Tenho
observado a reação de muitas pessoas diante de colunas de jornais, revistas,
filmes, documentários e, de resto, qualquer forma de expressão. Diante de opiniões
ou reflexões de articulistas, críticos, poetas, cronistas, romancistas... De
pessoas que tentam entender ou dizer alguma coisa, e atrevem-se a fazer sua voz sair da
garganta e falar. Às vezes gritar.
Tem-me parecido
que, para a maioria dos consumidores dessas solitárias e muitas vezes precárias
visões do mundo, é preciso imediatamente
e de forma bastante apressada, concordar ou discordar veementemente. Listar
argumentos contra ou a favor. Ao acabar de ler uma opinião ou uma crônica, deve
ter início uma “briga”: o autor não considerou essa ou aquela questão; não foi
fundo onde devia ir e assim por diante. Ou alternativamente, concorda-se sem muito critério e nem se pensa mais no assunto.
Ora, é evidentemente
impossível esgotar qualquer assunto em algumas linhas. Nem é o propósito último
de quase ninguém – a menos dos pesquisadores que têm por ofício estudar alguma coisa até supor que a esgotou. O que resulta em, no mínimo, 500
páginas. Não há razão plausível que embase a fúria de alguns diante de um
artigo que tenha ignorado facetas importantes da questão a que se refere.
Me
entristece esse tipo de reação. Como “blogueira” que sou agora, com esse espaço
onde humildemente ensaio algumas reflexões, posso afirmar que um autor de
qualquer coisa, que dispõe ou se dá um pequeno espaço para falar de um assunto,
está tão somente lançando as primeiras luzes que lhe iluminaram a cabeça e o coração diante de algum tema que
o seduziu sabe-se lá por que. Em nenhum
momento – e disso tenho certeza, há a intenção de possuir a verdade, de esgotar
a questão, de ser aquele que, num momento de epifania, desvendou por completo
um tema até então muito mal e porcamente pincelado por outros.
Não há
porque discordar ou rotular o autor. Tudo que um assunto quer, é ser aprofundado
aos poucos, é ver incorporados outros saberes e outras opiniões, que
naturalmente vieram de visões que por sua vez tiveram origens em vivências
diferentes e fatalmente interessantes e enriquecedoras só porque foram pensadas e elaboradas por outras cabeças.
É corajoso
quem lança um olhar, ainda que tímido, ainda que tosco, ainda que cheio
de imperfeições e buracos. E tudo que essa coragem busca, é mais coragem para
pensar diferente, acrescentar, fermentar, fazer crescer.
Não importa
o assunto: desde aqueles sisudos como as leis de um país, as guerras, as formas
de conter a corrupção, até os mais humanamente intangíveis e filosóficos, passando
pelos que nos afetam o dia-a-dia e que aparentemente já deram o que tinham que
dar, como atitudes verdes ou o capitalismo como o pai de todos os males, no
final, todos se embolam na grande categoria das incertezas, conflitos, desordens
e dúvidas desse ser tão criativo, inteligente e contraditório chamado de
humano.
Na minha opinião todos os temas
convergem. Todos têm praxis e filosofia. Todos têm razão e emoção. Todos têm o
olhar do agente e do paciente. Do sujeito e do objeto. Do substantivo e do adjetivo. Seguramente do verbo. Da vítima e do algoz. Do poderoso e do
desvalido. Falar de um desses olhares não significa que o autor desconhece os
outros. Por algum motivo tão obscuro quanto qualquer dos outros que regem nossas
escolhas e nossas almas, o autor optou ou foi “tocado” por um dos aspectos
possíveis e, espera ansiosamente, que aquele olhar se amplie e o mundo junto
com ele. Caso contrário, tudo diminui e se contrái.
Aí, lembro
do Millôr quando escrevia na Veja a coluna “Livre pensar é só pensar”. Que
incentivo! Pense! É simples e todos são livres para pensar. Pense e fale o que
pensa. Outros virão e pensarão por cima. Acrescentarão camadas. Pensarão
livremente e sem medo de dizer bobagem porque cada aparente bobagem, encobrirá
uma nova revelação. Essa era a fantasia que eu tinha e talvez seja ela mesma que só agora se realizou.
E como um
gênio puxa outro, me vem José Saramago com sua famosa reflexão sobre “convencer”
os outros: “não quero convencer ninguém. Toda tentativa de convencimento é uma
forma de colonização da cabeça alheia”. E Saramago era tudo, menos um
colonizador.
Não
tentemos nos colonizar. Pensemos juntos. Paremos de só apontar as lacunas.
Deixemos nossos corações e mentes ao sabor do livre pensar. Nossas vidas
certamente agradecerão.
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