quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O homem que conheceu a loucura

Conhecia de muito perto a loucura. Mais que qualquer outra coisa. Sabia que era diferente dos outros porque pensava diferente, agia diferente e, mais que tudo, sentia diferente.
Sua lógica nem de longe  passava pelo que se costumou chamar de clássica, mesmo que tenha passado os séculos sendo questionada. Sua cabeça funcionava no caos e  sabia que a isso chamavam loucura.
Sabia a que horas deprimiria, a que horas as vozes viriam e quando seriam alegres ou tristes.
Ria-se delas ou, em caso de total nāo entendimento de suas intenções, fechava-se em sua aparente solidāo e de lá só  saía quando o silêncio permitia e entāo, de novo, encontrava-se consigo mesmo.

Efêmeros momentos. Sabia que olhar para fora nāo o levaria a lugar nenhum. Assim, procurava entrar em si mesmo. Normalmente nāo se ressentia do que encontrava, reconhecia-se quase como uma obra muito original. Ressentia-se, isso sim, de que, por ser quem era fosse chamado de louco.

Louco porque a vida cotidiana lhe parecia muito pouco e como nao podia acusá-la – já  que a outros parecia tāo rica , acusava-se a si mesmo, criando em seu interior um mundo melhor, onde habitavam bondade, as ingenuidades da infância, os amores da juventude, as obras de arte sempre imaginadas e jamais realizadas, as filosofias improváveis, os sonhos de grande músico, e os amigos com quem podia conversar, confiar, trocar todas as ideias sem qualquer crítica, e de vez em quando, encontrar a fonte de onde jorrava toda sua criatividade  que tornou esse tal planeta imaginário tāo completo e  perfeito.
Os erros de Deus estavam corrigidos. Tudo ali  era possível e do caos, obrigatoriamente, a ordem se fazia.

Muito sofreu porque o mundo bom só a ele pertencia. Sabia que para fazer desse mundo sua casa, seria necessário renunciar e renunciar. O mundo de todo mundo nunca mais lhe pertenceria.

E entre um e outro, sentiu muita falta do que estranhamente lhe parecia mais real embora tolo. E sem obra de arte, sem música e sem amigos, enfrentou todas as forças do mal, os dagrões que cuspiam fogo, as enormes correntes de ferro amarradas às suas pernas. E de um jeito ou de outro, venceu.

Venceu da forma como é possível vencer. Abandonou-se, entregou-se aos próximos que julgou mais próximos, buscou em suas profudezas as culpas que ainda o adoeciam e tratou de redimi-las. Preparou sua morte de forma a poder pouco arrepender-se. A poder purificar-se.

O que ele só soube pouco antes de morrer,  que diminuiu e reduziu todo o significado de sua triste e quase santa vida,  é que tudo  a que chamavam  loucura num tom entre penalizado e solene , tambėm atendia pelo nome de “desequilíibrio de zinco e potássio”. 

Nada mais desconsertante que deixar de ser louco para tornar-se um ser com altos níveis de elementos químicos. 

Que louca e pouca é a vida!





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