentir, sem o impulso inevitável de relacioná-lo com experiencias anteriores que o validem ou identiquem, deve ser mesmo uma experiência muito libertadora!
    Só não sei se o estar distraído é a prerrogativa para esse sentir absoluto. Fico pensando no poema do Fernando Pessoa... E em todas as manifestações artísticas... Será que sem estarmos plenamente envolvidos e atentos, conseguimos sentir a verdadeira emoção?
    Um beijo.
    Alice

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  5. Alice, o mesmo acontece comigo com Fernando Pessoa. Sempre a primeira vez! E olhe que comecei a lê-lo compulsivamente aos 14 anos. Sabe quem me introduziu? A Danuzia Bárbara - ela foi sua professora? Era uma inspiração! Pesssoa e tantas outras maravilhas devo a ela. Quantos poemas sei de cor de tanto ler! E quantas voltas e reviravoltas eles já deram na minha cabeça desde então!!!
    Quanto a estar distraído, acho que não precisamos deixar de nos envolver e ter atenção. De fato perderíamos muito em sensação. Quando leio o que ele diz, penso que o grande "treino" é manter sempre um espaço-mente-coração abertos (e distraídos), para não perder as outras sensações que estão em volta mas que não prestamos atenção por estarmos hiper-focados.
    Como disse a Ana, uma distração atenta, que está diretamente relacionada, na minha opinião, com o monte de sensações disponíveis caso o objeto da sua atenção não dê em nada.
    Essa coisa de não se torturar se algo não der certo. Olhe em volta distraidamente,e verá que um mundo de coisas boas te aguarda...
    Nunca é o caso de remar contra a maré rsrsrs
    Beijos,
    sol se houver sol,
    e chuva se estiver chovendo pra você amada!

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  6. Em tempo Alice,
    muito embora eu esteja muito mais consciente das minhas possibilidades de sentir, esteja muito mais "entregue" a isso do que jamais estive; muito embora precise cada vez menos de explicações, o meu "sentir puro" requer uma concentração imensa. Não é algo, ainda, que se produza espontaneamente e sem esforço. Estou muito longe da "distração". Essa "perfeição" precisa de muito treino e muita mudança interna de atitude. Estou tentando trilhar um caminho, e como tal, anda-se cada dia um pouquinho.

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  7. Tive o grande privilégio de ter a Danuzia por 3 anos! E, com ela, realmente, meus horizontes se alargaram e passei a "ler" além das palavras! Ela me ensinou muuuuuito e fez da lingua portuguesa um grande tubo de ensaios, provocando interpretações inusitadas e permitindo experimentações absolutamente livres!!!! Tive também a sorte de ter o Edgardo, a quem devo o outro lado, por 2 anos. A correção, o cuidado atento, o sarcasmo provocativo. Acho que a combinação dos dois foi determinante no meu conforto e segurança com o portugues. Fomos realmente privilegiados com uma formação muito muito especial!
    Quanto ao sentir, estou a-m-a-n-d-o sua reflexões sobre concentração e esforço! O conceito da Ana de "distração atenta" é maravilhoso! Acho que preciso focar nisso... No momento, estou mais pra "atenção distraída"!
    Ansiosa para o nosso novo encontro!
    Bjs

    Alice

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  8. rsrs atenção distraída não é mau também....
    Também fui aluna dos dois: Danuzia e Edgardo. É pra ajoelhar e agradecer.
    Ela até hj vai às festas da turma imediatamente abaixo de mim. Isto é, entre nós duas.
    bjs te esperando

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  9. Pesquisei o poema por te-lo em minha mente algumas frases marcantes. E em minha releitura, me atiçou a curiosidade a frase que dizia que sentir é estar distraído. Le e reli mas não achei que seria capaz de entender sem ter outra mente humana falando sobre isso. E acredito que, neste exato momento, posso te-la entendido, mas não por refletir, e sim por conseguir sentir.
    Loucura pensar que os comentários de vocês fazem mais de 11 anos, hoje é o último dia de um dificílimo ano, mas muito importante pra mim. E eu estou feliz por estar sentindo a graça e a desgraça de um ano que acaba e as mudanças que ocorrerão.
    Não diferentemente de outras oportunidades, as palavras que agora escrevo, serão perdidas das minhas memória fazendo com que assim eu acredite que o que digo agora não tenha existido, mas eis aqui as minhas palavras, talvez a tola e ignorante palavra de um jovem de 16 anos

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  10. Cada vez em que leio mais, em que procuro mais sobre Fernando Pessoa e seus grandes poemas, mais sinto esse lado de distração, contato gentil e intenso com os próprios sentimentos, a tudo que existe na frente do nosso nariz e muitas vezes não percebemos, por estarmos pensando demais... sendo amado ou amando demais uma coisa só. Que sejamos mais leves, mais distraídos e livres para aproveitar e sentir toda a natureza em nós

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