Hoje, conversando
com uma amiga muito querida, ela me disse que eu precisava voltar a escrever no
Blog. Respondi, meio querendo me livrar da obrigação de pensar em algo tão
sério, que a vontade de escrever havia me deixado mas que tinha certeza que
seria passageiro. Sei que não convenci nem a ela nem a mim. A cada pergunta
sobre minhas atividades mais corriqueiras a resposta era a mesma: “isso não
tenho tido vontade de fazer, mas já já volta”. E desliguei o telefone com a
amarga sensação de que nada mais me deixa contente ou me entusiasma. Pior, nada
mais me parece necessário e o que dirá suficiente para viver. E digo: não é depressão por que essa conheço muito
bem.
Desligamos
e, claro, o assunto ficou me rondando, mas não me atacando o suficiente para
que eu tomasse uma decisão. Vi uma novela atrás da outra – coisa impensável até
bem pouco tempo, vi o jogo do Flamengo, mais novela, séries no Universal Chanel
e o assunto da minha falta absoluta de prazer como pano de fundo para toda essa
tentativa de anestesiar meus sentimentos através da tv. Mas foi justamente da telinha que veio a grande
inspiração. Num especial do Gil na Globonews, alguém perguntou se tinha sido
difícil deixar para trás suas raízes e ele disse que toda planta viva tem o
privilégio de sempre achar solo fértil e criar novas raízes. Que ele mesmo, por
vezes dolorosamente, era obrigado a se “arrancar” e se plantar de outra forma,
em outro lugar e em novas condições.
Foi o que
bastou para que eu começasse a pensar seriamente no que é que não estou conseguindo
arrancar. Concluí, pelo menos momentaneamente que me é muito difícil acordar.
Acordar de verdade, com vontade, com prazer. Riam ou pasmem, não me libertei do
vício. Enquanto fumava, abrir os olhos e pensar em um café fumegante, uns três cigarros
e o jornal, me fazia pular da cama. Prosaico? Bobo? Pode ser, mas era assim. E
daí para engatar o dia era muito fácil. Tudo fazia sentido, até os
contratempos.
Nos primeiros dias sem nicotina, a autoestima
por estar fazendo algo muito difícil e o foco nessa tarefa hercúlea dão conta
de desviar a atenção. O café e sua “força” resolvem. Depois viajei um mês e,
acordar, tomar um café e sair para passear de férias e em cidades lindas com
tanta coisa para ver também “dava uma onda”. Depois tudo foi perdendo a graça sem
que eu me desse conta. Estou tirando aí os períodos brabos de dores etc. E nem
estou falando de acordar por “ter” que acordar. Porque há um compromisso. Estou
falando em ficar feliz por acordar porque alguma coisa muito estimulante está aguardando.
Penso que nunca mais li o jornal de cabo a rabo como costumava. Meu cantinho de
fumar e ler na varanda está abandonado há mais de um ano. Eu não me achei de
novo nem dentro de casa.
Talvez se
morasse com alguém e tivesse para quem dar bom dia e conversar já fosse um
prazer. Minha filha já saiu quando acordo. Mesmo assim tenho dúvidas. São
muitos anos morando sozinha e provavelmente companhia pela manhã mais me faria
querer dormir que acordar.
A pergunta
que não sai hoje da minha cabeça é: como de descobre um prazer que seja diário
e de intensidade regular? Experimentando? Talvez. Mas é preciso que se torne um
vício? Pode ser a endorfina dos exercícios mas isso demora um mês ou mais para
virar indispensável Se [re]plantar é isso? E se for o contrário? A meditação?
Ou ir à praia? Ai, se ao menos eu gostasse de um esporte... Porque o prazer é
um animal de múltiplos tentáculos. É um polvo que agarra toda a nossa vida e
nos faz querer ter outros prazeres: ler, trabalhar, ter amigos, fazer nada,
contemplar. É preciso uma ignição. Um prazer fundamental ou inicial.
Não acho de
todo fútil que esteja falando do cigarro. Estou, de fato, me referindo a um
ritual quase religioso e que durou uns quarenta anos. Não se pode subestimar.
Tentei
resgatar, confesso, na ausência de coisa melhor. Armei-me de tudo: cigarros,
isqueiro, café. Falhou. Enjoei, tossi...não consegui. Um prazer não volta só
porque você quer. Não dá para gostar de novo de quem você não gosta mais. É
preciso entender, muito bem entendido, quem você se tornou, onde foi que se perdeu,
e o que foi que perdeu. Então se [re]plantar em solo para o qual sua plantinha
atual esteja mais propensa a crescer e frutificar. Falhei em meu próprio
diagnóstico. Confundi o que eu precisava fazer com o que os médicos precisavam
fazer. Aliás, falhamos ambos.
Comecei
escrevendo esse texto que me obrigarei a publicar embora tenha a sensação de
que poderíamos classificá-lo na quinta categoria. Eu tinha prazer em escrever.
Tive agora. É um começo. Acho.
São três horas da manhã e o prazer que me fará
dar bom dia ao sol terá que ser outro. No entanto, fico contente por hora. Por
ter entrado na nave do tempo e aterrissado num passado em que só a noite me era
completamente prazerosa. Isso foi há muito tempo.
Desnecessário falar de como escreve bem. Mas importante falar de como atinge o ponto da dor, ou como diria Paulo Coelho, o cerne da questão. "Um prazer não volta só porque você quer" é tão óbvio e por isto tão esquecido. Além disto há "nada mais me deixa contente ou me entusiasma. Pior, nada mais me parece necessário e o que dirá suficiente para viver.". Parece que somos irmãos siameses. A parte homóloga que somos intimamente ligados é o sentimento. Beijos
ResponderExcluirMeu querido,
ResponderExcluirnem vou falar nada. Sei muito bem o que nos liga. Está tudo dito e entendido.
Lov
Que bom ter suas reflexões de volta! É um prazer tê-las...de volta
ResponderExcluirObrigada Rita. Essas manifestações são estimulantes! Bjs
ResponderExcluirClaudia, outro belíssimo texto! Adoro quando sua angustia dilacera e escracha o seu íntimo e provoca reflexões! O resultado é sempre visceral. E de muita qualidade!
ResponderExcluirDesde que li a sua postagem, tenho pensando nessa questão do prazer. Prazeres. Simples ou complexos. Efêmeros ou perenes.
Acho que alguns prazeres são condicionados. Rotinados. E necessários, como você diz, para impulsionar o acordar. Dar sentido a cada novo dia. Organizar os movimentos. Construir (?) a felicidade macro. Criar a sensação de realização. Seja o café, ou o cigarro, ou o jornal, ou a caminhada matinal, ou a academia, ou a aula, ou o trabalho, ou qualquer outra atividade/ocupação/obrigação que, de forma automática/mecânica/inconsciente, iniciem uma ação. Esses “prazeres”, podem, inclusive, conter uma dose de desprazer. Incluir esses hábitos na nossa rotina é uma decisão. Necessidade. Opção. Determinação. Escolha. Ou falta de. Mas, nem por isso, deixa de ser prazer. Ainda que seja de ordem prática. Pois é prazer tudo que nos impulsiona e motiva.
Mas há os prazeres que regem a sensibilidade. E colorem e musicam nossa vida. Esses prazeres surgem de motivações espontâneas e inesperadas. Estar com alguém. Tocar um instrumento. Escrever. Doar-se a uma atividade comunitária. Alimentar cães abandonados. Cuidar do jardim. Fazer compras. Cozinhar. Praticar esportes. Ou sei lá que outros infinitos prazeres podem ser enumerados. Hoje, acredito que esses prazeres surgem de dentro. Do íntimo. É um processo solitário, individual e pessoal. Mas não se alimenta eternamente apenas de dentro e do íntimo. Em algum momento, precisa da correspondência, validação de fora. Ou não se mantém. Sem o reconhecimento externo, de alguma forma, em algum momento, deixa de ser um prazer. Esses são os prazeres mais difíceis de encontrar. E, caso perdidos, substituídos. Pois não dependem de uma ação prática, e sim, de uma inspiração, uma habilidade, uma vontade, que tem que ser aprendida, reconhecida, identificada. Mas, seja como for, sem eles, a vida torna-se opaca e insossa.Quase insuportável.
Adorei a metáfora das raízes do Gil! Arrancar raízes de terrenos estéreis e replantá-las onde possam desabrochar em exuberância é aprender a essência do viver. Isso envolve deixar amores que já não amam, habilidades inábeis, linguagens que não ecoam, atividades que não produzem. E buscar outros amores, experimentar outras habilidades, falar outras línguas, produzir em outras atividades.
Os pequenos prazeres suportam nossa existência. Os grandes, a justificam.
Espero que você logo encontre o seu novo cigarro. E que ele te dê chão para que outros prazeres te tirem esse mesmo chão!
Um beijo.
Alice
Maria Alice que situação embaraçosa para dizer o mínimo: eu escrevo no meu Blog e a comentarista escreve melhor que eu rsrs. Adoro seus comentários. acho que já disse isso mil vezes. Gosto muito de ver como me fiz entender e como vc dá prosseguimento e organização às minhas reflexões que muitas vezes se derramam de forma tão confusa e desordenada. Genial.... "os pequenos prazeres suportam nossa existência. Os grandes, a justificam". O novo cigarro é exatamente da primeira categoria e estou procurando agora com afinco. Interessante notar que esse afinco não pode virar obsessão.
ResponderExcluirE um prestar atenção meio distraidamente, tentando tornar cada atividade tão leve que chegue a se constituir em um prazer. Opa! assunto para novo post rsssss. Perdão mas continuarei a escrever.
Bj gigante e obrigada