Precisa-se
de uma vida nova. A gente sabe isso
quando nenhuma posição é boa, quando o corpo dói de qualquer jeito, quando os
sorrisos saem com dificuldade, quando a paisagem se torna banal mesmo que linda,
os dias uma sucessão de horas infelizes e as noites sempre dormidas não para
descansar mas para nunca mais pensar
Precisa-se
de um destino novo. Novos planos. Novos sonhos. A gente sabe que precisa e até
fica um pouco contente. O tempo de descobrir que não tem planos e sonhar é uma
prática há muito esquecida, pouco exercitada, e sobretudo, nunca perseguida.
Mas precisa-se,
e precisar não é um desejo é uma necessidade e não admite não ser satisfeita. Quem
tem fome tem que comer; quem tem sede beber; quem precisa de um abraço que seja
qualquer um porque o preço de uma necessidade desconsiderada é o desespero
seguido da morte.
Hora de
achar destinos, catar folhetos de possíveis viagens esquecidas no fundo das
gavetas já trancadas em almas antigas, mais alegres, mais corajosas e mais
criativas. Hora de saber porque não embarcamos nesses aviões e navios e trens
que um dia nos convidaram a partir. E se não partimos naqueles momentos tão amemos,
como haveríamos de cair na estrada agora, que o corpo dói, que a alma dói e que
o peso da vida não é descartável. Que delícia quando um balão perde altura e se
vai jogando lá de cima o peso extra, o que é supérfluo. O que pesa mas não
agrega e deixa o balão subir e seguir o rumo que o vento quiser.
E o medo? O
que se faz do medo? E se falhar? E se de novo falhar? Se não achar o rumo? Se
não ficar no prumo? Essa é uma última chance, uma última vez.
E aí me vem
a luz que ilumina atalhos sombrios, sonhos desbotados, mapas de tesouros muito
velhos e rasgados, álbuns de fotografias em preto e branco empoeirados. E e é
justo lá, nessa velharia, que estão os impedimentos, as culpas, os medos reais,
o peso real de uma vida inteira pela frente a ter que cumprir expectativas, a
ter que ser uma menina exemplar, a ter que ser grande e não decepcionar. É lá
nesse baú pouco explorado, largado num canto cheio de riquezas e ao mesmo tempo cheio de exigências
e confrontos e monstros prontos a nos tragar ao menor deslize, foi lá que que a
escolha foi difícil, foi lá que a angústia teve início, foi lá que o destino
transformou-se em incerto e, olhando de perto, foi lá que vida e morte se
enfrentaram pela primeira vez.
Sobrevivi a
anos quase infinitos e penso agora, que a meia parte da vida é a perfeita. É a
leve, é a que me pertence de fato, é a que não deveria me amedrontar: os
monstros ficaram presos no passado – me lembro bem disso e agora, que já nada
me ameaça, que os pavores dos erros são vícios adquiridos tão lá longe – nem os
vejo, agora o destino pode ser meu. Para que lado for. Escolhido só por mim,
vivido só por mim. Rindo dos erros e acertos. Me importando tanto com uns
quanto com os outros, ou seja, não me importando.
Do que
começa agora, eu sou a dona absoluta e o máximo a enfrentar é minha finitude que
afinal não assusta porque também será muito bem-vinda. Caminha-se sempre para
um fim. Não há estrada que não dê em nada. Seguirei a minha – ainda sem saber
qual é mas haverei de achar e tropeçarei na morte em um momento qualquer que
sempre estará bem, porque de alguma forma esse destino terá me conduzido
exatamente para onde deve dar. Só peço duas coisas: que eu tenha alguma escolha
nessa hora tão solene e que haja uma mão querida para segurar a minha.
Breathless ... mas é irresistível ver esse texto esteticamente, tão bem construído e tão lindo. A cada dia, precisamos (todos) de novas vidas e recomeços, como na canção do Milton - Encontros e Despedidas. Um beijo grande!
ResponderExcluirMuito lindo, Claudia. Tem tudo a ver com meu momento... Mas sinto que os medos e as angustias continuam ainda depois da "meia idade", quando se já está caminhando para a "terceira idade". Para ser livre, leve e solto é primeiro preciso se desapegar. De tudo. E toda dificuldade reside ai. E para ser livre, leve e solto teríamos que não ter obrigações materiais, preocupações materiais.Como fazer? Eu ainda acho que deve- se seguir a recomendação de um sábio judeu que diz que as vezes é necessário agir primeiro e refletir depois.
ResponderExcluirbjo grande da França
Estou sem folego. Li de uma tacada, sem sequer respirar. Vai me dar muita vontade de conversar, logo depois de reler 30 vezes esse texto INCRÍVEL.
ResponderExcluirBjs, Marcia
Li nas madrugadas insones muito legal estamos todos nessa
ResponderExcluirvc é um talento ! MT bom !
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