Acabo de fazer um
curso de três aulas sobre crônicas e ensaios. Depois que me veio o gosto pela
escrita, inevitavelmente vieram o desgosto, a dúvida, a certeza de que o preço que me será cobrado por essse suposto prazer será alto pelo resto da vida.
E não é um prazer opcional, ele se impõe e isso tudo me remete a Kafka: "a experiência artística em nada melhora a experiência da vida". Essa afirmativa me aborrece um pouco, mas agora é tarde. Se sempre achei a vida chata sem escrever, no máximo continuarei achando, só que escrevendo.
O que aconteceu de verdade é que assumi minha condição de aspirante a escritora e fui para um primeiro curso, começar a entrar nesse universo, tentar aprender esse idioma e, com sorte, ter algumas sugestões de direção.
E não é um prazer opcional, ele se impõe e isso tudo me remete a Kafka: "a experiência artística em nada melhora a experiência da vida". Essa afirmativa me aborrece um pouco, mas agora é tarde. Se sempre achei a vida chata sem escrever, no máximo continuarei achando, só que escrevendo.
O que aconteceu de verdade é que assumi minha condição de aspirante a escritora e fui para um primeiro curso, começar a entrar nesse universo, tentar aprender esse idioma e, com sorte, ter algumas sugestões de direção.
Três
grandes cronistas/ensaístas do Globo, ótimas aulas para ouvir e me deleitar com tanta cultura,
tanta experiência , mas....e as respostas?
Antes de tudo eu precisava saber
onde estavam as perguntas.Essas, eu até podia vislumbrar. À medida que eles falavam eu sentia milhares de pontos de interrogação na minha
alma, na minha cabeça, nas minhas vísceras, nos espaços vazios entre umas e
outras, no meu inconsciente traiçoeiro que me abandona justo quando mais
preciso dele, no meu silêncio que não compreende ou na minha falação desenfreada também desprovida de qualquer sentido.
Agora, as
respostas... Essas simplesmente não existem. Todas as perguntas que temos, se
recusam a ser respondidas . A escrita é
uma criança mimada que tapa os ouvidos e canta “lá lá lá lá” para não
escutar. Fosse eu de outra época e a deixaria ajoelhada no milho até me dizer algo
que diminuísse a dor e o sofrimento que, finalmente, descobri que tomam conta
de todos aqueles que trabalham com a palavra, não importando o gênero. Quisera ter
vivido em outra época, qando tudo tinha normas e sabia-se com um bom grau de
precisão o que era admissível ou não, permitido ou não, arte ou não. Versos só
com uma determinada forma dependendo da época. O resto, heresia ou mau poeta.
Romances, novelas, contos - para cada
gênero regras precisas. Escolas com nomes precisos. Autores bons e maus,
seguros do que buscavam.
Crônica,
bom, essa não existia nem nunca existiu. Em nenhum lugar do mundo. Só no Brasil
e só no Rio. Mesmo os cronistas não cariocas viveram bastante tempo no Rio de
Janeiro. Não seria o caso de eu ter nascido
no final do século xviii já que a
crônica aparece como gênero m 1854 com José de Alencar?
Mas não. Parafraseando
Caetano Veloso, “deus é um cara gozador adora brincadeiras” e me botou no mundo
bem na modernidade, quando todos os conceitos mudaram, quando ninguém em sã
consciência consegue definir o que é arte, quando os gêneros se embaralharam, se
somaram, se confundiram; quando tudo é permitido mas a avaliação de quem interessa é extremamente rigorosa; quando não é mais a forma que
está em jogo, mas a singularidade de cada autor.
Segundo um
dos meus professores, produzir arte é transformar o sintoma em estilo, é a
energia que vai do autor para o mundo e que, segundo Freud, está ligada ao
prazer. E eu continuo: ao gozo e ao sofrimento.
Outro
professor disse que a crônica só se faz se o cronista for um “errante”. Andar
pelas ruas e captar um instante, um retrato singular de seu tempo e de seu
lugar. E não aparecer nesse retrato. Sair do espaço da foto. Colocar-se como um espectador privilegiado da cena mundana que qualquer
um pode fotografar, mas não do ângulo que o cronista escolheu.
De novo
deus brincou comigo: ai de mim que ando pelas ruas e não presto atenção ao meu
redor; ai de mim que saio a caminhar e meu mundo interior continua sendo a
minha paisagem preferida. Com sorte, posso captar algo que, vindo do exterior,
mexa com a minha cabeça ou meu coração. Aí sou capaz de notar. Fora isso, toda
a cidade me escapa. Ao construírem um prédio novo, não tenho ideia do que ali
havia antes. Não reconheço nas ruas as
pessoas públicas: artistas, políticos, empresários, jornalistas; não noto muito
construções importantes ou escolas arquitetônicas especificas. Porque será que não olho?
Então, qual
a resposta para: posso ser cronista?
Drummond
foi e era poeta; Clarice foi e era ficcionista. Machado,
Rubem Braga, Arthur Dapieve, Arnaldo Bloch, Veríssimo e tantos outros. Não os imagino
e nunca soube que andassem pela cidade
procurando cenas pitorescas que, mais tarde, viessem a contar a história em que
estiveram inseridos, as particularidades de uma época. Com exceção de Machado
de Assis.
Falamos do nosso tempo sempre, mesmo sem nos dar conta ou buscar por isso.
Falamos do nosso tempo sempre, mesmo sem nos dar conta ou buscar por isso.
Tendo a achar que meu professor foi rigoroso
demais com a crônica. Mas será que um ser desatento tem qualquer chance?
Pela teoria
das multi inteligências de Gardner, algumas
pessoas têm inteligência mais espacial, outras mais lógica, outras ainda
têm maior inteligência linguística. Não vou enumerar todas mas, o que me consola,
é que há a inteligência existencial, a interpessoal e a intrapessoal. Se por um lado o espaço exterior me escapa e
não tenho a menor ideia de como se olha um mapa, por outro circulo bastante bem no meu espaço interior e naquele que
existe entre mim e os outros. E muita coisa acontece nesses cantos e recantos dignas de serem contadas para quem também se dispõe a se colocar em um ângulo imprevisível.
Então, pode
se dar o caso das cenas serem ocultas, e não fotografáveis - literal ou metaforicamente?
Passíveis apenas de serem escritas?
Por certo
que o processo será mais lento porque não haverá a ambientação “cênica” por assim
dizer: o cenário. Terei de criá-la ou inventá-la a cada vez. Somente as palavras terão
que dar conta de ambientar minha “cena” na cabeça do leitor.
Pensar nisso me dá um certo alento e a esperança de que não necessariamente ficarei aprisionada no meu lirismo besta, na exaltação eterna dos meus próprios sentimentos.
Pensar nisso me dá um certo alento e a esperança de que não necessariamente ficarei aprisionada no meu lirismo besta, na exaltação eterna dos meus próprios sentimentos.
Posso extrair cenas que me livrem do lirismo (des)comedido. Sinto até uma ansiedade " a priori". Que poder tem uma experiência!
Não há meio
termo, nem caminho fácil, nem muito menos volta para a jornada que iniciei. Com
ou sem respostas ( e tenho certeza que quando tiver alguma, as perguntas já
terão mudado) seguirei procurando essa pulsão de vida que acabo de descobrir, o
meu prazer, o meu gosto e o meu desgosto através desse bordado cheio de
detalhes, linhas que se entrelaçam, frases que turvam, clareiam, tensionam,
relaxam, cores que ora combinam, ora descombinam. Desenhos e pontos que o
tornam delicado ou rude. Alegre ou triste. Esse ter como instrumentos agulha,
linha e imaginação; esse igualar direito e avesso que é a competência máxima da bordadeira; esse querer surpreender é o
que eu chamaria de querer tocar o coração do leitor.
Às vezes de leve, outras nem tanto mas sempre recriando figuras que ele possivelmente já conhece e devolvendo, em forma de palavras e ideias, aquilo que ele dá tão generosamente: a vida ao redor.
Às vezes de leve, outras nem tanto mas sempre recriando figuras que ele possivelmente já conhece e devolvendo, em forma de palavras e ideias, aquilo que ele dá tão generosamente: a vida ao redor.
Para variar percebo que você estava do lado errado. Por que não deu o curso? Falta de tempo? Como sempre muito legal. Um grande beijo. Paulo
ResponderExcluirObrigada querido Quem sabe um dia estarei do lado de lá? rsrsr Vou me esforçar . Beijos. Muita saudade. Vc disse que viria aqui e evaporou. Estou ficando um pouco aborrecida.
ResponderExcluirClaudia, vamos lá! Previa antes da discussão cara a cara:
ResponderExcluir1) texto denso e coerente. Você conseguiu manter o fio condutor apesar do risco das digressões.
2) contrariando a teoria, acho que a "boa idéia", neste caso, era "cheia" demais para ser apenas UMA ideia. E as sub boas ideias eram inevitaveis, porém perigosas. Acho que você resolveu bem, sempre trazendo as sub ideias de volta para a principal.Ficou amarrado.
3) O desenvolvimento em sub ideias foi super bem executado, cada uma com a sua importancia corretamente dimensionada.
4) Gostei do tom de humor, bem colocado e sem esvaziar a seriedade
5) Gostei também das referencias ao Kafka e ao Gardner. Dão sustentação.
6) No mais, é começar a olhar mesmo pra fora! E mergulhar com ou sem garrafa!
Bjs
Alice
Aguardarei a discussão tête a tête. Minha alma ou cabeça - vá saber, anda se retorcendo com todas essas questões.
ResponderExcluirBjs