Conhecia de muito perto a loucura. Mais que qualquer outra
coisa. Sabia que era diferente dos outros porque pensava diferente, agia
diferente e, mais que tudo, sentia diferente.
Sua lógica nem de longe
passava pelo que se costumou chamar de clássica, mesmo que tenha passado
os séculos sendo questionada. Sua cabeça funcionava no caos e sabia que a isso chamavam loucura.
Sabia a que horas deprimiria, a que horas as vozes viriam e
quando seriam alegres ou tristes.
Ria-se delas ou, em caso de total nāo entendimento de suas
intenções, fechava-se em sua aparente solidāo e de lá só saía quando o silêncio permitia e entāo, de
novo, encontrava-se consigo mesmo.
Efêmeros momentos. Sabia que olhar para fora nāo o levaria a
lugar nenhum. Assim, procurava entrar em si mesmo. Normalmente nāo se ressentia
do que encontrava, reconhecia-se quase como uma obra muito original.
Ressentia-se, isso sim, de que, por ser quem era fosse chamado de louco.
Louco porque a vida cotidiana lhe parecia muito pouco e como
nao podia acusá-la – já que a outros
parecia tāo rica , acusava-se a si mesmo, criando em seu interior um mundo
melhor, onde habitavam bondade, as ingenuidades da infância, os amores da
juventude, as obras de arte sempre imaginadas e jamais realizadas, as
filosofias improváveis, os sonhos de grande músico, e os amigos com quem podia
conversar, confiar, trocar todas as ideias sem qualquer crítica, e de vez em
quando, encontrar a fonte de onde jorrava toda sua criatividade que tornou esse tal planeta imaginário tāo
completo e perfeito.
Os erros de Deus estavam corrigidos. Tudo ali era possível e do caos, obrigatoriamente, a
ordem se fazia.
Muito sofreu porque o mundo bom só a ele pertencia. Sabia
que para fazer desse mundo sua casa, seria necessário renunciar e renunciar. O
mundo de todo mundo nunca mais lhe pertenceria.
E entre um e outro, sentiu muita falta do que estranhamente
lhe parecia mais real embora tolo. E sem obra de arte, sem música e sem amigos,
enfrentou todas as forças do mal, os dagrões que cuspiam fogo, as enormes
correntes de ferro amarradas às suas pernas. E de um jeito ou de outro, venceu.
Venceu da forma como é possível vencer. Abandonou-se,
entregou-se aos próximos que julgou mais próximos, buscou em suas profudezas as
culpas que ainda o adoeciam e tratou de redimi-las. Preparou sua morte de forma
a poder pouco arrepender-se. A poder purificar-se.
O que ele só soube pouco antes de morrer, que diminuiu e reduziu todo o significado de sua
triste e quase santa vida, é que tudo a que chamavam
loucura num tom entre penalizado e solene , tambėm atendia pelo nome de “desequilíibrio
de zinco e potássio”.
Nada mais desconsertante que deixar de ser louco para tornar-se
um ser com altos níveis de elementos químicos.
Que louca e pouca é a vida!
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