Chego nesse
minuto em casa, tomada de um sem número de sentimentos contraditórios depois de ter assistido à Grande Beleza.
Eu, que
precisamente tinha a intenção de escrever sobre a mesmice de tudo que tenho
visto, ouvido e até lido, paguei caro. O filme em questão é, senão muito
diferente do habitual, uma mistura
inusitada e maravilhosa de tudo que a gente já viu. O melhor que a gente já
viu.
Não quero
nem devo falar muito do filme por dois motivos: primeiro que todo mundo já viu –
está quase saindo de cartaz, e segundo que não é minha especialidade.
A mim, se impõe
comentar aspectos daqueles que me impactam muito. E esse, bem, ou escrevo ou
não durmo nunca mais.
Fora todo o
óbvio que está lá e é espetacular – a atuação do ator principal, a música, a
fotografia, os diálogos maravilhosos entre engraçados, sarcásticos, ácidos e
que não deixam pedra sobre pedra, as críticas bem humoradérrimas sobre tudo – desde o narcisismo que tomou
conta do mundo, o facebook, as “artes
conceituais”, as performances, o modern way of life, o vazio das relações, o
todo mundo se achar autor, ator ou o que seja, a ilusão da vida vivida em
eterna festa, a ilusão maior ainda de manter a juventude muito mais do que ela pode aguentar, as mentiras da igreja....Até a dieta Dukan está lá. Nada escapou a
esses roteiristas maravilhosos e antenados. Isso tudo, fora os recursos para tornar a tentativa de uma geração de ser diferente, ainda mais "drogada": o que era aquela tela de cabeça para baixo? Genial.
E, como
evidentemente tudo isso tem um preço, e alto, estão lá também as angústias, os
vazios, os suicídios, os medos, as covardias e toda sorte de sentimentos humanoss desglamourizados
e que deve ser mantidos em segredo.
Última
frase do filme: “no final de tudo é sempre a morte. Mas antes dela vem a vida, com
todas as suas fragilidades, mentiras, medos e blá, blá , blá”. Prá mim o blá,
blá, blá é a melhor parte.
Voltando
por um instante à beleza. Ela existe em muitas coisas – pessoas, natureza,
obras, mas em geral passa e ilude. Se se
vive em uma cidade de beleza inesgotável como Roma, rodeado de obras de beleza
sólida, profunda e atemporal, é muito fácil tornar-se um esteta exigente e
procurar em cada móvel, quadro ou pessoa, a beleza pura e imaculada. A pietà
por assim dizer.
Jep – o escritor
de um livro só, buscava a beleza de gestos, de palavras, de posturas adequadas,
e esperava que a grande beleza aparecesse em sua vida para continuar a
escrever.
Enquanto
isso, dava-se à liberdade de fazer-se acompanhar do que havia de mais feio,
grotesco e fútil na sociedade romana. Jep foi vítima de sua estética primorosa.
Nesse tudo ou nada, por 65 anos ficou com o nada.
Ironia. A
tal beleza imaculada sempre esteve com ele. Mistura de beleza, amor e
ingenuidade - porque tudo isso também é beleza, ali estava toda sua matéria prima escondida desde o primeiro amor.
Nunca é tarde para descobrir. Que bom.
Mas não
para aí a magia do filme. Aliás nem começa aí.
Desde o início, primeiras cenas
mesmo, o espectador vê Fellini e o peito aperta. La Dolce Vita, Roma e Amarcord puxam a gente de volta para os anos 70. Vê Bunnuel, vê Almodóvar, vê Wood
Allen e as referências vão se seguindo de uma forma que a cabeça começa a dar voltas,
e o passado invade o presente, e de
repente aparece Funny Ardant numa noite escura e você vê Truffaut com sua Funny
sempre deslumbrante e já não sabe mais se tudo é proposital, se o blá blá blá é
de agora e a verdadeira arte do cinema ficou pra trás; ou se é simples
homenagem.
E eu queria
tanto que eles estivessem vivos. Que dessem uma pista sobre que olhar teriam
sobre nosso pobre mundo de agora.
Mas é
inescapável. No fim sempre a morte. Antes dela, a vida e seu blá, blá, blá.
Ou não
haveria motivo para nenhum dos mestres ter existido e nenhuma crítica ter sido
jamais feita.
Estou quase
concordando com Renato Russo: “mudaram as estações, nada mudou”.
Só na mais
fina camada da superfície.
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