Só hoje fui ver “A pele que habito”.
Sempre que entra em cartaz um novo filme de Almodóvar, fico louca para assistir e vou na primeira leva. Por acaso com esse não foi assim e talvez tenha sido bom. Não fui ver um Almodóvar qualquer, guardeio-o como um tesouro para o início do ano para sentir coisas muito diferentes do universo feminino colorido e triste. Claro que estou até agora pensando, capturada que fui pelo filme de terror de Almodóvar.
O filme é tenso, muito tenso, cria um enorme mal estar. É um filme de terror sem os gritos e sustos do gênero. Mas para mim vai além. Acho que deve ser a tensão de habitar a pele errada. Deve ser muito tenso. Penso que todos nós devemos nos perguntar, quando não estamos bem, onde é que a pele não está de acordo com a alma.
Também não sei se o nome Vicente foi proposital numa referência a Vincent Van Gogh, outro que não suportou a própria pele e teve que terminar com a vida.
Que possibilidades terá o Vicente do filme? Na minha opinião nenhuma. Só a morte. Como de resto, nenhuma possibilidade teve a ex-mulher que, ao ver seu reflexo queimada, não viu alternativa senão atirar-se pela janela.
Ter um interior intacto, não basta: a pele tem que ajustar-se.
Ter a pele perfeita não garante identidade: o interior deve dar seu “de acordo”.
A primeira frase do filme já nos mostra o equívoco do cirurgião inescrupuloso, acostumado a lidar com peles que as pessoas provavelmente lhe pediam para ajustar à suas almas: “não basta salvar a vida de um queimado. É preciso lhe dar um rosto. O rosto é o que nos define”.
Foi por falta desse rosto que viu sua mulher saltar para a morte e, depois, quando se viu tomado pelo ódio por Vicente (o rapaz a quem ele atribuiu a culpa pela morte de sua filha), tratou de usá-lo para reconstruir sua mulher com a pele perfeita que não queima e não sente dor, mas também (vingança suprema) dar-lhe um invólocro incompatível que, ele sabia, seria intolerável - ou não sabia, louco que era.
Ódios tornam-se amores, o criador esquece-se da alma da criatura e se apaixona pela pele que construiu - leia-se rosto e corpo da ex-mulher. Na minha opinião, o cirurgião nem sabe que pele lhe serve mais – perdera a mulher para a falta de rosto, e a filha para a falta de alma. Testemunhar o salto e a figura da mãe – sabendo que homens podem produzir aquilo (o incêndio com o Tigre), tirou da menina qualquer possibilidade de confiança e afeto pelo ser humano.
Ódios tornam-se amores, o criador esquece-se da alma da criatura e se apaixona pela pele que construiu - leia-se rosto e corpo da ex-mulher. Na minha opinião, o cirurgião nem sabe que pele lhe serve mais – perdera a mulher para a falta de rosto, e a filha para a falta de alma. Testemunhar o salto e a figura da mãe – sabendo que homens podem produzir aquilo (o incêndio com o Tigre), tirou da menina qualquer possibilidade de confiança e afeto pelo ser humano.
Robert é um homem aprisionado em sua própria pele e alma - ou nem uma coisa nem outra, um homem que desconhece seus limites e "onde habita", com a arrogância de um Deus que pretende dar e tirar peles transgênicas a qualquer preço, e cujos castigos e vinganças que conhece, passam por essa manipulação. Fazer a barba de Vicente é uma amostra do quanto "lidar" com peles lhe dá prazer.
O filme é trágico. Muito trágico. Pessoas comuns impulsionadas para a morte por acasos que aparentemente não deveriam pertencer a suas vidas. Pessoas incapacitadas de lidar com seu dentro x fora.
A incompatibilidade dos dois parece que não deixa saída. Ou há e Almodóvar não vê? O que dizer do Fantasma da Ópera, do Corcunda de Notre Dame, do Homem Elefante? E do mundo de almas atormentadas de artistas, intelectuais e pessoas comuns que nem por isso só vêem a morte como solução?
Ou sou eu que não vi ainda uma "segunda pele" no filme e sim, Vicente vai achar um jeito de viver com sua nova pele?
Não acho que haja resposta.
Ou sou eu que não vi ainda uma "segunda pele" no filme e sim, Vicente vai achar um jeito de viver com sua nova pele?
Não acho que haja resposta.
Para mim, fica a pergunta: o que, de fato, nos define? O filme é uma história de terror gratuita ou quer nos fazer pensar?
Sou obrigada a confessar que mais uma vez abriu-se a temporada Almodóvar. Toda vez que assisto a um filme novo, morro de saudade dos anteriores e os re-vejo quase todos em seguida.
Não vai e ser diferente dessa vez. amanhã começo a alugar os filmes antigos e terei um delicioso mês de janeiro recheado de Almodóvar.
A Pele que Habito permanecerá em minha cabeça por muito tempo. Provavelmente chegarei a muitas conclusões, sozinha ou com a ajuda dos amigos, mas para mim foi dos melhores filmes dos últimos tempos.
tô pensando ainda...
ResponderExcluirEu também. Escrevi para me livrar um pouco daquele mal estar rss
ResponderExcluirChegou bem?
Bjs, saudades